terça-feira, 16 de abril de 2024

A arte de Maria Helena Andrés e a ecologia espiritual


Desde suas origens os seres humanos tiveram conexões com dimensões espirituais da realidade para além do mundo físico. A partir desse impulso criaram as várias tradições que influenciam as vidas de bilhões de pessoas no planeta.

A ecologia espiritual lida com as relações dos seres humanos com aquilo que considera sagrado: Deuses e deusas, santos, elementos da natureza, fontes de energia, entes abstratos. A ecologia espiritual enfatiza a conexão do ser humano com o ambiente, o respeito  e o cuidado com a natureza, a importância da consciência e da responsabilidade ecológica.

Os artistas em todas as épocas  se conectaram com a espiritualidade. Por meio de vínculos com as religiões estabelecidas, pintaram os deuses, santos e seres sagrados. Muitas pinturas de Leonardo  da Vinci e do Mestre Athayde e  esculturas do Aleijadinho e de Michelangelo mostram  cenas da tradição cristã. Alguns artistas  pintaram a relação com a natureza sagrada, o sol, os céus, as águas, as plantas e os animais; outros retratam a busca da centelha divina dentro de si e das pessoas humanas.

A busca pelo espiritual na arte está presente em toda a obra de Maria Helena Andrés, como escritora, artista ou ilustradora. Escreveu sobre  isso em seus livros Vivência e Arte, Os caminhos da arte e Encontros com mestres no oriente. Como artista plástica,  inicialmente desenhou vias sacras e pintou Madonas barrocas. 

Estudos para Via Sacra - nanquim sobre papel 1953


Ela escreveu que  “As madonas barrocas, ligadas à nossa tradição, foram uma porta entre a Terra e o Céu, entre a Guerra e a Paz. Elas me conduziram para novos caminhos.”

Madona Barroca, óleo sobre tela, 1966.

A partir da metade de sua vida, na década de 70,  realizou várias viagens de estudo à Índia e abraçou  uma perspectiva holística e integral. Pintou mandalas, que simbolizam a unidade cósmica. Ela escreveu:  “Os meus quadros de Mandalas foram feitos para finalizar todas as fases. Mandala sempre representa um círculo em que todas as faces são iguais. É um símbolo de integração, e eu, naquela época, estava integrando todas as minhas fases, para começar a pintar em grandes espaços... Mandala é um símbolo cósmico muito usado pelos orientais em suas meditações. Os cristãos também adotam a forma circular, nos vitrais de Chartres, Notre Dame e vários outros.”  

Criou tapeçarias com mandalas  para a igreja de Nossa Senhora de Copacabana, no Rio de Janeiro, e painéis em azulejo com mandalas para igrejas na Serra da Piedade e em Diamantina.

Fez paralelos entre os templos, procissões e deuses indianos e os santos cristãos, em ilustração no álbum Oriente-Ocidente, integração de culturas. 

ilustrações no Álbum Oriente-Ocidente, 1986.




Fez várias ilustrações sobre divindades hindus para o livro infantil Pepedro nos caminhos da Índia. Algumas dessas divindades são figuras de animais, como o elefante (Ganesh), o macaco ( Hanuman) , o boi (Nandi) naquela tradição que sacraliza a natureza.

Shiva, Parvati e Ganesha, o deus elefante removedor de obstáculos.


A deusa hindu Kali, ilustração para o livro "Pepedro nos Caminhos da Índia.

Sarasvati, deusa do conhecimento e das artes . Ilustração para o livro "Pepedro nos Caminhos da Índia".

Como ilustradora, desenhou divindades de várias civilizações e culturas: a Iemanjá das tradições africanas e Afrodite, da mitologia romana.



Figuras: Iemanjá e Afrodite -ilustrações para o livro A água fala, 2018.


Figuras geométricas, abstratas, são expressões da essência. 

Maria Helena  realçou a dimensão espiritual na arte construtiva, não figurativa, inclusive na tradição indigena brasileira e escreveu: “A arte construtiva propõe uma forma impessoal, sem fronteiras regionalistas, que congrega os irmãos desse planeta num todo espiritual, transcendente. Isso porque o seu processo exige disciplina e muita concentração. Exige limpeza, clareza e desligamento do mundo real para a construção de uma outra realidade artística...Isto significava mergulhar dentro de si mesmo em busca da ideia primordial que se transformaria numa forma nova, completamente desligada da figuração externa. “

"A pureza na arte concreta é imprescindível. Talvez seja ela a ponte que liga a arte à ciência, à matemática e à física, penetrando também no plano em que se encontram com o espiritualismo inato do ser humano. "

Na sua busca  do autoconhecimento, escreveu que o Deus onipresente não está apenas acima de todos, lá no alto e bem longe, mas está dentro de cada um. Diversas tradições espirituais enfatizam a presença  dessa centelha divina em cada  ser humano.

Com a consciência da importância da unidade humana, escreveu que “O caminho das estrelas só poderá ser conquistado pelo homem realmente integrado e evoluído". Desenvolvendo sua própria criatividade, o homem se elevará do caos para a harmonia, da violência para a serenidade, da competição para a compreensão, da diversificação para a Unidade e do individualismo para a Totalidade.”

Artista versátil,  com obra diversificada, Maria Helena Andrés sempre caminhou em busca da unidade, da essência, da síntese, de uma visão holística que fosse além das aparências, da espiritualidade para além da matéria.






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