Maurício
Andrés Ribeiro (*)
A atividade humana está,
inequivocamente, causando mudanças climáticas e transformações ambientais no
planeta.
O ser humano provoca
tantas alterações no ambiente que este período em que vivemos passou a ser
designado como o antropoceno: um período que considera a influência humana no funcionamento do planeta tão
significativa que justifica definir-se como uma nova era na escala do tempo
geológico.
No oráculo de Delfos, na Grécia antiga, estava inscrito: "Oh, ser
humano, conhece-te a ti mesmo e conhecerás o universo e os Deuses!” O
autoconhecimento, valorizado em Delfos, volta a ser crucial diante da crise
ecológica, pois as ações que causam forte impacto ambiental e social derivam de
pensamentos e sentimentos, de necessidades e carências fisicas ou emocionais,
desejos e crenças, de qualidades mentais e espirituais. Esse autoconhecimento pode-se dar tanto na
escala de um indivíduo, como de um grupo social ou população, e até a escala da
espécie e do gênero Homo. As ciencias humanas e sociais abordam a questao a
partir dos indivíduos e grupos sociais. Uma abordagem ecológica inclui os
aspectos biológicos e das ciências da natureza. A inscrição de Delfos para o
autoconhecimento pode assim ser adaptada para a época atual:
“Espécie
humana, conhece-te a ti mesma e conhecerás o ambiente e o universo em que vives”.
Como espécie, quem somos
nós, quais as nossas características principais? Que imagens e percepções temos
dessa espécie? Os seres humanos, com sua
consciência, capacidade de percepção e de comunicação, descreveram de várias
maneiras o gênero Homo ao qual pertencem. Compilamos cerca de 40 delas, na
expressão em latim: academicus, belicosus,
beligerans, bellicus, complexus,
connectus, consulens, consumptor, corruptus, cosmicus, deletabilis,
demens, erectus, ergaster, faber, habilis, honestus, idioticus, lixus, ludens, moralis,
noologicus, œcologicus, œconomicus, pecuniosus, perfectus, planetaris,
protæus, ricus, sapiens, sapiens globalis, sapiens localis, sapiens sapiens,
scientificus, simbioticus, sportivus, stressatus, superprædator,
sustentabilis, tecnocraticus, universalis.
Fomos designados como Homo demens: “O homem é esse animal louco cuja loucura inventou a
razão”, disse Cornelius Castoriadis; como o Homo
moralis e o Homo honestus, um primata que coopera e que se comporta com
valores éticos; o Homo sportivus e o Homo ludens, pelas características
lúdicas, que compartilha com outros animais que jogam, gostam de brincar e
fazer humor (Johan Huizinga); o Homo
corruptus, uma espécie parasita e predatória. Temos capacidade de
autorreflexão e de saber-nos ignorantes o Homo
idioticus que se deixa enganar e ao mesmo tempo é capaz de fazer humor e de
se enxergar criticamente. É conhecida a história de dois
planetas que se encontram. Coçando-se, um diz: “Estou incomodado com essa
coceira.” Pergunta o outro: “O que pode ser isso?” O primeiro responde: “Acho
que é Homo sapiens”. O segundo
finaliza a conversa: “Não se preocupe, isso passa logo.”.
O Homo bellicus se denomina assim por seu caráter guerreiro; ao
desenvolver a tecnologia somos os Homo
tecnocraticus; o Homo economicus e o Homo consumptor, espécie composta de
um conjunto de indivíduos egoístas em busca de gratificação pessoal e
acumulação material. Já o Homo
scientificus valoriza a observação objetiva, a classificação e a
mensuração. Edgar Morin fala do Homo
complexus, que lida com a complexidade. Hoje podemos nos ver também como o Homo lixus, a única espécie animal que
produz lixo: dois milhões de toneladas por dia. E ainda como o Homo stressatus moderno, com as
consequências que o estresse acarreta para a saúde, ansioso, com medo e
preocupado com o futuro e com ameaças reais ou imaginárias. Diegues imagina o Homo ricus, uma parcela da humanidade
que derivará da plutocracia e que se descolará do restante da espécie,
beneficiária de onerosos avanços da medicina, que nem todos podem pagar. O Homo
Consulens trata com cuidado de sua
casa e das demais espécies. Ao ocuparmos todo o planeta, nos vemos como Homo planetaris; ao viajarmos no espaço,
somos os Homo cosmicus e o Homo
universalis. Transumanistas, que trabalham com a perspectiva de um ser
evolutivo, acenam com o surgimento do Homo
perfectus que atua por meio do uso ético das tecnologias para estender as
capacidades humanas. Ou o Homo ecologicus ou
noologicus, que sabe das consequências de seus atos. Yuval Harari escreveu sobre o Homo Deus.
Em diferentes momentos,
distintas qualidades da espécie foram percebidas e expressas por tais
definições ou designações e cada uma delas corresponde a uma parcela da
realidade acerca desse ser que apresenta grandezas e misérias. Cada uma dessas
categorias reconhece uma faceta e uma característica e se baseiam em atributos
variados. Todas expressam uma parte da realidade, mas nenhuma esgota a
descrição desse ser complexo e multidimensional. Assim, podemos observar que algumas
definições enfatizam nossos defeitos e deficiências, outras realçam nossas boas
qualidades e virtudes; outras, ainda, enxergam aspectos físicos, sociais,
espirituais. Algumas expressam uma visão crítica e autocrítica. Outras têm uma
conotação humorística; outras, ainda, expressam uma percepção das
potencialidades, de uma visão ideal ou de um desejo de quem as formula; ainda
há aquelas que procuram expressar o que seus proponentes visualizam como a
verdade ou a realidade sobre as facetas da espécie. Muitas focam mais nas
qualidades da consciência do que em diferenças biológicas ou genéticas.
A variedade de definições
filosóficas existente parte de distintas concepções e modelos mentais. Algumas definições enfatizam o pensamento
(Descartes: Penso, logo existo); outras nos definiram como animal racional,
enfatizando a razão. Aristóteles nos definiu como animais políticos. Outros,
como Hobbes, realçaram nossa característica predatória: O homem é o lobo do homem.
A tradição hindu enfatiza nosso caráter divino, como um corpo de luz, com
desidentificação e abstração do corpo. Outras explicitam nosso caráter falível:
‘Herrar é umano’. Nossas
várias designações como espécie podem espelhar como nos vemos em nossas
características e papéis sociais e individuais. Freud observou que "Quando
Pedro me fala sobre Paulo, sei mais de Pedro que de Paulo." Assim, quando
alguém diz que o ser humano não tem jeito, que é como uma praga e que a
natureza humana é vil, aquela pessoa pode estar projetando uma característica
que enxerga em si para toda a espécie. Passamos a saber mais sobre quem expressa essa percepção do que sobre a própria espécie
humana.
No contexto da evolução,
são também variados os papéis que essa espécie tem exercido e pela qual tem
sido designada: gestora da evolução, senhora do clima (Tim Flannery);
engenheira de manutenção do planeta (James Lovelock), degradadora,
exterminadora e predadora de outras espécies; construtora e facilitadora da
evolução.
Numa concepção compreensiva e holística o ser humano é corpo, mente, emoções, sentimentos, espírito e alma.
A consciência humana é
uma força poderosa. Caso seja colocada a serviço de práticas construtivas e
orientada para desenvolver relações ecológicas harmônicas de simbiose e
cooperação baseadas em valores éticos, pode ajudar a regenerar e restaurar o
oásis Terra em que vivemos. Caso seja colocada a serviço de valores destrutivos
e desenvolva relações desarmônicas de predatismo, parasitismo e canibalismo de
uns contra os outros, pode acelerar colapsos e destruição ecológica, social,
econômica, política.
Cabe à consciência de
cada um de nós e à consciência coletiva discernir entre o que deve, pode e
precisa ser feito, para a partir disso
orientar nossas ações. O rumo que tomará o desenvolvimento e a evolução da
matéria e da vida no planeta será influenciado por esse discernimento. A
ecologia do ser é um caminho para desenvolver o autoconhecimento e para dar
respostas à atual crise da evolução.
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