O ser humano
integra o mundo natural e compartilha uma base biológica comum com as demais
espécies. Guardadas as devidas diferenças entre o mundo natural e o mundo dos
humanos, uma abordagem ecológica do tema da corrupção pode iluminar alguns de
seus fundamentos biológicos e ajudar a lidar com ela.
Relações ecológicas
variam da parceria e cooperação ao antagonismo e competição. Assim, a simbiose
e o comensalismo são relações em que os organismos atuam em conjunto para
proveito mútuo; são desarmônicas interações como a antibiose (princípio usado
nos antibióticos, que matam ou inibem certos organismos vivos), a predação, o
canibalismo, o vampirismo, o escravagismo, o parasitismo.
O carrapato é um parasita que suga seu hospedeiro |
O parasita social
suga a sociedade na qual se hospeda, a explora e vive à sua custa; se
beneficia dela e a enfraquece quando extrai e se apropria de seus recursos
somente em proveito próprio. Dependendo da percepção ou da ideologia de quem os
define, já foram apontados como parasitas sociais os indivíduos que vivem à
custa alheia, os capitalistas, os burgueses, os senhorios, os que vivem da
previdência social. Nos governos, alguns veem como parasitas os servidores
públicos que não trabalham; que defendem seus interesses e privilégios
corporativos acima do interesse público mais amplo. O avanço civilizatório traz
maior eficiência no controle dos predadores aproveitadores, que aparecem e se
multiplicam quando há oportunidade.
Predador e presa no mundo animal. No mundo humano a corrupção é uma relação de predação.. |
Nas sociedades
humanas, entre as condições que facilitam a corrupção, relacionam-se a
impunidade e a inexistência de riscos; as debilidades institucionais, tais como
o mau funcionamento dos poderes judiciário, legislativo e executivo; o
loteamento partidário da administração pública, sem a contrapartida da
probidade e competência técnica; o sistema eleitoral corrupto, as oligarquias
aproveitadoras, as empresas corruptoras, o hábito da transgressão das regras,
normas e leis como atributo de espertos; a autocomplacência individual ou
grupal. A falta de proteção policial, de consequência jurídica e a
prostração e o conformismo social estimulam o aumento da atividade de parasitas
e predadores.
Num quadro mais
amplo, Jared Diamond, em seu livro Armas, Germes e Aço, dedica um
capítulo à análise da evolução do igualitarismo às cleptocracias modernas, que
surgiram depois dos bandos, das tribos, dos principados e sultanatos. Diz ele
que “A diferença entre um cleptocrata e um estadista sábio, entre um barão
ladrão e um benfeitor público é meramente de grau.” Depende de qual a
porcentagem dos impostos coletados é retida pela elite e quanto dos impostos é
destinado aos bens comuns e usos públicos. Ele constata que as grandes sociedades
precisam ser centralizadas “Mas a centralização do poder inevitavelmente abre a
porta - para aqueles que detêm o poder, a informação, tomam as decisões e
redistribuem os bens - para explorar as oportunidades resultantes de se
premiarem e a seus parentes”. Em cleptocracias, parasitas se incrustam em
nichos do estado, nos quais se locupletam e usufruem de direitos,
vantagens e benefícios pessoais.
Há também quem
associe a corrupção à era ‘Kali Yuga’, a idade do ferro do ciclo hindu. Nessa
era, há poluição, gratificação dos sentidos, matança de animais, destruição da
natureza, com grupos, quadrilhas, gangues, máfias, corporações, empresas e
companhias disputando e competindo pela riqueza material coletiva. Se
parasitismo e predação são relações naturais, também são naturais as
estratégias de defesa dos organismos contra predadores e parasitas.
Nesse contexto,
cabe perguntar:
1) Como descobrir
a ocorrência de um processo de parasitismo ou predação social?
2) Em que
medida são aplicáveis aos casos de corrupção, no mundo dos humanos, as
estratégias dos hospedeiros para sobreviverem a parasitas, e das presas,
para escaparem de seus predadores?
3) Como
dificultar a vida dos parasitas e predadores? Como facilitar a vida dos
hospedeiros/presas?
4) É
possível prevenir ou combater a corrupção com a aplicação de princípios e de
estratégias de sobrevivência ecológicos?
Se o predador e o
parasita desenvolvem formas astuciosas de agir, também as presas e os hospedeiros
concebem maneiras criativas de se livrar dos ataques e se proteger. A evolução
civilizatória dificulta a sobrevivência dos aproveitadores. Para se prevenir a
corrupção é eficaz desenvolver a consciência coletiva sobre as consequências e
os ônus de uma relação corrupta. Transparência e informação clara e circulante
à luz do dia ajudam na prevenção de relações de parasitismo ou de predação
social.
A possibilidade de se
estruturar uma sociedade menos corrupta depende de ações de fortalecimento
social (o hospedeiro/presa) e de enfraquecimento dos corruptores e corrompidos
(os parasitas/predadores)
1) Ações e
atitudes do hospedeiro/presa:
Estar vigilante e
atento; ter imaginação, sagacidade, astúcia. (Um exemplo: para tentar
neutralizar ataques cibernéticos é a contratação de hackers por serviços de
inteligência.) Ter vontade e coragem para enfrentar resistências. Detectar
preventivamente e corrigir situações de corrupção conhecidas. Manter informação
livre (imprensa); conceber e colocar em prática estratégias - sociais,
políticas, culturais - para escapar do parasita. Exercitar a indignação
consequente. Adotar controle social externo e interno com hierarquias claras,
gestão participativa e transparente, critérios de avaliação; reduzir a
autocomplacência; reduzir, por meio de gestão bem feita, as frestas por onde se
infiltram oportunistas e parasitas. Fortalecer a defesa imunológica contra vírus
e espécies invasoras. Manter sistemas eficazes de fiscalização e auditoria, internos
e externos, com padrão ético. Criar fatores de repulsão aos ataques dos
parasitas, como, por exemplo, na natureza, o mau cheiro; por meio de tolerância
zero, aplicar ao corpo do hospedeiro repelentes que afugentem os potenciais
parasitas; fortalecer as defesas imunológicas do hospedeiro.
2) No
parasita/predador:
Descobrir os liames
e romper o conluio e a cooperação entre corruptores e corruptos; adotar a
delação premiada, que funciona como um antibiótico ao romper a relação
simbiótica corruptor-corrompido; promover a cizânia entre corruptos, com
tratamento igual para todos os que forem descobertos; encontrar e fortalecer os
predadores dos corruptos; fazer limpeza e saneamento, punir e demitir
servidores corrompidos, sabendo que não basta extirpar, porque o parasita
retorna quando se mantêm as condições ambientais favoráveis; eliminar as
condições para que voltem, melhorando controles administrativos e transparência; evitar
que novos parasitas venham a ocupar o nicho institucional dos anteriores.
Esclarecer e desativar mecanismos de louvação e elogio da esperteza corrupta e
a simpatia para com as ilegalidades; quando descoberto o parasitismo da
corrupção, aplicar punição exemplar; reduzir suas fontes de alimentos: bloquear
contas bancárias, obrigar ao ressarcimento dos recursos públicos, punir os
aproveitadores corruptores.
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