“Em todos os sentidos, a água é o maior patrimônio
deste planeta e como tal deve ser encarada, sobretudo sob o ponto de vista
cultural. Todos os bons e os maus usos da água têm sua origem no comportamento
cultural dos diferentes segmentos de nossa sociedade. ”
(DELPHIM, Carlos Fernando de Moura. ANA, 2012,
Seminário sobre Água e Patrimônio Cultural.)
Na União
Europeia, o primeiro considerando da norma que estabelece um quadro de ação
comunitária no domínio da política da água diz que “ A água não é um produto comercial como outro
qualquer, mas um patrimônio que deve ser protegido, defendido e tratado como tal.
”A diretiva europeia para as águas também põe ênfase na abordagem ecológica e
na proteção das águas. Em Portugal a lei da água (Lei no.58, de 29 de dezembro
de 2005) segue o espírito da legislação europeia. Ela tem como objetivos
“Evitar a continuação da degradação e proteger e melhorar o estado dos
ecossistemas aquáticos e também dos ecossistemas terrestres e zonas úmidas diretamente
dependentes dos ecossistemas aquáticos, no que respeita às suas necessidades de
água.” Baseia a utilização sustentável da água numa proteção a longo prazo dos
recursos hídricos disponíveis e se propõe a obter uma proteção reforçada do
ambiente aquático. Explicita o valor social e ecológico da água e a necessidade
de um elevado nível de proteção. A lei portuguesa tem por âmbito de aplicação a
totalidade dos recursos hídricos abrangendo, além das águas, os respectivos
leitos e margens, bem como as zonas adjacentes, zonas de infiltração
máxima e zonas protegidas.
Patrimônio
hídrico, proteção dos ecossistemas aquáticos, abordagem ecológica, âmbito de
aplicação abrangente são algumas das características das leis das águas
europeias.
Já no Brasil, a lei das águas (Lei nº 9.433 de 8 de janeiro de 1997) explicita
duas vezes que a água é um bem com valor econômico ("a água é um recurso
natural limitado, dotado de valor econômico") mas não explicita em nenhum momento que ela tenha valor ecológico. A lei não
menciona uma única vez a palavra patrimônio e menciona 174 vezes a palavra
recurso. Entretanto a legislação brasileira em
nenhum dispositivo define o que são os recursos hídricos.
Recursos
remetem à ideia de algo a que se recorre para atender a alguma demanda ou que
se usa em caso de necessidade. Já o patrimônio é algo valioso, uma riqueza
material ou imaterial que merece proteção e guarda e que não deve ser gasto ou
desperdiçado, pois isso leva ao empobrecimento de seu detentor. A água não é
apenas um recurso a ser utilizado ou gasto. É patrimônio ambiental a ser
cuidado e protegido. Uma abordagem que ignore
seu valor ecológico,como patrimônio natural, induz a uma gestão que resulta no
mau estado ecológico das águas, na destruição das áreas úmidas e em outras
consequências negativas. A gestão das águas é mais integrada onde ela é
explícitamente reconhecida como um patrimônio com valor ecológico e não apenas
como um recurso com valor comercial, monetário ou econômico.
No Brasil
uma das diretrizes da Lei nº 9433 é a integração da gestão de recursos hídricos
com a gestão ambiental. Quase vinte anos depois de aprovada essa lei, pouco se
avançou nessa integração. Quais as dificuldades para se colocar em prática a
diretriz de integrar a gestão de recursos hídricos com a gestão ambiental? Há questões
conceituais cujo esclarecimento pode facilitar tal integração:
A clara definição do que sejam recursos
hídricos -se numa acepção ampla como a adotada em Portugal, se numa acepção restrita -
ajudaria a dar mais nitidez conceitual para a gestão de tais recursos.
Além disso, a compreensão da água como um
patrimônio, uma riqueza que é prudente não dilapidar e da qual não se deve
abusar, pode induzir a uma atitude de maior cuidado em relação a ela, preservando seu bom estado ecológico e qualidade.
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