Maurício Andrés Ribeiro
O rodoviarismo como uma normose que congestiona as cidades.Ilustração Cláudio Martins. |
Consumismo, viajismo, carnivorismo são hábitos ecologicamente
destrutivos. São considerados normais, mas a partir de uma abordagem ecológica podem
ser vistos como doenças que causam danos ambientais. Por ignorância ou
inconsciência praticam-se atividades que danificam o ambiente, que se
caracterizam como normoses, uma modalidade de doença psíquica mais difusa e
branda do que as neuroses ou as psicoses. Quem as pratica são os normopatas,
assim como as neuroses são exercidas por neuropatas e as psicoses por psicopatas.
Jean Yves Leloup, Pierre Weil e
Roberto Crema definem uma normose como “o conjunto de normas, conceitos,
valores, estereótipos, hábitos de pensar ou de agir aprovados por um consenso
ou pela maioria de uma população e que levam a sofrimentos, doenças ou mortes.
São patogênicos ou letais, e são executados sem que os seus atores tenham
consciência desta natureza patológica, isto é, são de natureza inconsciente. As
normoses são estágios ainda não percebidos pela sociedade como doenças, tais
como as neuroses ou psicoses.”
Posturas ou modelos mentais como
o do especismo, que discrimina as
demais e privilegia apenas a espécie humana entre as demais, influenciam nos
comportamentos insensíveis que prevalecem na sociedade. Hoje ainda se considera
as guerras como atividade normal apesar de sua destrutividade intrínseca e dos
danos que causam ao ambiente natural e construído. O belicismo é atitude politicamente aceita e o armamentismo uma dinâmica economicamente valorizada. São normoses.
Numa cidade convive-se com
injustiças sociais e econômicas, com situações que geram poluições ambientais e
afetam a saúde individual e coletiva. Por insensibilidade, anestesia,
enrijecimento, ou conformismo fecha-se os olhos para tais questões. São normoses o rodoviarismo, os congestionamentos de automóveis que entopem as
ruas, desperdiçam combustíveis e energia, poluem o ar, aumentam o tempo de
deslocamento das pessoas, prejudicam sua qualidade de vida.
A cidade e a arquitetura de alto consumo de energia e alto índice de
emissão de carbono agravam os desequilíbrios climáticos e ambientais. O mimetismo de padrões urbanos e
arquitetônicos de climas frios é uma normose quando se aplica a climas
tropicais.
Há normoses que perpetuam
injustiças sociais. Em sociedades no passado o escravagismo era normal, com a compra e venda de seres humanos. O
abolicionismo ajudou a extirpá-la. O racismo
foi uma normose até que se tomou consciência de que é um problema. O colonialismo foi uma normose até que os
movimentos pela independência o questionaram e levaram a sua extinção.
Há hábitos que prejudicam a saúde
física. Assim, o sedentarismo é
crescentemente percebido como um estilo de vida pouco saudável e passa a ser
combatido. O tabagismo foi considerado normal até que foi associado ao câncer de
pulmão e campanhas de combate ao câncer evidenciaram tratar-se de hábito
nocivo.
A superação das normoses se
inicia com a tomada de consciência de cada pessoa que, quando desperta, deixa
de se deixar levar por comportamentos imitativos, automaticamente. A partir dessa autocritica e capacidade de
discernimento avolumam-se críticas a tais hábitos.
Burocratismo, industrialismo, produtivismo são normoses. Serão
superados quando crescer a percepção dos problemas a eles associados e quando a
sociedade desenvolver a vontade e os meios para deixá-los para trás. Como
outras normoses, quando se tornarem psicologicamente impossíveis,
desaparecerão.