segunda-feira, 23 de novembro de 2020

Um virus que pode levar a mais justiça social por meio da coimunização

Maurício Andrés Ribeiro

 


É por meio das redes de relações sociais que se espalham os vírus numa pandemia.

Ainda que na sociedade existam grupos relativamente segregados, sempre acontecem relações entre eles. Nas relações de trabalho e na prestação de serviços acontecem muitas interações entre pessoas de distintas classes sociais. Existe separação social entre ricos e pobres,  mas não existe  separação biológica. Numa pandemia, o vírus não conhece fronteiras sociais, observa o físico teórico Fritjof Capra. As condições de sua moradia, do saneamento, do ambiente em que vive  o protegem ou colocam em risco. E ao colocá-lo em risco, coloca em perigo também a saúde dos empregadores.  Durante uma pandemia a boa saúde de um prestador de serviço doméstico ou de um trabalhador interessa diretamente ao seu patrão. Nesse sentido a pandemia as questões de justiça social deixaram de  ser apenas discussões ideológicas, mas passaram a ser questões de vida ou morte.  

Se  a  insensibilidade tende a deixar os mais vulneráveis entregues à sua própria sorte, isso passa a representar um risco para os que são menos vulneráveis. A pandemia evidenciou a necessidade de um contrato social entre pobres e ricos que beneficie ambas as partes, pois suas sobrevivências e destinos estão interconectados. Caso todos não se encontrem imunes, isso significa um risco para todos. Assim, passa a ser de interesse de todos que cada um esteja protegido.

Na Índia, um  pais  com grandes desigualdades sociais, a pandemia acelerou a consciência sobre a importância da fraternidade, "o senso de que todos sejam governados pelas mesmas regras mutuamente benéficas" e de que os pobres são seres humanos que precisam de casas bem ventiladas e decentes. Viram-se ali expressões de egoísmo e de solidariedade. Entendeu-se que a médio prazo a fraternidade traz menores prejuízos para todos e não apenas para aqueles que  se beneficiam diretamente dessa atitude.

No Brasil, o isolamento físico e as quarentenas levaram a atitudes de proteção mútua.  Um exemplo comum nas cidades brasileiras: uma família contrata os serviços de uma empregada doméstica que mora numa periferia e que diariamente se deslocava no transporte público  para trabalhar no bairro de classe média ou alta, gastando muito tempo de ida e  de volta no deslocamento diário. Com a pandemia muitos pactos de trabalho com os empregadores se alteraram. A empregada passou a ir de casa para o trabalho usando o transporte solidário e evitando o transporte público. Ao invés de ir e vir a cada dia útil da semana,  concentrou o seu trabalho em três dias corridos, pernoitando na casa dos empregadores. Liberou-se do trabalho alguns dias da semana e evitou se expor à contaminação pelo vírus. Para ela, houve um ganho no seu tempo livre, houve menores riscos. Para seu empregador, houve uma redução do perigo de se expor ao vírus. Houve uma adaptação ganha-ganha estimulada pela pandemia, que não aconteceria em tempos normais.  Aos seus empregadores passou a interessar que no ambiente onde vivem as empregadas domésticas também não exista a propagação da doença.  Esse é um exemplo micro específico de como se pode construir a coimunidade por meio de atitudes de solidariedade e fraternidade e prudência que atendem aos interesses de ambas as partes  envolvidas.

Um dos conceitos mais fecundos que surgiram durante a pandemia foi o da coimunidade proposto pelo filósofo Peter Sloterdijk. A coimunidade significa obter uma imunidade geral a partir do compromisso de cada individuo voltado para a proteção mutua. Peter Sloterdijk  afirma que tudo está em mudança e que estamos aprendendo uma nova gramática  de comportamento que demanda grande dose de atitudes positivas de solidariedade, fraternidade, prudência e responsabilidade. Isso poderá levar a mais investimentos em moradia, saneamento, saúde pública reduzindo as  desigualdades sociais e alcançando ao mesmo  tempo a coimunização benéfica para todos.

 

 

 

 

 

 

 

 

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