quinta-feira, 27 de abril de 2023

A Terra é uma área de proteção ambiental

“Os ecossistemas naturais da Terra não existem para serem transformados em terra cultivável, mas para conservar o clima e a química do planeta.” James Lovelock, em A Vingança de Gaia A visão utilitarista da natureza a considera como depositária de recursos naturais. Na atual sociedade em que tudo se transforma em mercadoria e deve em primeiro lugar servir para alguma coisa, para atender a uma necessidade, demanda, capricho ou desejo humano, a Terra é vista como uma grande mina de recursos. Eles são conhecidos ou reconhecidos, manejados, conservados, recuperados, reabilitados ou restaurados, preservados ou protegidos, extraídos e transformados, consumidos, subutilizados ou sobreutilizados, desperdiçados, mal utilizados, exauridos ou esgotados. Na contramão da perspectiva utilitária, movimentos antiutilitaristas nas ciências sociais postulam enfatizar a conservação e a preservação. Assim, por exemplo, mirando na agricultura e na mudança de usos da terra, que no Brasil são responsáveis pela maior parte das emissões de gases de efeito estufa e que tornam os terrenos vulneráveis a catástrofes, o cientista James Lovelock denuncia o comportamento agressivo humano em sua relação com a natureza e alerta para os riscos dessa atitude: “Apossando-se maciçamente de terras para alimentar as pessoas e empesteando o ar e a água, estamos tolhendo a capacidade de Gaia de regular o clima e a química da Terra, e se continuarmos assim, corremos o risco de extinção. Em certo sentido, entramos em guerra contra Gaia, guerra que não temos esperanças de vencer. Tudo o que podemos fazer são as pazes enquanto ainda somos fortes e não uma ralé debilitada.” Ele propõe e questiona: “Temos que descartar o ensinamento antiquado da ciência e religião e começar a ver a superfície e florestas da Terra como algo que evoluiu para servir ao metabolismo do planeta – algo insubstituível. Já nos apossamos de mais de metade da terra produtiva para cultivar nossos alimentos. Como podemos presumir que Gaia cuidará da Terra se tentarmos pegar o restante das terras para a produção de combustível?” Ele propõe uma retirada sustentável, pois “já ocupamos muito mais do que seria razoável.” A retirada sustentável proposta por Lovelock significa devolver à natureza parte das terras que foram ocupadas para uso humano, para que ela continue a prestar os serviços ambientais valiosos de regulação climática, produção de água e de proteção da biodiversidade. Deter a expansão das fronteiras agrícolas e da ocupação humana, conter o desmatamento e as queimadas, criar e implementar novas áreas de proteção ambiental são ações em sintonia com esses objetivos. A terra inteira, numa perspectiva pós-utilitarista, pode ser cuidada como uma área de proteção ambiental - APA. Uma APA é uma área extensa, com ocupação humana, dotada de atributos naturais e biológicos, estéticos ou culturais especialmente importantes para a qualidade de vida e o bem-estar das populações humanas. Deve-se proteger sua diversidade biológica, disciplinar o processo de sua ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso de seus recursos naturais. Numa APA, há terras públicas e privadas e normas e restrições para a utilização de uma propriedade privada podem ser estabelecidas. Uma APA precisa ser gerida por um Conselho presidido pelo órgão responsável por sua administração e constituído por representantes dos órgãos públicos, de organizações da sociedade civil e da população. Conselhos gestores de APAs são colegiados que adotam o método participativo de governo. Dessa forma, criam-se dinâmicas sociais e políticas que levam à pactuação e ao entendimento coletivo sobre a forma de administrá-la. O conceito de uma APA pode ser adotado na escala global. No limite, o planeta Terra pode ser considerado uma Área de Proteção Ambiental: uma unidade de conservação de uso sustentável, que merece cuidados para se proteger os serviços ambientais prestados pelos seus ecossistemas. Na condição de uma APA, a Terra ainda precisa criar seu conselho gestor e ser governada por métodos participativos, ter plano de manejo e regras de uso, bem como fiscalizar seu cumprimento. Também é necessária a punição para os transgressores. Para cuidar da Terra como uma área de proteção ambiental, é necessária uma governança global ecologizada. A crise climática, bem como as demais crises ecológicas que se agravam no planeta, podem ser gatilhos para desencadear uma governança planetária colaborativa de interesse público.

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