Maurício Andrés Ribeiro
Esperança na Esplanada no reveillon de 2021
Criar expectativas ou criar codornas?
2020
transcorreu em compasso de espera.
Desde o início da pandemia suspenderam-se
atividades, muita gente se recolheu em casa esperando achatarem-se as curvas
das contaminações.
Hibernou-se
esperando o período critico passar. O ano findou e a doença continuou. O fim da
pandemia pareceu uma miragem no deserto, daquelas que se afastam à medida que se aproxima dela. Espera pela possibilidade de
reencontrar parentes e amigos. Espera pelo que virá depois que passar a fase
crítica. Enquanto
se esperava, muitos resolveram meditar, rezar,
acompanhar o noticiário.
Houve tempos de espera por uma vacina que imunize os corpos.
Enquanto isso, cientistas e pesquisadores trabalhavam intensamente para obter a
vacina. Muito se estudou
e inovou na ciência. No final do ano, enxergou-se uma vacina no
fim do túnel. Vacinas para outras doenças foram as principais responsáveis para
o aumento da expectativa de vida ao nascer, ao reduzir a mortalidade infantil e
outras mortes.
Acendeu-se a esperança de que em 2021
a doença seja deixada para trás. A esperança decorre da ciência, do trabalho
incansável de cientistas, pesquisadores, laboratórios que finalizaram em tempo
recorde a criação de vacinas e aprimoraram
seus conhecimentos de como lidar com a doença.
Atravessou-se o deserto e chega-se à
terra prometida em que haverá vacinas para todos. Quem questiona as vacinas e
se recusa a tomá-las depositou suas esperanças em remédios – hidroxicloroquina,
ivermectina, azitromicina, soros entre outros – remédios que também são produtos
da ciência humana.
A
esperança nesse início de 2021 se ancora na ciência, na criatividade dos seres humanos, em sua capacidade de inovação,
de dar respostas às dificuldades. De certo modo reacendeu-se uma esperança no
ser humano que, por um lado, pode ser
estúpido e ignorante e por outro lado tem potencialidades e chispas de
sabedoria divina.
Diante
dos portões do inferno, na Divina Comédia, Dante lê a mensagem: “Deixai toda esperança, ó vós que
entrais”. No inicio da pandemia e como
se tivéssemos diante dos portões do inferno. Entramos no inferno e o fogo queimou
(queimadas na Amazônia, no Pantanal e em
outras partes transformaram o mundo numa espécie de inferno que atravessamos). O
fogo purifica. No final do ano depois da fase crítica dos incêndios e
queimadas, a natureza dava sinais de regeneração natural e de sua capacidade de
rebrotar a vida onde havia cinzas. Em 2021, com as vacinas e os remédios, parece
que uma fênix renasce das cinzas.
Na
fala popular, a esperança é a última que morre. E quando a esperança morre, o
que vem? Vem a necessidade de encarar de frente a realidade nua e crua e saber
lidar com ela. Vem a necessidade de agir e de cumprir o dharma, sem expectativa
de que levam a resultados. Os mercados e a economia vivem de expectativas de
interesses de lucrar com uma ação. Quando não se lucra com uma ação há uma sensação
de perda. Na ação desinteressada, servir é a meta, independente dos
resultados.
Desconfio da esperança, esse “sentimento
de quem vê como possível a realização daquilo que deseja; confiança em coisa
boa; fé.” A esperança tem relação com o desejo de que algo melhor
aconteça ou seja verdade. Em geral está associada a uma atitude passiva, de espera que
algo de bom aconteça independente de nossa ação, de que a providência divina
interferirá para levar a um mundo melhor e de que a ação humana é dispensável e
não há nada a fazer senão esperar que as coisas se resolvam por si sós. Durante anos simpatizei com a atitude do
“No fear no hope”: sem medo e sem esperança. Essa atitude evita que se tenham decepções
e frustrações caso as expectativas não se realizem. Uma estratégia para não
ter expectativas e não se decepcionar ou se desesperar é estar preparado para o
pior cenário, aquele em que o problema dura um
longo tempo.
Essa pandemia pode ser um processo longo,
sem solução rápida. Pode ser o primeiro de uma sequência de eventos para o qual
os seres humanos, os cientistas e pesquisadoras precisaremos estar preparados
para agir, fazer a nossa parte e não apenas ter esperança de que tudo se
resolva. Investir na ciência e no conhecimento é um caminho para reacender a esperança
no ser humano. Uma esperança cautelosa, com um pé atrás, desconfiada pois há, na
noodiversidade, uma variedade de estados
de consciência, um fogo cruzado de concepções de mundo que precisam ser
testadas. Há uma guerra de informações e de contrainformações em curso, o que é
saudável por induzir a se aprofundar no conhecimento, na explicitação de fatos
e argumentos, na divulgação científica. Isso é necessário até se chegar a um mínimo
de consenso que permita somar forças para atravessar o deserto, o inferno e o período
de vacas magras de crises como a desta pandemia e se chegar à terra prometida
da saúde para todos e para o ambiente.