quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Hidratando a educação



Maurício Andrés Ribeiro
Diferentemente  dos ribeirinhos, pescadores ou indígenas, que convivem  cotidianamente com as águas das quais dependem para sobreviver, as populações urbanas se distanciaram delas e têm uma percepção  fragmentada sobre seu ciclo.  Quando acontece uma crise e a água começa a faltar, ela  se torna assunto e objeto de interesse, entra na agenda politica e da comunicação. Assim, espasmos de hidroconsciência e desalienação ocorrem durante as crises hídricas, usualmente passageiras. Depois, começa a chover, esquece-se o tema e até a próxima crise, a consciência fica adormecida.
 O cidadão urbano tornou-se hidroalienado.  Ele convive com partes fragmentadas do ciclo hidrológico. Vê a água que sai da  torneira e some no  ralo da pia ou do chuveiro;  fica preso num engarrafamento de trânsito quando chove muito e as ruas se alagam; bebe líquidos e os devolve ao ambiente ao urinar ou suar. Quando dei aulas de gestão ambiental, a maior parte dos estudantes  universitários se admirava com a novidade ao visitar  pela primeira vez uma estação de tratamento de água e uma estação de tratamento de esgoto. Eram hidroalienados em relação ao sistema de abastecimento de água urbano.  Ademais, são desinformados ou têm noções de senso comum que não orientam o que se deve fazer cotidianamente para se ter o ambiente mais limpo. São, por exemplo, frequentes as situações como a da mãe que orienta o filho: “não jogue lixo no terreiro, porque terreiro não é rio”. Em sua hidroalienação, ela considera que o rio é um  depósito de lixo e imagina que para sua casa, tudo está bem, pois as águas  levam seu lixo para bem longe dali.
Superar a hidroignorância e produzir cidadãos hidroconscientes são tarefas que cabem à educação, na escola e fora dela. Desde a infância  importa  tomar consciência da água, ter visão sobre o seu ciclo integral, educar a percepção, dar oportunidade de vivências. A educação escolar pode  conscientizar crianças e jovens. Escolas são pontos de convergência da comunidade onde se consome água. Os professores  podem introduzir a água como tema gerador transversal em cada disciplina. Podem, assim, hidratar a educação, em cada uma de suas disciplinas. Aqui vão algumas ideias:
·      Ciências – as relações entre os recursos naturais e o uso múltiplo da água; a água no corpo humano, dos animais e das plantas; a água no cosmos; água e vida; o saber popular e o saber técnico e científico.
·      Geografia –  bacias hidrográficas e o ciclo da água; águas subterrâneas.
·      Educação Artística - expressão artística em peças teatrais, músicas, teatro, literatura e letras, dança, cinema,  tendo como tema a água;
·      Português – a água como tema central de análise de textos de poesia, literatura e em redações;
·      Matemática – o trabalho com unidades de peso, de volume, de área, relacionados com o tema da água; os preços da água.
·      Inglês – o tema da água e suas manifestações em países de língua inglesa;
·      Educação Física - os esportes aquáticos, o lazer e a recreação como usos da água;
·      História – a evolução do problema da água no mundo; as concepções históricas dos povos indígenas e de outras tradições culturais sobre a água; a idade da água. A historia da micro bacia hidrográfica onde vivo.
·      Vida cotidiana e sociedade – a sobra e a falta de água no dia a dia e estratégias para evitar o desperdício.
Um modo eficaz de atuar junto a usuários é educá-los pelo bolso. A instalação de hidrometria individualizada em cada domicílio pode  reduzir consumos de água, já que a conta é mais alta para quem gasta mais.
Uma das abordagens promissoras é a atuação direta de estudantes, educadores, comunicadores, especialistas, em microbacias hidrográficas, produzindo consciência e ação voltadas para a recuperação de cada bacia, tal como a iniciativa no Rio Carioca.
Nas ações educativas, em casa, na escola e em outros espaços sociais, é possível enfatizar a percepção e compreensão integral do ciclo da água. A água se apresenta na natureza em três estados: sólido, líquido e gasoso. Ela responde a variações de temperatura, transformando-se de um desses estados para outro. Além das águas superficiais e subterrâneas, uma fase essencial do ciclo da água é a sua fase atmosférica, meteórica, nas nuvens que carregam umidade no ar e que formam os rios voadores  importantes para o regime de chuvas no Brasil.
Do mesmo modo, na educação sobre a água, deve-se evoluir da visão sistêmica para a visão orgânica. Num corpo humano, o sistema circulatório, com suas artérias, veias e capilares, está diretamente relacionado com outros sistemas – respiratório, digestivo, nervoso central, urinário etc – que formam o organismo. No ambiente externo, a teoria Gaia de James Lovelock e Lynn Margulis propõe a visão do planeta como um organismo. O sistema de gestão de
Balança hidrica num museu indica a quantidade  de água no corpo.

O dilúvio.

Fatehpur Siokri, Índia, que entrou em colapso por falta d´'água.
recursos hídricos está inserido num organismo constituído por vários outros sistemas (ambiental, de saneamento, de saúde etc). Evoluir da visão sistêmica para a visão orgânica cria precondições para a hidratação geral de outros sistemas e do organismo inteiro e para dar respostas mais integrais às questões da água.



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