O imponente complexo de edifícios públicos, palácios, monumentos e templos foi planejado e construído, num curto período de tempo, para ser a capital e a sede do governo. Esse conjunto, de onde se aprecia um céu esplendoroso e um belo pôr do sol, tornou-se patrimônio arquitetônico da humanidade, protegido pela UNESCO.
Essa descrição,
que poderia se aplicar a Brasília, refere-se a Fatehpur Sikri. A cidade
funcionou como capital durante apenas 10 anos. Foi abandonada devido à falta de água para abastecê-la. É
uma cidade fantasma, local de visitação turística e pesquisa arqueológica,
construída na Índia para ser a capital do império mogul pelo imperador Akbar,
entre 1571 e 1585.
Foto de Fatehpur Sikri, Índia.
Esse episódio
traz lições para o século XXI. A falta de planejamento hídrico pode inviabilizar
cidades, regiões ou países. As limitações no abastecimento de água vem se
tornando fator de restrição ao crescimento demográfico em muitas regiões do
planeta, incluído o planalto central brasileiro.
Em função do conhecimento
das restrições hídricas, podem ser estipulados os limites máximos de população
e de atividades humanas. A capacidade de suporte do ambiente é um limite a
partir do qual geram-se os estresses hídricos, ambientais e a
insustentabilidade.
Novas cidades,
bairros, condomínios ou assentamentos precisam ser hidroconscientes desde o
momento da concepção do projeto e durante cada etapa de sua implementação. A
geração de conhecimentos específicos sobre o local em que serão implantados,
por meio de pesquisas e levantamentos técnicos, é pré-requisito para se
elaborar projetos e normas urbanísticas conscientes e responsáveis, invertendo
o processo, ecológica e hidricamente temerário,
pelo qual primeiro se executa um empreendimento para depois constatar seus problemas e definir
como resolvê-los.
Para que um
assentamento perdure ao longo do tempo, é necessário estimar o volume máximo
que os aqüíferos locais podem produzir, para abastecer de água o local.
É preciso definir como será a gestão das águas usadas e seu tratamento, bem como as questões de drenagem, escoamento de águas superficiais e recarga de águas subterrâneas. Essa avaliação estratégica prévia pode garantir a sustentabilidade dos assentamentos, ao mesmo tempo em que reduz os riscos de impactos negativos sobre as vizinhanças. Na região do planalto central, o controle do desenvolvimento urbano precisa cada vez mais levar em consideração esses limites. Isso se aplica, especialmente, ao entorno da Estação Ecológica de Águas Emendadas para que ela não seja prejudicada.
Há mais de 500
anos, com o tratado de Tordesilhas, de 1494,
Portugal e Espanha procuraram
definir um limite para suas rivalidades em relação a domínios territoriais. Portugal
deveria se limitar às terras situadas até 370 léguas de Açores e Cabo Verde e a
Espanha colonizaria as terras além dessa linha.
Nos mapas antigos, a linha de Tordesilhas era desenhada
praticamente em cima da linha percorrida pelas águas que nascem nas águas
emendadas do planalto central brasileiro e rumam para o norte e para o sul.
Águas emendadas é uma metáfora que
representa um fenômeno maior. A água é o principal elemento de unificação da
geografia planetária, pois se precipita na atmosfera, infiltra no solo,
armazena na litosfera, ressurge e dá vida à biosfera, circula na hidrosfera da
superfície do planeta nos rios, lagos e mares; e em função da temperatura,
transforma-se em elemento sólido, líquido ou gasoso. No seu ciclo, todas as
águas são emendadas: precipitação, escoamento, infiltração, evaporação e
transpiração constituem fenômenos que integram o ciclo das águas, no qual os
humanos interferem com a construção de
barragens, a poluição, o bombeamento, a erosão e compactação dos solos, o
desmatamento.
A gestão integral do ciclo das águas
supõe articular e integrar ações, entre as várias unidades da federação que
compartilham as águas superficiais ou subterrâneas; externamente, supõe integrar
ações com os vizinhos com quem compartilhamos esse importante recurso
ambiental.
(*) Texto publicado no livro Aguas Emendadas, org. por Fernando Oliveira Fonseca, Brasilia, 2008.
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