quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

As ciências da consciência




Entre os campos das ciências que se têm desenvolvido atualmente ressaltam aqueles relacionados com a consciência e a cognição humanas. A psicologia, as ciências da comunicação, bem como as artes, filosofias e as tradições se ocupam do autoconhecimento e das questões sobre o espírito. As neurociências aprofundam o conhecimento do hardware material e físico - o sistema nervoso e o cérebro – bem como dos softwares e personwares - psíquicos e imateriais, tais como a mente, o espírito, a alma, as inteligências.
A noética é uma ciência ampla da mente humana. Do grego nous, espírito, ela se refere ao conhecimento interior, à consciência pura ou intuitiva, para além dos sentidos normais e da razão. “A noética pretende criar um corpo de conhecimento empiricamente baseado e publicamente validado sobre a experiência subjetiva, sobre a vida interior humana e sobre a sabedoria perene das grandes tradições espirituais, que constitui a herança viva de toda a humanidade. ” [1] (HARMAN, 1998).
As ciências noéticas exploram a natureza e os potenciais da consciência, acessando direta e intuitivamente o conhecimento. Elas exploram a experiência subjetiva e o universo interior da mente individual e coletiva, relacionados com a sabedoria das tradições espirituais e com o mundo físico exterior. Elas exploram o universo interior da mente (consciência, alma, espírito) e como ele se relaciona com o “cosmos exterior” do mundo físico. Catalisam os conhecimentos das ciências da cognição.
Da raiz grega nous também deriva a palavra noologia, o estudo sistemático de tudo o que se refere ao espírito, ao aparecimento e evolução dos pensamentos. A noologia é a ciência dos conhecimentos espirituais.  Estuda o espírito humano, o pensamento, sua origem e criação, bem como os conteúdos da alma humana e as relações da vida mental, com a vida emocional, afetiva.
Algumas das ciências ecológicas incluem o tema da consciência em seus estudos: a ecologia humana, a ecologia cultural, a ecologia pessoal e transpessoal. Esses campos, relacionados ao ser humano interior, subjetivo, psíquico, contribuem para o autoconhecimento sobre a espécie humana, que mostra capacidade crescente de, com suas ações, interferir sobre o rumo da evolução no planeta. Warwick Fox é o principal autor no campo da ecologia transpessoal que, para ele, transcende o dilema humano básico causado por desejos egoístas. Se existe um sentido do eu amplo, expansivo e abrangente, então o indivíduo espontaneamente protegerá o desdobramento natural desse eu expandido em todos os seus aspectos, o que engloba a ecosfera e a cosmosfera.
A ecologia transpessoal considera que há direitos intrínsecos do mundo natural e dá importância aos princípios éticos que regem as relações homem/natureza. Na natureza não existe o sentido do bem e do mal. A humanidade é a única espécie que tem a ética como um fator de seleção. A ética ecológica busca a liberdade e o bem viver para todos.  Considerações éticas e imperativos morais são necessários para se produzir convergências, metas e objetivos comuns, de interesse coletivo e da sobrevivência da espécie. Para além da inclusão social, a ecologia transpessoal conecta a ecologia com o campo da psicologia transpessoal. Ela estuda a maneira como experiências transpessoais na natureza e com a natureza expandem a consciência humana e ajudam a tecer uma conexão sagrada com o mundo. Ela examina como a espiritualidade se relaciona com a crise ecológica global.


[1] Willis Harman, in What are noetic sciences? Noetic Sciences review, n.47, Pg. 32, 1998.

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Aproximação da história natural com a história humana





Os geólogos e cientistas da natureza constataram que a presença humana deixa marcas duradouras sobre os registros geológicos e concebem um novo período na historia da Terra, o antropoceno, no qual  o ser humano tem um papel fundamental.
Por seu lado, a ecologia, que se originou nas ciências biológicas, se desdobra em inúmeros campos que crescentemente estudam a presença humana, tais como a ecologia humana, a ecologia cultural, a ecologia social, a ecologia urbana, a ecologia industrial, bem como um outro tanto de campos que estudam a consciência e os aspectos subjetivos e psicológicos: a ecologia do ser, a ecologia pessoal, a ecologia mental entre outros.
A ecologia integral, pioneiramente estudada por Pierre Dansereau e adotada em 2015 como conceito central pelo papa Francisco em sua Encíclica Laudato Si integra aspectos biológicos, sociais e a ecologia interior. Tal movimento integrador  não se limita às fronteiras das  disciplinas e encontra pontes entre elas, numa visão holística e menos fragmentada.
As escalas temporais com que se trabalha na história natural são de bilhões ou milhões de anos, enquanto que na história das civilizações humanas essa escala se estende por alguns milhares de anos. As mudanças climáticas são processos que duram milhares de anos, mas se aceleram em períodos de transição entre eras  geológicas. Nesses momentos - como o que vivemos hoje, na atual transição deste estágio terminal da era cenozoica, a  era dos mamíferos - tende a haver uma convergência dos estudos da historia natural e ambiental com  os da historia humana. A evolução da humanidade se relaciona com as condições naturais do planeta,  as eras glaciais e os períodos interglaciais,( estamos no final de um periodo interglacial qaue se iniciou a cerca de 12000 anos)  os grandes eventos como erupções vulcânicas, como mostra o estudo sobre A jornada da humanidade produzido pela Fundação Bradshaw ( ver http://pt.slideshare.net/LCDias/a-jornada-da-humanidade ) , que evidencia como as mudanças naturais e climáticas impulsionaram migrações, deslocamentos de populações humanas e alteraram  o curso da história humana e das histórias nacionais.

As histórias nacionais, a história da vida humana, a história da vida, estão inseridas num contexto maior, da história do planeta, com suas variações climáticas, com seus grandes eventos de extinções, com as grandes eras, idades, períodos, épocas, estudados na historia geológica do planeta. Essa, por sua vez está inserida  numa visão cósmica, como mostra o astrônomo Carl Sagan em O pálido ponto azul. https://www.youtube.com/watch?v=YPUhj_lNdMQ
Na escala nacional brasileira essa abordagem da história ecológica pode tratar as questões da diversidade ecológica e a diversidade humana, e os complexos  ligados aos diversos recursos naturais que foram centrais na história econômica: recursos do reino mineral ( o ouro, os diamantes), do reino vegetal ( o pau brasil, a cana de açucar, a borracha, o café) e do reino animal ( a pecuária). Pode tambem valorizar o conhecimento dos povos indígenas sobre o ambiente, conhecimento que lhes é essencial para a sobrevivência. Ver, no Globo Ecologia, programa sobre a Formação do Brasil – uma história ecológica http://redeglobo.globo.com/globocidadania/videos/v/formacao-do-brasil-uma-historia-ecologica/1499898/
A convergência das ciências se faz em mão dupla: das ciências naturais para as ciências humanas e vice-versa, num movimento de aproximação e integração.
A visão da história humana ( e das histórias nacionais ou regionais que são capítulos dela) integrada com a história e evolução da Terra, seus climas, biomas e ecossistemas, tem  papel fundamental para  inspirar a consciência das pessoas, desde a infância, no sentido de promover  o cuidado com o ambiente e  induzir a uma sociedade e economia ecologizadas. No atual período de crises climáticas que se tornam crises de segurança e de desenvolvimento, esse tipo de visão integradora pode impulsionar as ações humanas num rumo menos destrutivo. Uma história integral, uma abordagem holística à história, correspondente ao movimento pela ecologia integral, começa nos estudos na infância e se estende a todas  as fases da vida.
Conectam-se então a história nacional, a história mundial da humanidade, a história ambiental, a história natural. Uma história que transite do estado-nação ao planeta e ao cosmos. No antropoceno, faz sentido ecologizar e superar visão antropocentrada da história, reconectar a  evolução da espécie e a da natureza. No antropoceno, faz sentido evoluir para uma visão ecocêntrica  e cosmocêntrica. Faz sentido  tomar consciência de uma história que ajude a enfrentar os desafios da dinâmica acelerada de transformações no ambiente no século XXI.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Atitudes diante de tragédias




Vivemos na era das tragédias, num mundo com uma sucessão de desastres: num dia ocorre um ataque terrorista, noutro dia é um desastre ambiental. Há incertezas e imprevisibilidade crescentes, fatos inesperados que perturbam as rotinas, mudanças aceleradas.
São variadas as reações diante do anúncio de tragédias. Diante de cenários catastróficos as atitudes variam da paralisia à ação consciente; da histeria à omissão e ao cinismo; da rendição, resignação e aceitação, à raiva e indignação por ser vitima de tal destino; da adaptação que busca a sobrevivência, à compaixão diante dos diretamente afetados pelo sofrimento decorrente das catástrofes.
Desenvolver a atitude correta pode significar a diferença entre a sobrevivência e a morte.
Tradições espirituais pregam a oração e as virtudes humanas que ajudem a reduzir a dor. Quem se sente impotente para atuar diante de cenários catastróficos recolhe-se, apela para Deus e a ele entrega seu destino. A esperança da salvação diante do apocalipse faz transcender, ao crer que os puros, os bons, os justos se salvarão. Em seu samba E o mundo não se acabou, (  https://www.youtube.com/watch?v=abVNWgeonOY ) assim se expressa Assis Valente: “Anunciaram e garantiram que o mundo ia se acabar
Por causa disso, minha gente lá de casa, começou a rezar...”
Outra reação é a de curtir o aqui e agora, como também canta o sambista: “E sem demora fui tratando de aproveitar/Beijei a boca de quem não devia/ Peguei na mão de quem não conhecia/ Dancei um samba em traje de maiô”. Nessa linha da atitude do Carpe Diem, desfrutar do momento presente, conta uma história oriental que um homem caiu num precipício e agarrou-se num cipó. Embaixo, um leão esfomeado o aguardava; acima, um ratinho roia o cipó. Ao lado, na rocha, havia uma parreira com uvas maduras. Ele soltou uma das mãos, colheu uma uva, provou-a e exclamou: “Que delícia! ”
Por outro lado, a perspectiva de uma catástrofe pode provocar pânico, desespero, ansiedade e depressão, bem como reações emocionais de negação.
Ao aterrorizar as pessoas, as previsões de catástrofes paralisam reações, produzem sensação de impotência, de não ter o que fazer, de medo do futuro. Um rato fica hipnotizado diante da cobra que se prepara devorá-lo. Alertas de catástrofes climáticas e ambientais podem causar reação paralisante. Romper tal paralisia cria condições para agir.
Para além da reação emocional, a iminência da catástrofe é vista como desafio a ser vencido, cria motivação para luta, para desenvolver a astúcia, a inteligência, a resistência. Com calma, vem a aceitação da situação e a consciência da necessidade da adaptação, o desenvolvimento de estratégias de sobrevivência que exigem encarar a situação com coragem e agir racionalmente. Esse tipo de reação pragmática mobiliza ações, seja a de buscar a salvação individual ou coletiva, na esperança se proteger e escapar da catástrofe, seja a de prevenir, criar sistemas de alerta para, se possível, evitar que o desastre aconteça. Definem-se metas, traduzidas em ações que garantam o seu cumprimento.
A percepção da iminência da catástrofe mobiliza a ação e desperta a consciência, especialmente de grupos mais esclarecidos. No caso das mudanças climáticas, isso vem ocorrendo com os alertas dos cientistas e a pressão crescente sobre as lideranças políticas. Eles denunciam o déficit de consciência ecológica dos governantes, a ganância e o egoísmo.
Reconhecer os perigos à frente e acender luzes amarelas de alerta e de emergência é um primeiro passo para lidar com as tragédias anunciadas. Assim, por exemplo, cientistas convencidos dos riscos que representam eventuais colisões com outros corpos celestes montam sistemas de previsão e de prevenção.
As catástrofes são pedagógicas e ensinam, porém, à custa de sofrimento e dor.  As mega catástrofes e desastres produzem miséria material, sendo muito difícil se emergir delas e reconstruir as vidas afetadas.
Diante do desastre ocorrido, surgem atitudes de compaixão, ajuda e cooperação entre vizinhos atingidos, como ocorreu em enchentes em Santa Catarina e em desastres como o de Mariana-MG em 2015. O supertufão Hayin que atingiu as Filipinas em novembro de 2013 e matou 10.000 pessoas e deixou mais de 600 mil desabrigadas, sensibilizou os delegados à COP 19 que se realizava em Varsóvia, para debater as questões climáticas. A compaixão para com os vulneráveis é um sentimento que mobiliza ações, como por exemplo as dos médicos sem fronteiras, que atuam em situações extremas de carência. Por outro lado, a insensibilidade tende a deixar os mais vulneráveis entregues à sua própria sorte.
Por outro lado, surgem episódios de saques por parte de predadores oportunistas.
Conhecer as reações humanas antes, durante e depois de catástrofes é valioso num mundo em que estamos expostos cotidianamente a situações trágicas.
Algumas previsões anunciam tragédias grandiosas, globais, planetárias, com o colapso das civilizações que poderia ocorrer devido às mudanças climáticas e à extinção da biodiversidade. Filmes como A era da estupidez ou O dia depois de amanhã, dão forma a esses cenários.
Alguns colocam em dúvida se é verdadeiro o diagnóstico da iminência da catástrofe, tal como os céticos em relação a mudanças climáticas ou aqueles que negam a responsabilidade humana por tais mudanças. Nessa linha, continua Assis Valente em seu samba: “Acreditei nessa conversa mole/Pensei que o mundo ia se acabar/E fui tratando de me despedir...” E constata, em tom de frustração, que tudo não passava de alarme falso: “E o tal do mundo não se acabou. ”
Um problema de dimensões colossais não pode ser enfrentado apenas por meio da ação individual ou de pequenos grupos. Num Titanic que afunda ou num avião em queda, o passageiro tem pouco a fazer para evitar o desastre; ações preventivas deveriam ter sido tomadas anteriormente.
Na iminência de um colapso climático a união planetária é forma de fortalecimento mútuo. Iniciativas de superação de conceitos nacionais de soberania e de construções de federações supranacionais apontam nessa direção. Por meio delas desenvolve-se a cooperação e a solidariedade, superam-se divergências menores em prol da sobrevivência, numa ação convergente em que cada um faça a sua parte.  Como construir tal convergência num contexto de interesses conflitantes é um desafio penoso de ser superado, como mostram as difíceis negociações relacionadas com as mudanças climáticas.
Ações preventivas tomadas a tempo podem evitar a ocorrência da tragédia anunciada. A mudança de atitudes pode criar outro futuro possível.

(*) Autor de Ecologizar e de Tesouros da Índia para a civilização sustentável. WWW.ecologizar.com.br                  ecologizar@gmail.com




quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Ecologizando o estudo da história



Controvérsias cercam o tema de como a história deve ser ensinada.
Da história pessoal à do universo, há várias formas de narrar os fatos e suas versões. Realçam-se alguns aspectos, em função de interesses e desejos, ao passo que se desvalorizam outros. A narrativa histórica é seletiva, recorta alguns fatos, dá menos visibilidade a outros.
Conhecer a própria história pessoal faz parte das anamneses psicológicas e ajuda a pessoa a se situar no mundo. A história pessoal remonta ao DNA das arvores genealógicas, aos antepassados, às encrencas familiares não ou mal resolvidas. A história de uma organização, de uma empresa, de uma cidade traz referências sobre o que precisa ser valorizado histórica e culturalmente.
As histórias dos países também precisam ser recontadas. No caso brasileiro, de uma versão tradicional de narrativa histórica centrada no ponto de vista a partir da Europa, outros pontos de vista, são  relevantes: o dos negros, dos indígenas e de outros povos que ajudaram a moldar nossa história. Outra sociedade que tem uma longuíssima história é a India. Refletindo sobre ela, o prêmio Nobel de literatura Rabindranath Tagore faz uma observação sobre a diversidade étnica e cultural daquele pais, fruto de sua história de invasões e colonizações: “Temos que reconhecer que a história da Índia não pertence a uma raça em particular, mas a um processo de criação para o qual várias raças do mundo contribuíram – os drávidas e os arianos, os antigos gregos, os persas, os maometanos do oeste e aqueles da Ásia central. E por fim, foi a vez dos ingleses nessa história, trazendo-lhe o tributo de suas vidas; não temos o poder nem o direito de excluir esse povo da construção do destino da Índia."  Tagore expressa sua convicção numa história maior: “Há somente uma história - a história do homem. Todas as histórias nacionais são meros capítulos da história maior. ”
Para além da história do homem – com toda a diversidade de percepções do que seja o gênero Homo, a da espécie se embrenha na história natural, com suas explicações evolucionistas, com o criacionismo bíblico cristão e os demais mitos de criação de outras tradições ancestrais. Na história natural também se multiplicam polêmicas que opõem visões cientificas a visões religiosas.
Para além da história da vida na Terra, há a história do planeta, do sistema solar, das galáxias, do universo, estudada por Thomas Berry e Brian Swimme. Na pág. 81 do livro “The Universe Story” eles dizem que “A educação em todos os níveis seria entendida como conhecedora da história do universo e do papel humano na história. O curso básico em qualquer colégio ou universidade deveria ser a história do universo. ”
Berry continua (Pág. 71): “A Educação e a religião, especialmente, deveriam despertar nos jovens uma consciência do mundo no qual eles vivem, como ele funciona, como o humano se encaixa na comunidade mais ampla da vida, o papel que os humanos preenchem na grande história do universo e a consequência histórica dos desenvolvimentos que moldaram nossa paisagem cultural e física. ” (BERRY, T. – The Great Work, 1999.) Eles concluem que  “A missão histórica de nosso tempo é reinventar o humano – no nível da espécie, com reflexão crítica, dentro da comunidade de sistemas de vida, num contexto de desenvolvimento temporal, por meio da história e da experiência de sonhos compartilhados. ” (Pág. 159)


Ecologizar  e expandir a abordagem à história é uma necessidade nesse período antropoceno  no qual se multiplicam e intensificam crises ecológicas e climáticas.