quarta-feira, 29 de março de 2023

Estilo de vida de baixo impacto

Maurício Andrés Ribeiro
Cada pessoa pode ser um cogestor consciente da evolução e agente de redução da emissão de gases do efeito estufa, e portanto um gestor das águas na atmosfera, ao tornar-se responsável e consciente e ao reduzir a sua pegada ecológica e hídrica, atividades e hábitos que provocam a emissão de gases do efeito estufa. Reduzindo a demanda de água, de energia e materiais, reduz-se a pressão sobre a natureza e sobre a capacidade de suporte do ambiente. A vida contemplativa e a preservação ambiental têm relação direta entre si. Adotada por místicos, iogues, sadhus, sábios é um estilo de vida com baixa demanda sobre os recursos naturais. Antigas civilizações adotaram valores e práticas de preservação ambiental. Esse comportamento viabiliza a existência de maior população com menor impacto ambiental: quanto menos se criam demandas de consumo, menor será a pressão para transformar em bens de consumo a natureza. Assim, na civilização indiana, que sacralizou bichos e plantas, um ideal subjetivo para a vida é o da vida contemplativa, com mínima interferência sobre a natureza. Reduzir o quanto possível a utilização dos recursos naturais, de objetos de consumo, alimentos, vestuário, espaço, energia e chegar à pura contemplação e observação da vida, da natureza e das coisas são metas ambiciosas que reduzem efeitos degradadores sobre os valores e o ambiente. A vida contemplativa muitas vezes implica intensa atividade interior e trabalho consigo. Implica em fazer menos ações sobre o mundo externo, sentir e pensar mais, implementar a psicopolítica, a psicoeconomia. É uma meta difícil, pois exige equilíbrio emocional e lucidez mental, centramento, autoconhecimento, capacidade de dominar as emoções, atuar e fortalecer a subjetividade. Focalizada em questões do universo interno, mental e psicológico, lida com o intangível e reduz a pressão sobre os recursos do ambiente externo. Um suposto desse caminho é o de que, da mesma forma como influencia nos processos ambientais e climáticos, o ser humano é capaz de influenciar nos processos internos da consciência, no sentido do autoaprimoramento e do autoconhecimento. Práticas de meditação reduzem a ansiedade e o estresse do praticante, conduzindo-o a um estado de relaxamento em que são diminuídas a frequência respiratória, a quantidade de oxigênio consumida pelo metabolismo e a produção de gás carbônico na expiração. Mudanças de estilos de vida, com postura menos hiperativa, a valorização da lentidão, contra o frenesi alucinante e a velocidade – slow food, slow is beautiful – e a ênfase na introspecção, na reflexão e nos estudos podem contribuir para reduzir o ritmo de emissão de gases de efeito estufa e a devastação ambiental. A ação mais descarbonizada é aquela que se deixa de fazer. Uma maneira radical para eliminar impactos é eliminar ou reduzir radicalmente a ação, adotar o wu-wei taoísta, saber quando se deve ou não agir, agir pelo não agir. Reduzir viagens não essenciais, adotar estilo de vida minimalista, atuar sobre os desejos que geram ações desnecessárias, lutar pela abolição das guerras são parte um estilo de vida de baixo impacto.

segunda-feira, 13 de março de 2023

Hidrocídio

Maurício Andrés Ribeiro
Quando se tenta matar alguém, mas não se obtém sucesso, diz-se que houve uma tentativa de homicídio. Quando se tenta provocar a própria morte, mas não acontece o resultado esperado, houve uma tentativa de suicídio. Em ambos os casos as tentativas foram intencionais, com o objetivo de alcançar aquela finalidade. O genocídio, o feminicídio e outros tipos de ações para resultar em morte são frequentemente praticados intencionalmente, movidos pelo ódio, pela falta de amor e de compaixão, pela intolerância política, religiosa ou afetiva ,pela insensibilidade moral ou estética. O ecocídio e o biocídio, com ataques à natureza e à vida, por vezes são intencionais. Entretanto, são muitas vezes cometidos de modo inconsciente, por ignorância. Somente mais tarde, depois de realizados estudos científicos, se constata que aquelas mortes no ambiente e nas espécies ameaçam a sua extinção definitiva. Desperta-se então a consciência para a necessidade de medidas de proteção que evitem essas perdas irreversíveis. O hidrocídio é a conduta de um ser humano ou de uma sociedade ao matar um corpo d’água. Quando existe o benefício econômico imediato ao poluir um rio ou o oceano com esgotos urbanos e industriais ou agrícolas, justifica-se a sua poluição como um mal menor. Perde-se então a riqueza da vida que neles existia. Vence temporariamente a hidroalienação. Nas cidades, por muito tempo aceitou-se cimentar, retificar, asfaltar as planícies de inundação e os leitos maiores dos rios, para aproveitar os valiosos metros quadrados de terreno ao longo deles e construir novas pistas de rolamento para circular os veículos. Os rios são enterrados vivos, escondidos da visão dos cidadãos urbanos que transitam sobre eles. Trata-se de outra forma de tentativa de hidrocídio. Acontece que tais tentativas não são indefinidamente eficazes. Chega um dia em que as águas de superfície, transformadas artificialmente em águas subterrâneas, mostram que estão vivas. Nas chuvas mais fortes provocam enchentes nas cidades, pessoas morrem afogadas dentro de seus veículos, rompe-se a pavimentação e o asfalto que sufocavam as águas e os rios. As tentativas de hidrocidio praticadas por ignorância e alienação fracassam a médio e longo prazos, quando as águas mostram a sua força, na medida em que a sociedade aprende com seus erros. O tempo ensina aos cidadãos urbanos, aos urbanistas, aos governantes, que há grandes benefícios em manter os rios correndo em seus leitos naturais ao ar livre e que compensa investir para que a qualidade de suas águas não seja prejudicada. Mudam-se então os padrões de atuação, desperta-se a hidroconsciencia. Isso favorece o renascimento dos rios nas cidades pois mudam-se as práticas hidrocidas e passa-se a integrar novas práticas no planejamento e na gestão urbana. Artistas, urbanistas, ativistas ecológicos são alguns dos segmentos da sociedade que têm sensibilidade para perceber primeiramente a necessidade de mudanças. Suas atividades contribuem para romper a inércia na formação profissional e para adotar novas ideias que levam a praticas mais amigáveis para com as águas. Aqueles rios que foram intencionalmente condenados a receber rejeitos ao serem enquadrados pelos padrões de classificação das águas, passam a ser tratados com mais cuidado para melhorar sua qualidade. Os oceanos, tratados como lixeiras da humanidade, com suas enormes ilhas de resíduos, plásticos e outros, recebem atenção e passam a ser mais bem cuidados. As tentativas de hidrocidio local e global serão contidas por meio da evolução da consciência e de uma economia e sociedade mais amigável para com as águas.