Umberto Eco observou que “Justificar tragédias como "vontade
divina" tira da gente a responsabilidade por nossas escolhas.”
Umberto Eco pode ter razão caso Deus seja colocado acima de todos, no
alto, fora de cada ser humano. Quando Deus é colocado nessa posição, as
expressões “se Deus quiser”, “entregar para Deus” mostram uma acomodação, uma impotência ou falta de desejo de encarar
as questões. Se acontecem tragédias ou desastres é porque Deus quis e não há
nada a fazer senão aceitar a vontade divina. “Deus é brasileiro” é outra
expressão que também entrega para Deus a responsabilidade de resolver os
problemas.
Entretanto há outras maneiras de
entender a existência de Deus e de definir onde colocá-lo. Na tradição dos
vedas escrituras sagradas hindus, Deus não está apenas acima, no alto, fora
dos seres vivos, mas está dentro de cada um. A saudação indiana do “Namasté”
significa que “o Deus que habita em mim saúda o Deus que habita em você.” Para
além das aparências do corpo, da mente, das emoções e sentimentos, há nessa
concepção uma essência divina nos seres vivos humanos e não humanos que pode
ser chamada de alma ou espírito.
O entendimento do que seja um ser humano se expande e mostra-se generoso.
O homo sapiens não é percebido apenas
como um descendente dos macacos, na história da evolução, mas como portador de
uma consciência e energia divinas. As expressões “se Deus quiser”, “ a vontade
divina”, “Deus é brasileiro”, “entregar para Deus” passam a ter outro
significado: dentro de cada brasileiro há uma essência divina. Ao invés de ser
apenas e exclusivamente movido por interesses particularistas, por desejos do
ego, pessoais, acredita-se que possa ser movido por uma vontade e uma aspiração
mais elevada, divina e transpessoal.
Nesse contexto, quando acontece
uma tragédia ou um desastre, cada um tem sua parcela de responsabilidade, o dever de arcar com as
consequências do próprio comportamento ou do comportamento de outras pessoas.
Não se nasce responsável, aprende-se a ser responsável. Uma criança pequena
não sabe avaliar com clareza as
consequências de seus atos. Pratica ações temerárias, não tem a noção do risco
que corre. Em situações de perigo ela só pode comparecer acompanhada de seus
pais ou responsáveis. Esses têm deveres de cuidar para que ela não sofra danos
ou se machuque ao praticar ações imprudentes.
Atualmente, o movimento de crianças e jovens sobre a
questão climática mostra que essa faixa etária está assumindo consciência e
responsabilidades num mundo em que muitos adultos são alienados, alheios,
inconscientes ou irresponsáveis quanto a esse tema.
Um adolescente impetuoso pratica
ações temerárias e se arrisca a sofrer
danos e prejuízos. Um delinquente juvenil pratica conscientemente crimes com
consequências funestas, mas não pode ser legalmente responsabilizado por seus
atos. Maiores e pessoas adultas são considerados legalmente responsáveis
por seus atos e palavras e podem pagar por seus erros.
Consciência e conhecimento trazem
responsabilidade.
Assumir a
responsabilidade por seus
pensamentos, palavras e ações é sinal de maturidade
pessoal e individual, empresarial, coletiva. Aprender a ser
responsável é parte importante da
educação básica de todos e de cada um.
No mundo
contemporâneo, é como se a espécie humana, movida por desejos do ego, se comportasse como um
delinquente juvenil ou como um psicopata, praticando irresponsavelmente atos
danosos sem assumir as consequências e
pelo sofrimento que possam causar a terceiros e ao ambiente. Caso evolua, nossa espécie pode superar a fase de busca pelos interesses
vitais, de satisfação dos desejos do ego e evoluir para entender seus
propósitos, missões ou tarefas e caminhar para a liberação ou a espiritualidade.
Cada um pode se mover por uma nova
relação amadurecida com os demais e com o meio ambiente e assumir responsabilidades de cogestão da evolução.
Quando o Deus
que existe dentro de cada brasileiro for despertado e ele não se enxergue
apenas como um descendente dos macacos que evolui da história natural para a história
humana, talvez
passe a exercer sua responsabilidade e tragédias e desastres possam ser
prevenidos ou evitados.
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