Hoje, em todo o mundo, migrantes se deslocam de uma região para outra
em busca de melhores oportunidades de vida. O fotógrafo Sebastião
Salgado retratou os fluxos de migrantes pelo mundo em seu trabalho sobre
os êxodos modernos. Eles são expulsos pela miséria, por instabilidades
políticas, intolerância racial ou religiosa e por desequilíbrios
ambientais de seus países de origem ou atraídos pela riqueza dos países
em que tentam se estabelecer. Geram tensões ao competir com os nativos
por espaço e oportunidades de trabalho. Num mundo regido pela competição
e interesses econômicos, a hospitalidade não é característica
dominante.
A
lei internacional não dispõe sobre o que fazer no caso de refugiados
ambientais, um tema novo que não existia na ocasião em que a legislação
foi formulada. Refúgio é negado a habitantes de ilhas que estão sendo
afogadas pela elevação do nível do mar, como mostra o exemplo relatado
no link abaixo, em que a Nova Zelândia recusa conceder status de
refugiado a habitante de Kiribati, uma dessas ilhas/países em processo
de extinção.
No
mundo natural, o hospedeiro abriga parasitas que sugam seus recursos e
que podem acabar por matá-lo. No mundo das colônias, os colonizadores
eram os parasitas, que sugavam os recursos de seus hospedeiros, os
países colonizados. Deles retiravam recursos e alimentos para sobreviver
e enriquecer. Os colonizadores foram predadores que atacaram suas
presas e as fragilizaram. Como os parasitas e predadores dependem da
vida e energia de seus hospedeiros ou presas para se sustentarem, a eles
não interessa causar sua extinção. A hiperinfestação de parasitas pode,
entretanto enfraquecer os organismos que os hospedam, como ocorreu com
inúmeras ex-colônias empobrecidas. Em muitas ocasiões, os colonizadores
praticaram também o escravagismo, relação
ecológica desarmônica onde uma parte se aproveita e se nutre da
energia, da força de trabalho, das atividades, ou de produtos produzidos
pela parte escravizada.
Na
migração moderna, vista como um processo de inquilinismo, migrantes
procuram se beneficiar dos recursos e oportunidades que lhes são
oferecidos pelo hospedeiro onde obtém abrigo ou suporte. Atualmente, num
efeito bumerangue, cidadãos das ex-colônias buscam os países
colonizadores, num processo de ação e reação histórica.
A
capacidade de ser um bom anfitrião, de bem receber migrantes está
relacionada com um entendimento generoso da unidade do ser humano. Tem a
ver com solidariedade, empatia, compaixão, valores que vão além dos
interesses econômicos e materiais imediatos. A receptividade para com
aqueles que migram e pretendem se estabelecer de modo permanente está
relacionada com a capacidade de colocá-los à vontade, não hostilizá-los
ou excluí-los. A habilidade de ser receptivo e de acolher imigrantes é
valiosa num mundo com números crescentes de refugiados ambientais.
Em
circunstâncias nas quais se agravam o neonazismo, a intolerância
racial, a segregação e a violência, a discriminação e a ausência de
solidariedade, é oportuno buscar inspiração na milenar civilização
indiana. A tecnologia de convivência e respeito a diferenças
desenvolvida nessa civilização é essencial no mundo conflagrado por
conflitos étnicos.
A
Índia exerceu a hospitalidade e criou um sistema de valores que
facilitava a tolerância para com a diversidade. Ela acomodou em seu
território, durante milênios, invasores, colonizadores, imigrantes e
descendentes de arianos e drávidas, maometanos e gregos, europeus de
Portugal, França, Inglaterra. No campo da hospitalidade e no exercício
da convivência com o diferente, a cosmovisão indiana tem grandes
contribuições para as demais civilizações. O poeta indiano e prêmio
Nobel Rabindranath Tagore assim expressou essa condição do país: “A
missão da Índia foi como a da anfitriã que tem que prover acomodações
apropriadas para numerosos hóspedes, cujos hábitos e necessidades são
diferentes uns dos outros. Isso causa complexidades infinitas, cuja
solução depende não meramente de tato, mas de simpatia e de um
verdadeiro entendimento da unidade do homem". Para abrigar hóspedes
tão diversos em seu território, a civilização indiana desenvolveu o
espírito de tolerância e não violência. Continuando a refletir sobre a
Índia, Tagore conclui: “Temos que reconhecer que a história da Índia não pertence a uma
raça em particular, mas a um processo de criação para o qual várias
raças do mundo contribuíram – os drávidas e os arianos, os antigos
gregos, os persas, os maometanos do oeste e aqueles da Ásia central. E
por fim, foi a vez dos ingleses nessa história, trazendo-lhe o tributo
de suas vidas; não temos o poder nem o direito de excluir esse povo da
construção do destino da Índia.”
Disso
resultou um país com grande diversidade de línguas, culturas, costumes
que talvez seja, no mundo, o povo mais diverso e a sociedade em que se
experimentam mais explicitamente os extremos das grandezas e misérias da
condição humana. Ela absorveu, metabolizou influências das inúmeras
invasões que sofreu ao longo de sua história e as devolveu transformadas
ao mundo. À diferença dos países europeus, que colonizaram a África,
Ásia e América, e ali predaram e parasitaram recursos com os quais se
sustentar, a Índia nunca foi expansionista. Pelo contrário, absorveu os
imigrantes que chegavam. Até mesmo na luta pela independência, liderada
pelo Mahatma Gandhi, usou da gentileza da resistência passiva e da não violência para fazer os invasores europeus saírem de seu território.
A
Índia cultivou a convivência entre diferentes de forma introspectiva:
aprofundou-se na psicologia humana, no autoconhecimento; desenvolveu
verdadeira tecnologia de vivência menos violenta em contextos densos. Em
poucos anos será o país mais populoso do mundo, com cerca de 18% da
população mundial e com baixos índices de violência, se comparados com
os da America Latina e da Africa. Ver
World Tables, do Banco Mundial, que mostra que os índices de homicídios
intencionais por 100.000 habitantes na India são seis vezes menores do
que no Brasil. Link http://data.worldbank.org/indicator/VC.IHR.PSRC.P5
Nesse
estágio terminal da era cenozoica, caracterizado por mudanças
climáticas, eventos críticos e extremos, catástrofes, êxodos e
deslocamento de populações, é positiva a capacidade de exercer a cultura
de paz e a tolerância, a habilidade de conviver pacificamente uns com
outros. São riquezas intangíveis e imateriais valiosas a generosidade, a
solidariedade e a hospitalidade.
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