quarta-feira, 19 de abril de 2023

Inteligência artificial em Gaia e a gestão da água

Peter Russell escreveu há 40 anos o livro O cérebro global e produziu um vídeo que se tornou clássico, intitulado O buraco Branco no Tempo. Ali ele tratava da evolução da consciência humana, numa perspectiva histórica abrangente. Nos anos 1970 James Lovelock havia formulado a hipótese Gaia, pela qual a espécie humana se tornara o cérebro desse planeta vivo. No contexto de Gaia, cada um de nós funciona como um neurônio desse cérebro, com suas conexões com outros neurônios. Há alguns anos, os tradutores automáticos dos computadores faziam traduções imperfeitas. Com o tempo essas traduções atingiram uma qualidade razoável. No jogo de xadrez as máquinas aprenderam e desde 1997 nem o melhor jogador do mundo é capaz de vencê-las. O aprendizado de máquina é uma realidade e permite acessar muitíssimas informações que a inteligência humana tem dificuldade de processar. A inteligência artificial dá corpo e forma à ideia do cérebro global. Alimentada e treinada por amplas bases de dados, de informação produzida por nossa espécie, a inteligência artificial, quando provocada por boas perguntas, é capaz de dar respostas abrangentes e consistentes. Ela organiza, edita e responde com textos coerentes as questões formuladas. O acesso ao cérebro global, realizado pelo programa de inteligência artificial, permite alargar o campo das ideias e enriquecer a mente. Ela não cria nada, apenas faz uso do estoque de dados e informações que a abasteceram. Mas isso já é suficiente para prestar um relevante serviço. Um estudante, confrontado com as mesmas perguntas, necessita um bom tempo para pesquisar e formular respostas. A inteligência artificial já foi previamente treinada e alimentada em seu sistema de aprendizado. Fiz um exercicio para testar o chat GPT, uma versão contemporânea do oráculo de Delfos, com questões relacionadas à gestão das águas. Ele saiu-se razoavelmente bem. Grande parte das respostas, redigidas num português correto, faziam sentido. Num tempo curto, produziu respostas. O chat é educado, responde com gentileza, tem paciência com o interlocutor e não transmite a sensação de que está enganando. Ao contrário, mostra-se sincero. Quando confrontado com perguntas que não sabia responder, deu explicações consistentes. Quando perguntei sobre os resultados da Conferência da ONU sobre a água em 2023 ele respondeu: “Lamento informar, mas como um modelo de linguagem treinado apenas até setembro de 2021, não possuo informações sobre eventos que possam ter ocorrido após essa data, como a conferência da ONU sobre águas em 2023. Peço desculpas por não poder fornecer essa informação atualizada.” Quando perguntei “Na sua cidade ocorrem inundações? Quais as consequências das inundações? Ele respondeu: “Eu sou uma inteligência artificial e não tenho uma cidade específica. No entanto, posso falar de maneira geral sobre as consequências das inundações.” Em seguida discorreu sobre algumas consequências das inundações. Quando algum humano conhecedor do tema aponta lacunas ou incompletudes nas respostas, perguntas e respostas complementares podem suprir essas lacunas. Sabendo formular as perguntas certas, boas respostas são obtidas. Existem grandes potencialidades. Ignorar ou virar as costas para a inteligência artificial não é uma atitude construtiva. Há quem resista a reconhecer o valor das respostas e insista na importância de respostas solidárias e coletivas dadas por conjuntos de humanos. Ha riscos na inteligência artificial, que desperta medo, desconfiança, horror em alguns. A competição por conhecimentos e o status de um doutor erudito ficam relativizados diante da enormidade da informação processada por ela. Há resistências devido a reservas de mercado e competição pelo trabalho e o risco de perdas de empregos. Várias profissões - professores consultores, pesquisadores, escritores - serão profundamente afetadas pela inteligência artificial. A tarefa de professor e de escritor se transforma rapidamente e novos papéis deverão ser assumidos. Alunos poderão encomendar suas teses de dissertação à inteligência artificial. Professores terão que se desdobrar para identificar plágios e fontes onde têm origem as redações de seus alunos. Um aluno deve aprender a formular as perguntas relevantes e uma vez que elas tenham sido respondidas pela inteligência artificial, devem saber avaliar se estão ou não corretas ou completas, eventualmente com o assessoramento de um orientador ou tutor com mais conhecimento e experiência no tema. A questão de aspas ou citações de autores fica relativizada, pois a resposta da inteligência artificial é uma fusão de informações de várias fontes. Há também questões de ego, emocionais, de exercer a humildade e reconhecer a existência de máquinas com capacidades mais amplas do que as humanas. A vaidade, a autoestima ficam ameaçados diante desse poder. Maior paciência e compassividade podem resultar desse processo, em que os egos individuais se fundem. Os conhecimentos e informações que cada um de nós cria, inventa e compartilha passam a ser incorporados, como gotinhas d’agua, no oceano de conhecimentos do cérebro global. Do mesmo modo como os conhecimentos indígenas sobre a natureza não devem ser patenteados e apropriados por uma farmacêutica ou uma indústria de cosméticos que lucra com suas aplicações industriais e comerciais, deve haver a justa repartição de benefícios com aqueles povos que por sua experiência e vivência criaram esse conhecimento e o transmitiram por várias gerações. Do mesmo modo, o conhecimento acumulado pela humanidade deveria reverter em benefícios para todos. É justo que haja uma repartição de benefícios, pois esse patrimônio não deveria ser apropriado comercialmente por uma empresa que domina a plataforma pela qual ele pode ser acessado. Os direitos autorais e as leis de propriedade intelectual precisam ser reinventados.

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