sexta-feira, 26 de abril de 2019

Sri Aurobindo e visões contemporâneas sobre a espiritualidade

Maurício Andrés Ribeiro

Nessa grande transição e mudança de eras em que nos encontramos, nesse estágio terminal da era cenozoica, a era dos mamíferos, vários pensadores propõem designações para qual será a próxima era. Entre eles, destaca-se Sri Aurobindo  que falou do advento de uma era subjetiva e de uma era espiritual, movida por indivíduos e que se dissemina na coletividade: “A vinda da era espiritual deve ser precedida pelo aparecimento de um número crescente de indivíduos que não estão mais satisfeitos com a existência intelectual, vital e física do homem, mas percebem que uma evolução maior é a verdadeira meta da humanidade e tentam efetuá-la em si mesmos, guiar outros para ela e fazer dela o objetivo reconhecido da espécie.”   Ele falava da crise da evolução e do ser humano como um ser em transição: “« Uma evolução espiritual, uma evolução da consciência na Matéria, cuja autoformação está constantemente em desenvolvimento até a forma revelar o espírito que a habita, é então a chave, o motivo central e significativo da existência terrena”.
Sobre a importância  do espírito ele observa que  “O destino da raça nesta era de crises e revolução dependerá muito mais do espírito que somos do que da maquinaria que usaremos.” E que “Quando se perde a espiritualidade, perde-se tudo.”
Sri Aurobindo escreveu bastante sobre esse tema. Ainda que ele não se refira em nenhum momento de sua obra às questões ecológicas, seu pensamento foi ecologicamente pioneiro pois, dezenas de anos depois de seus escritos, emergem visões contemporâneas em estreita afinidade com eles  nas artes, na filosofia, e em campos emergentes das ciências tais como  na ecologia espiritual, na ecologia integral, na ecologia transpessoal, na ecologia cósmica, na espiritualidade integral, na inteligência espiritual. Essas ainda não são visões dominantes no mundo atual, mas são como sementes que germinam aqui e ali e que podem vir a ocupar o lugar das visões hegemônicas que ainda hoje prevalecem.
Para Sri Aurobindo,“O primeiro e mais baixo uso da Arte é puramente estético; o segundo é intelectual ou educativo; o terceiro e mais alto é espiritual.” Nas artes plásticas destaca-se a visão e a prática da ate abstrata que buscava a essência para além das aparências,  de Kandinsky, que escreveu o livro " Do espiritual na arte"  e da vanguarda russa.


Sri Aurobindo escreveu que “O principal uso da ciência e da tecnologia é fazer mais forte a base material, mais completa e efetiva, para a manifestação do Espírito.” Nas ciências, o físico brasileiro Marcelo Gleiser ganhou  em 2019 o Prêmio Templeton, o Nobel da Espiritualidade.
Miguel Grinberg, educador e escritor do livro Somos la gente que estábamos esperando, diz que  a ecologia espiritual procura um nexo entre a civilização ecológica em construção e as questões espirituais; constitui uma ferramenta para indagar sobre os potenciais latentes de uma pessoa, em harmonia com sua vocação natural de paz e o papel que pode desempenhar numa sociedade em que as calamidades não predominem, destrutivamente, e na qual se perceba que o desenvolvimento metafísico é essencial para resolver os problemas do mundo material; considera a experiência humana na Terra como uma epopeia de evolução consciente e de consciência planetária. E recupera a visão de que o ser humano é dotado de uma consciência cósmica. Jorge Moreira, do Porto, mantém um grupo sobre Ecologia Espiritual no facebook.
Warwick Fox, é o principal autor da Ecologia transpessoal que  discute a visão de mundo da Ecologia profunda no contexto da eco filosofia e do antropocentrismo; explora a conexão entre a Natureza e o Sagrado e a maneira como experiências transpessoais na natureza expandem o humano; explora como a espiritualidade se relaciona com a crise ecológica global; usa o termo movimento ecológico ecocêntrico, que inclui os praticantes da ecologia profunda, os que adotam abordagem não antropocêntrica e  que se estende além  de um sentido egóico, biográfico ou pessoal do eu.
A ecologia cósmica expande a escala de tempo e de espaço. Assim o fazendo, ela se aproxima de visões de mundo de antigas tradições espirituais, ajuda a resgatar a dimensão ética e a ressacralizar a natureza. A dimensão cósmica abre a sensibilidade para a transcendência.
Na atual crise evolutiva, é fundamental a inteligência espiritual, (ver Zohar; Marshall, 2000). que traz a habilidade para lidar com impasses e crises, para aprender e resolver problemas novos. A resposta à atual crise demanda elevado grau de autoconhecimento, independência para seguir as próprias ideias, flexibilidade, relutância em causar danos aos outros, capacidade de enfrentar a dor e de aprender com o sofrimento, de se inspirar em ideais elevados, de estabelecer conexões entre realidades distintas.  Todas essas são características da inteligência espiritual.
 
Peter Russell escreve que “Se não tratarmos das questões espirituais mais profundas subjacentes aos inúmeros problemas que enfrentamos, é muito provável que a civilização se esfacele.”
Lester Smith, em Intelligence came first  observou que  “Ao contrário do que alguns biólogos materialistas nos querem fazer crer, o homem essencial é um ser espiritual imaterial que usa o cérebro, junto com o resto do corpo, para desenvolver suas faculdades interiores.” (SMITH, 1975, p. 177). E que “A inteligência humana pode ser sua destruição ou sua salvação. Aliada à sua natureza mais básica, ela leva a comportamento egoísta, antissocial; aliada a suas qualidades espirituais, ela leva ao altruísmo, cooperação e unidade”.
Ken Wilber, o autor de Espiritualidade integral , de O Projeto Atman e de O olho do espírito é um dos importantes autores ocidentais que conhece e valoriza a contribuição pioneira de Sri Aurobindo.
Se as questões do espírito e da espiritualidade estiveram distantes de correntes dominantes nas ciências,  artes e filosofias, ela foi encampada  e acolhida pelas tradições religiosas. 
Entretanto num mundo em que tudo se transforma em mercadoria, os negócios espirituais associados às religiões tornam-se um campo de atividades econômicas e comerciais relevante. Isso vem de longe, desde quando Jesus expulsou os vendilhões do templo e desde que o movimento da Reforma denunciou as vendas de indulgências pela Igreja católica.
Na Índia se chama “spiritual business “ toda atividade que almeja lucros e ganhos econômicos em nome da espiritualidade. No ocidente há várias igrejas com tais objetivos. Há uma distância entre as  visões amplas sobre a espiritualidade e sua apropriação  prática por aqueles que se utilizam delas para obter ganhos particularistas. Isso gera descrédito e desconfiança.
Uma espiritualidade transreligiosa nas ciências, artes, uma espiritualidade laica nas filosofias emergem em varias visões  contemporâneas nesses  campos do saber.
                

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