sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Ecologizar a comunicação



A ampla gama de questões ambientais da atualidade, que não cessa de crescer, está sujeita a muitas controvérsias e polêmicas. Para cada tema específico dessa agenda, é usual haver posições que variam de A a Z, do preto ao branco, passando por todo o espectro de tonalidades, cada uma delas com seu embasamento e fundamentação próprios. Há posições extremadas que, por interesses econômicos de autoproteção e por defesa psicológica para reduzir o sentimento de culpa, procuram minimizar a gravidade dos problemas, tampar o sol com a peneira, legitimar comportamentos que pressionam o ambiente; no outro extremo, há posições catastrofistas, que dramatizam, amplificam e exageram os problemas, semeiam pânico e histeria, para obter atenção política e recursos econômicos. Ambos os extremos prestam um desserviço à sociedade: por um lado, os integrados podem atrasar a tomada de decisões; por outro lado, os apocalípticos podem colocar em descrédito a causa ambiental, ao anunciarem catástrofes que não ocorrem. A confiabilidade das fontes de informação é um valor fundamental. Aqueles que repetem alarmes falsos ou que tentam enganar sobre a gravidade dos problemas perdem a credibilidade.
Na cobertura da questão ecológica, alguns temas são superexplorados e cala-se sobre outros. Por conveniência empresarial ou ideológica, deixam de ser pautados temas que possam causar desgastes diante de anunciantes, tais como a indústria da carne, a indústria automobilística, a indústria do petróleo ou da extração de minérios, a indústria alimentícia e a farmacêutica. São pautados e supervalorizados assuntos que causam sensação e ajudam a atrair leitores e espectadores, porém que não contribuem para a formação de consciência ecológica profunda.  Fritjof Capra (1993)[1] denuncia os meios de comunicação ao afirmar que são atualmente dominados pelo mundo dos grandes negócios, especialmente nos Estados Unidos, e que seu conteúdo é devidamente censurado.
Ecologizar a comunicação significa mais do que criar editorias de meio ambiente na mídia. Significa introduzir em cada uma das editorias – de política nacional ou externa, economia, cultura, cidades, ciência e tecnologia, assuntos locais, além de esportes, agropecuária, indústria e comércio, negócios, finanças etc. – o toque ecológico. Esse tema não pode ser segregado nas páginas, cadernos ou programas de meio ambiente, mas precisa permear cada uma e todas as áreas da comunicação, para que seja eficaz como instrumento de mudança cultural e para que complemente as demais formas de aprendizagem formal e informal.

Para ecologizar a comunicação, recomenda-se:
•. Capacitar e formar os jornalistas, assessores de imprensa de órgãos públicos e de empresas, os editores e toda a cadeia de profissionais que cuidam da comunicação nos temas relacionados à sustentabilidade – ambientais, hídricos, ecológicos e climáticos; entender as questões de forma integral e ir além dos enfoques pontuais sobre temas específicos. O editor ou o jornalista bem preparado e capacitado profissionalmente para absorver a informação e expressá-la pode melhorar o nível de cobertura da imprensa sobre temas ambientais, e assim contribuir para a educação e as mudanças de valores e de ação prática. Nesse aspecto, o aprimoramento da formação cultural e dos conhecimentos técnicos e valores éticos do jornalista nas escolas de comunicação e fora delas é essencial para melhorar o nível de cobertura sobre a variedade de temas relacionados com as questões ecológicas.
•. Romper e desmistificar a linguagem e o jargão técnico, traduzindo as questões em termos que um cidadão comum possa entender. O jornalismo científico contribui para a formação da consciência ecológica, ao ligar a ciência moderna e o cidadão comum, de modo a transformar conhecimentos científicos em linguagem acessível, ajudando a metabolizar, na sociedade, valores ecologizados. Ao divulgar temas emergentes, tem função proativa na mudança de mentalidades e valores.
.  Matérias opinativas ou de divulgação científica tornam-se fontes de referência para o leitor carente de informações atualizadas e auxiliam na compreensão das mudanças.
Despartidarizar os temas ecológicos e colocá-los acima do patamar de interesses políticos e eleitorais de curto prazo, e tratá-los como política pública com visão de longo prazo; evitar contaminar o tema para conferir-lhe credibilidade.
•. Usar a comunicação como ferramenta de educação – educomunicação e ecopedagogia. Ela cumpre finalidades educativas ao colaborar para a expansão da consciência ecológica; tornar os cidadãos conscientes de sua unidade com o meio do qual tiram seu sustento; aguçar a percepção ambiental, por meio da educação dos sentidos; influir sobre hábitos, comportamentos e estimular ações de respeito ao meio ambiente; explicitar os impactos que o estilo da vida e os hábitos de consumo exercem sobre os ecossistemas naturais.
•. Alimentar com informação e conceitos os jornalistas para abordarem com competência os temas ecológicos. Usar o fluxo de informações como o fluxo de água, de maneira a evitar enxurradas de releases que inundam e assoreiam. Distribuir informações como uma boa chuva e ter um reservatório para os períodos de seca.
•. Divulgar boas práticas. A promoção e a divulgação de estudos de caso e de boas práticas de cidades sustentáveis, cidades saudáveis, ecovilas, permacultura, ecodesign são instrumentos poderosos para influir na consciência social e no aprendizado coletivo.
•. Usar a internet como importante veículo para divulgar e discutir as questões ecológicas.
A ampliação da função de serviço da imprensa, com as inserções de serviço público, tem importante papel educativo. Bem utilizadas elas contribuem para a criação de hábitos ecologicamente adequados.
Os veículos de comunicação constituem concessões do poder público. O cidadão pode reivindicar maior intensidade e quantidade de inserções de serviço ambiental, previamente regulamentadas e que tenham alto retorno educacional; e realizar uma avaliação histórica abrangente sobre o desempenho da mídia na formação da consciência ecológica e sobre seu real papel de ecoalfabetização.
A poluição cultural e informativa precisa ser reduzida e informação de melhor qualidade precisa estar disponível para embasar a tomada de decisões e facilitar a participação consciente. A busca da sensação com motivação comercial frequentemente distorce e prejudica a qualidade da informação veiculada pela empresa jornalística. Da mesma forma, é importante que transcenda o enfoque denunciador.
Uma sociedade civil ativa é capaz de mobilizar a imprensa e a opinião pública, com potencial para compelir os governos a investir na gestão ambiental, corrigir e prevenir a ocorrência de novos problemas.

(*) autor de Ecologizar, de Tesouros da Índia e de Meio Ambiente & Evolução Humana. WWW.ecologizar.com.br
(**) Versão original deste texto integra o livro Ecologizar – volume 3- instrumentos para a ação. 4ª edição, Editora Universa, 2009.


[1]O autor nota que o capitalismo global opera redes eletrônicas – fluxos de financiamento e de informação, enquanto o projeto ecológico atua por meio de redes ecológicas e seus fluxos de matéria e energia.

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