Maurício Andrés Ribeiro
É por meio das redes de relações sociais que se espalham os vírus numa pandemia.
Ainda que na sociedade existam grupos relativamente
segregados, sempre acontecem relações entre eles. Nas relações de trabalho e na
prestação de serviços acontecem muitas interações entre pessoas de distintas
classes sociais. Existe
separação social entre ricos e pobres, mas não existe
separação biológica. Numa pandemia, o vírus não conhece fronteiras
sociais, observa o físico teórico Fritjof Capra. As condições de sua moradia,
do saneamento, do ambiente em que vive o
protegem ou colocam em risco. E ao colocá-lo em risco, coloca em perigo também a
saúde dos empregadores. Durante uma
pandemia a boa saúde de um prestador de serviço doméstico ou de um trabalhador
interessa diretamente ao seu patrão. Nesse sentido a pandemia as questões de
justiça social deixaram de ser apenas discussões
ideológicas, mas passaram a ser questões de vida ou morte.
Se a insensibilidade tende a deixar os mais
vulneráveis entregues à sua própria sorte, isso passa a representar um risco
para os que são menos vulneráveis. A pandemia evidenciou a necessidade de um
contrato social entre pobres e ricos que beneficie ambas as partes, pois suas
sobrevivências e destinos estão interconectados. Caso todos não se encontrem imunes, isso
significa um risco para todos. Assim, passa a ser de interesse de todos que
cada um esteja protegido.
Na Índia, um pais com grandes desigualdades sociais, a pandemia
acelerou a consciência sobre a importância da
fraternidade,
"o senso de que todos sejam governados pelas mesmas regras mutuamente
benéficas" e de que os pobres são seres humanos que precisam de casas bem
ventiladas e decentes. Viram-se ali expressões de egoísmo e de solidariedade. Entendeu-se que a médio prazo a
fraternidade traz menores prejuízos para todos e não apenas para aqueles
que se beneficiam diretamente dessa
atitude.
No Brasil, o isolamento físico e as quarentenas levaram a
atitudes de proteção mútua. Um exemplo comum
nas cidades brasileiras: uma família contrata os serviços de uma empregada
doméstica que mora numa periferia e que diariamente se deslocava no transporte público
para trabalhar no bairro de classe média
ou alta, gastando muito tempo de ida e
de volta no deslocamento diário. Com a pandemia muitos pactos de trabalho
com os empregadores se alteraram. A empregada passou a ir de casa para o trabalho
usando o transporte solidário e evitando o transporte público. Ao invés de ir e
vir a cada dia útil da semana, concentrou
o seu trabalho em três dias corridos, pernoitando na casa dos empregadores. Liberou-se
do trabalho alguns dias da semana e evitou se expor à contaminação pelo vírus.
Para ela, houve um ganho no seu tempo livre, houve menores riscos. Para seu
empregador, houve uma redução do perigo de se expor ao vírus. Houve uma adaptação
ganha-ganha estimulada pela pandemia, que não aconteceria em tempos
normais. Aos seus empregadores passou a
interessar que no ambiente onde vivem as empregadas domésticas também não exista
a propagação da doença. Esse é um
exemplo micro específico de como se pode construir a coimunidade por meio de
atitudes de solidariedade e fraternidade e prudência que atendem aos interesses
de ambas as partes envolvidas.
Um dos conceitos mais fecundos que surgiram durante a
pandemia foi o da coimunidade proposto pelo filósofo Peter Sloterdijk. A
coimunidade significa obter uma imunidade geral a partir do compromisso de cada
individuo voltado para a proteção mutua. Peter Sloterdijk afirma que tudo está em mudança e que estamos aprendendo uma nova gramática de
comportamento que demanda
grande dose de atitudes positivas de solidariedade, fraternidade, prudência e
responsabilidade. Isso poderá levar a mais investimentos em moradia,
saneamento, saúde pública reduzindo as
desigualdades sociais e alcançando ao mesmo tempo a coimunização benéfica para todos.
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