E eu não tenho pátria, tenho mátria. E
quero frátria.
Caetano Veloso
Meu bisavô
francês Luiz Andrés migrou de Estrasburgo para o Brasil no século XIX, desgostoso com a guerra entre França e
Alemanha, que disputavam aquela região europeia.
Deixou
para trás seus irmãos e parentes e se estabeleceu em Juiz de Fora, MG, onde fundou
um colégio e formou família. Minha avó Maria Luiza alfabetizou seus seis filhos
numa fazenda no interior de Minas e ali eles aprenderam a falar francês, uma caprichada caligrafia e
hábitos alimentares tais como o de molhar o pão na sopa e tomar uma taça de
vinho tinto no jantar. Meu pai Luiz Andrés formou-se e exerceu a medicina em
Belo Horizonte. Na lista telefônica de Estrasburgo há muitos Andrés - ou melhor, Andrès, segundo
a peculiar acentuação francesa. Compartilho o DNA com meus primos que lá vivem.
O
psicólogo transpessoal Pierre Weil também nasceu em Estrasburgo, de onde migrou
para o Brasil durante a segunda guerra mundial devido à perseguição contra os
judeus. Ele tinha visão mundialista e dedicou-se por muitos anos à cultura da
paz. Aprendi com ele sobre a ecologia do
ser e os aspectos subjetivos da ecologia pessoal.
Estrasburgo
é hoje a sede do Parlamento Europeu, onde se debatem as questões da integração supranacional
e os desafios e tensões colocados pela composição diversificada da população
europeia, que incorporou descendentes dos antigos povos colonizados da África,
Ásia e América. E pelas ondas de migrantes de países em guerra e em crise
climática, que buscam refúgio na Europa
A
França encontra-se fraturada pela violência entre cidadãos franceses, que se
matam em ataques a sinagogas, mesquitas, mercados; a empresas de comunicação (Charlie
Hebdo), a bares (Bataclan) e a multidões nas ruas (Nice em 14 de julho). Como
desarmar a bomba fratricida na França? Há futuro para uma visão fraterna e mundialista?
Ou prevalecerá a violência entre irmãos?
As
palavras ‘fratura’ e ‘fraternidade’ vêm do latim frater, que designa aquilo que se partiu de um todo, mas que
compartilha uma mesma origem. Os princípios da Fraternidade, Liberdade e Igualdade,
compõem o ideário da Revolução Francesa de 1789. Liberdade sem Fraternidade
pode gerar escaladas de terror e de violência física, pessoal e social nas
comunicações e na convivência. A aplicação do princípio da Fraternidade pode
ser uma chave para deter essa espiral. Liberdade de
expressão e de comunicação não-violenta combinam com Fraternidade entre os
interlocutores. Há poder nas
palavras e em outros tipos de comunicação e mensagens. A falta de sensibilidade
para com as crenças, formas de vida e sentimentos do outro, de compaixão, de
solidariedade, de empatia podem produzir atos de comunicação que ofendem e
agridem. A comunicação não-violenta é essencial para reduzir a violência física,
que, com homicídios e agressões, é a ponta do iceberg
de uma violência mais geral, que se inicia nos
pensamentos, nas palavras, nos gestos ou imagens. Na comunicação, cada mensagem
verbal, escrita, desenhada ou falada é a ponta de um iceberg. Submersos e
invisíveis, nelas se escondem interesses, crenças, desejos, sentimentos,
pensamentos, emoções e preconceitos. Mensagens podem incitar ao ódio ou
inspirar o amor e a convivência fraterna. Podem injuriar, difamar, ironizar,
alfinetar e ferir, insinuar maldosamente. Nesse sentido, são armas para ofender, atacar, se defender de ataques
adversários. Pode-se evitar a escalada na espiral de violência na comunicação
falada, escrita, desenhada. Tais mensagens
podem inspirar, promover virtudes, despertar sentimentos edificantes. O cuidado com as palavras e com a linguagem integra o
esforço de aprimoramento da evolução humana.
Gentileza, cortesia, cordialidade, empatia e compaixão são atitudes que podem
desarmar escaladas de violência na comunicação. Podem contribuir para colocar
em prática o principio da Fraternidade. Liberdade com Fraternidade, Igualdade
com Fraternidade podem ser os objetivos a serem perseguidos para se interromper
a espiral da violência.
O poeta mexicano Octavio Paz[1]
explicita a importância de a Fraternidade ser combinada com a Igualdade e com a
Liberdade: “Dadas as diferenças naturais entre os seres humanos, a igualdade é
uma aspiração ética que não pode ser concretizada sem se recorrer ao despotismo ou a um ato de fraternidade.
Minha liberdade fatalmente se confronta com a liberdade do outro e procura
destruí-la. A única ponte capaz de reconciliar essas duas irmãs que
continuamente se atacam de faca é uma ponte feita de braços interligados: a
fraternidade.”
O princípio da Fraternidade abre caminho
para recuperar a unidade da humanidade, sem desconhecer sua diversidade e
caráter plural, dado pelas diferentes culturas regionais ou nacionais. A França fraturada é uma anfitriã que precisa acomodar pessoas de diferentes origens, com necessidades e hábitos diferentes, com
empatia, compaixão e compreensão da unidade humana.
Mahatma Gandhi aplicou o princípio da não violência, ou ahimsa,
quando da luta de libertação da Índia. A postura não violenta é pragmática e aumenta as chances de
êxito dos menos truculentos ou menos armados. Pode significar o êxito da
inteligência contra a força bruta. Por meio da violência, espalha-se o medo e
se facilita a opressão.
Minha
netinha Luiza tem em seu DNA a ancestralidade francesa. Ela é carioca e vive no
Brasil, onde ocorrem mais de 50.000 assassinatos por ano. Oxalá o princípio da Fraternidade
passe a ser mais aplicado e valorizado na França e no Brasil, reduzindo mortes
fratricidas entre os franceses e entre os brasileiros. Que Luiza possa viver
num ambiente menos conflagrado no Brasil e também na França, quando visitar
seus primos em Estrasburgo.
[1] Octavio Paz, poeta mexicano,
ex-embaixador na India. A referência é de artigo publicado no Estado de São
Paulo, sem data.
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