terça-feira, 3 de maio de 2016

Desafios do consumo consciente

A consciência sobre a importância do meio ambiente aumentou nos últimos anos no Brasil e em todo o mundo. De questão periférica, passou a ser central, associada à sobrevivência e à segurança.
A partir de 2007, milhões de pessoas tomaram conhecimento das questões climáticas, quando foi divulgado o 4º Relatório do IPCC- Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas.
Nos últimos anos, houve um crescimento vertiginoso na consciência sobre as questões ecológicas em diversos públicos e segmentos sociais e nas práticas ambientais de indivíduos e organizações.
A conscientização ecológica é um requisito para superar a atual crise ambiental e climática, pois dela podem decorrer mudanças de comportamento e atitudes sociais e individuais. Hoje, mais pessoas praticam a separação de resíduos domiciliares; muitos se preocupam com a devastação da Amazônia; há disposição para aderir a campanhas pro-ambiente; diminuiu o número de pessoas que não sabem identificar os problemas ambientais; as agressões aos sentidos da visão, do olfato, da audição, ajudaram a ampliar a percepção sobre os problemas ambientais urbanos; cresceu o consumo de alimentos orgânicos, agora encontrados em supermercados; cresceu a percepção de que os problemas ambientais prejudicam a saúde individual e pública e que o consumismo prejudica a saúde ambiental; entraram no repertório e no vocabulário conceitos como "desenvolvimento sustentável", "consumo sustentável" e "biodiversidade", ainda que não haja uma definição clara sobre o que sejam.
Entretanto, muitas cidades ainda não dispõem de projetos ou sistemas de gestão de resíduos, de tratamento de esgotos, de mobilidade pública, de normas arquitetônicas que reduzam desperdícios de água e energia; ao descartar o lixo, persistem hábitos prejudiciais ao meio ambiente; não se conhece o ciclo de vida do produto em toda a sua extensão; a ignorância não é apontada como um problema ambiental sério.
Atualmente, existe uma politização crescente do consumo e por outro lado, há a alienação do consumidor, que desconhece total ou parcialmente os impactos ambientais do consumo de bens materiais. Ainda há um longo caminho a ser percorrido que fortaleça a consciência e a traduza em mudanças de atitudes.
As definições de consumo responsável, consciente, sustentável têm diferentes significados. Numa perspectiva econômica, o consumidor responsável é aquele que paga suas contas em dia, o consumidor sustentável é aquele que não se endivida e cuja renda é combatível com seus gastos. Numa perspectiva ecológica, o consumidor responsável é aquele que age de modo a reduzir seus impactos negativos e sua pegada ecológica.
A questão do consumo consciente traz desafios conceituais, bem como desafios práticos e operacionais. Um desafio conceitual é a própria definição do que é ser consciente. Abordagens superficiais associam a consciência a um nível elementar de informação sobre um tema ou assunto e outras, mais profundas, se debruçam sobre os condicionamentos culturais e sociais que moldam a consciência individual ou coletiva; há também aquelas que abordam o inconsciente coletivo, bem como as dimensões da consciência que não são visíveis explicitamente, mas que influenciam as atitudes e comportamentos. Há uma multiplicidade de estudos sobre a consciência, desde aqueles com origem na neurociência, até os da psicologia e da filosofia.[1] O que é ser consciente e o que é ser um consumidor consciente são questões que podem ser tratadas superficial ou profundamente. Abordagens superficiais frequentemente deixam escapar aspectos relevantes dessas questões.
A consciência não envolve apenas informação e conhecimento, vai além disso, traduzida em atitudes, comportamentos, tomadas de decisão, ações práticas. Assumir compromissos e responsabilidades é uma manifestação de despertar da consciência. Decisões de consumo podem ser tomadas de modo consciente, mas irresponsável. Assim como muitos crimes e erros são intencionais, premeditados, muitas decisões de consumo também são tomadas tendo-se consciência de seus impactos negativos. O consumidor pode ser consciente dos males que provoca e ainda assim cometer o ato que os causa, seja por irresponsabilidade ecológica, ou por pura maldade. Pode ter uma noção estreita do que são seus interesses e, por ignorância, egoísmo ou falta de visão de longo prazo e de uma perspectiva ampla, não ter vontade e determinação para agir com responsabilidade. O consumo ecologicamente responsável é um ato que aplica na prática o que pensa, diz ou sente. Assim como consumir para atender a necessidades básicas de sobrevivência é um direito, fazê-lo com responsabilidade é um dever.
Há desafios práticos: como traduzir o conhecimento e a informação sobre o consumo e seus impactos em atitudes vivenciadas? Como exercer a responsabilidade ética e ecológica nos hábitos de consumo? Desculpas e pretextos para não agir, autocomplacência, falta de rigor consigo mesmo, falta de coerência entre pensamento, discurso e ação acometem pessoas bem informadas. Aos inconscientes ou alienados nem sequer ocorrem tais questões, pois as considerações de responsabilidade ecológica e ética passam longe do radar de sua percepção, deliberadamente ou não. O tema do consumo consciente exige um esforço de autoconhecimento, um exercício honesto de auto avaliação e autocrítica individual e coletiva.
A irresponsabilidade no consumo é mais evidente nos segmentos mais ricos, com maior capacidade de gastos, para quem o desperdício e a compra de bens posicionais (ver referência de Eduardo Giannetti da Fonseca) forma parte significativa de sua motivação de consumo. Valorizam produzir inveja, exibir status e poder econômico, sentir-se superiores por poderem consumir mais. Maior poder aquisitivo não necessariamente significa melhor opção em termos de saúde ou de proteção ambiental; pode significar uma pior opção quanto a esses aspectos. Exemplos: a opção por dietas alimentares que levam a obesidade e a sobrepeso; a opção por carros grandes que consomem muito combustível, que por outro lado preenchem funções psicológicas de demonstração de status social ou de sentir-se mais seguro no ambiente violento do trânsito.
Um terceiro desafio, ainda, é a escolha da ação adequada que permita rumar para um consumo com menor impacto destrutivo – ambiental, ecológico, climático ou social.
A pior inconsciência e ignorância é não saber que se é inconsciente e ignorante. É relevante aferir em que medida as pessoas sequer são conscientes de sua própria inconsciência, deixam-se levar pelas normoses sociais e não reconhecem sua ecoalienação.
A cultura molda, forma, regula a consciência. Filtros sociais e culturais, bem como circuitos de programação mental podem aprisioná-la. A publicidade arma ciladas e armadilhas, manipula emoções e mentes, criam prisão mental. Condicionamentos culturais e religiosos, os hábitos arraigados, as influências da TV, dos formadores de opinião, líderes religiosos e políticos ou gurus podem atrofiar, escravizar, anestesiar, hipnotizar a consciência.
O consumidor é um ser com necessidades físicas e corporais e com demandas mentais e emocionais. Parte de seu consumo tem origem nesta dinâmica mental e emocional. Frustrações e carências afetivas levam à shopping terapia, ao consumo compulsivo de bens e serviços que preencham tais carências. O consumo inconsciente se alimenta da insegurança emocional, de pensamentos de poder e sensação de segurança trazida pela posse de bens materiais.
Consumo consciente é liberdade para escolher o que consumir ou não consumir.

Devem-se reconhecer   os limites do consumo consciente. O consumo é uma das etapas do processo   econômico, juntamente com a produção e a circulação de produtos e serviços.   Os esforços pelo consumo consciente não levam muito longe caso não haja,   também, processos de produção e de   distribuição responsáveis e conscientes; caso a própria sociedade e a   civilização não se tornem mais responsáveis e conscientes.
(*) Autor de Ecologizar e de Meio ambiente & evolução humana   www.ecologizar.com.br   ecologizar@gmail.com

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