Maurício Andrés Ribeiro
Diferentemente
dos ribeirinhos, pescadores ou indígenas, que convivem cotidianamente com as águas das quais
dependem para sobreviver, as populações urbanas se distanciaram delas e têm uma
percepção fragmentada sobre seu
ciclo. Quando acontece uma crise e a
água começa a faltar, ela se torna
assunto e objeto de interesse, entra na agenda politica e da comunicação. Assim, espasmos de
hidroconsciência e desalienação ocorrem durante as crises hídricas, usualmente
passageiras. Depois, começa a chover, esquece-se o tema e até a próxima crise, a
consciência fica adormecida.
O cidadão urbano
tornou-se hidroalienado. Ele convive com
partes fragmentadas do ciclo hidrológico. Vê a água que sai da torneira e some no ralo da pia ou do chuveiro; fica preso num engarrafamento de trânsito
quando chove muito e as ruas se alagam; bebe líquidos e os devolve ao ambiente
ao urinar ou suar. Quando dei aulas de gestão ambiental, a maior parte dos
estudantes universitários se admirava
com a novidade ao visitar pela primeira
vez uma estação de tratamento de água e uma estação de tratamento de esgoto.
Eram hidroalienados em relação ao sistema de abastecimento de água urbano. Ademais, são desinformados ou têm noções de
senso comum que não orientam o que se deve fazer cotidianamente para se ter o
ambiente mais limpo. São, por exemplo, frequentes as situações como a da mãe
que orienta o filho: “não jogue lixo no terreiro, porque terreiro não é rio”.
Em sua hidroalienação, ela considera que o rio é um depósito de lixo e imagina que para sua casa,
tudo está bem, pois as águas levam seu
lixo para bem longe dali.
Superar a hidroignorância
e produzir cidadãos hidroconscientes são tarefas que cabem à educação, na
escola e fora dela. Desde a infância importa
tomar consciência da água, ter visão
sobre o seu ciclo integral, educar a percepção, dar oportunidade de vivências. A
educação escolar pode conscientizar
crianças e jovens. Escolas são pontos de convergência da comunidade onde se consome
água. Os professores podem introduzir a
água como tema gerador transversal em cada disciplina. Podem, assim, hidratar a educação, em cada uma de suas
disciplinas. Aqui vão algumas ideias:
·
Ciências
– as relações entre os recursos naturais e o uso múltiplo da água; a água no
corpo humano, dos animais e das plantas; a água no cosmos; água e vida; o saber
popular e o saber técnico e científico.
·
Geografia
– bacias
hidrográficas e o ciclo da água; águas subterrâneas.
·
Educação
Artística - expressão artística em peças teatrais, músicas, teatro, literatura
e letras, dança, cinema, tendo como tema
a água;
·
Português
– a água como tema central de análise de textos de poesia, literatura e em
redações;
·
Matemática
– o trabalho com unidades de peso, de volume, de área, relacionados com o tema
da água; os preços da água.
·
Inglês
– o tema da água e suas manifestações em países de língua inglesa;
·
Educação
Física - os esportes aquáticos, o lazer e a recreação como usos da água;
·
História
– a evolução do problema da água no mundo; as concepções históricas dos povos
indígenas e de outras tradições culturais sobre a água; a idade da água. A
historia da micro bacia hidrográfica onde vivo.
·
Vida
cotidiana e sociedade – a sobra e a falta de água no dia a dia e estratégias
para evitar o desperdício.
Um modo eficaz de
atuar junto a usuários é educá-los pelo bolso. A instalação de hidrometria
individualizada em cada domicílio pode reduzir consumos de água, já que a conta é mais
alta para quem gasta mais.
Uma
das abordagens promissoras é a atuação direta de estudantes, educadores,
comunicadores, especialistas, em microbacias hidrográficas, produzindo consciência
e ação voltadas para a recuperação de cada bacia, tal como a iniciativa no Rio
Carioca.
Nas ações educativas, em casa, na
escola e em outros espaços sociais, é possível enfatizar a percepção e compreensão integral do ciclo da água. A
água se apresenta na natureza em três estados: sólido, líquido e gasoso. Ela
responde a variações de temperatura, transformando-se de um desses estados para
outro. Além das águas superficiais e subterrâneas, uma fase essencial do ciclo
da água é a sua fase atmosférica, meteórica, nas nuvens que carregam umidade no
ar e que formam os rios voadores importantes para o regime de chuvas no Brasil.
Do mesmo modo, na educação sobre a água, deve-se evoluir da
visão sistêmica para a visão orgânica. Num corpo humano, o sistema
circulatório, com suas artérias, veias e capilares, está diretamente
relacionado com outros sistemas – respiratório, digestivo, nervoso central,
urinário etc – que formam o organismo. No ambiente externo, a teoria Gaia de
James Lovelock e Lynn Margulis propõe a visão do planeta como um organismo. O
sistema de gestão de
Balança hidrica num museu indica a quantidade de água no corpo. |
O dilúvio. |
Fatehpur Siokri, Índia, que entrou em colapso por falta d´'água. |
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