quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

A água e a cultura brasileira




É forte a presença da água na cultura brasileira. Ela está presente nas palavras que designam lugares, na música, na poesia, na literatura, no paisagismo, no urbanismo e em cada modo de manifestações artísticas e culturais.
Os povos indígenas, na exuberância tropical, com seus rios caudalosos, inventaram palavras para falarem da água:  Itororó é bica d’água; Pitangui, rio das crianças; Itamaraty, água entre pedras soltas; Igarapé é caminho das canoas; Igapó é a floresta inundada nas cheias; Uberaba, água que brilha. Na cultura popular há crenças de que na água vivem seres sobrenaturais, como o caboclo d’água, o boto tucuxi e as sereias; a iara ou mãe d’água, que recebe oferendas e, em troca, dá pesca abundante.
Ela batiza muitos municípios brasileiros com nomes de água e olho d’água, rio, riacho, ribeirão, igarapé ou arroio, foz, barra, lagoa, brejo, vargem e várzea, mangue e praia, cachoeira, salto ou queda, cacimba, poço e ilha:  Arroio dos Patos, Barra do Piraí, Entre Rios de Minas, Lagoa Dourada, Brejo da Madre de Deus, Foz do Iguaçu, Praia Grande, São Gabriel da Cachoeira, Rio de Janeiro, Belágua, Hidrolândia, Pingo D’Água, Sem-Peixe, Riversul...
Nos dicionários, muitas expressões se referem à água:  Acalmar é por água na fervura e desanimar é receber uma ducha de água fria; Gato escaldado tem medo de água fria; ser um peixe fora d’água é estar fora de seu ambiente; urinar é tirar a água do joelho. Quando uma situação não se resolve, diz-se que muita água ainda vai passar debaixo da ponte. Águas passadas não movem moinho. Fazer água ou ir por água abaixo é afundar, fracassar. Chover canivetes ou cântaros é chover muito. Chover no molhado insistir no mesmo tema. Quem está na chuva, é para se molhar! Fazer uma tempestade em copo d’água é reagir com exagero. - Por que cargas d’água isso foi feito?  Colocar as barbas de molho é preparar-se para o pior.  Querer sombra e água fresca é sonhar ter sossego. 
A vaca foi pro brejo quando a situação não tem mais jeito. Enxugar gelo é trabalhar sem resultados. Dar nó em pingo d’água é fazer o impossível. Ser transparente é ser claro como água. Ser bom até debaixo d’água é ser muito bom. Dar água na boca é despertar o apetite; mudar muito é mudar como da água para o vinho. Cachaça é água-que-passarinho-não-bebe. Alguém que bebeu muito está na maior água.                            
Várias músicas se referem à água: O Hino Nacional Brasileiro se inicia lembrando as margens plácidas de um rio que os índios chamavam de Ipiranga.
Na Aquarela do Brasil, Ary Barroso cantou “as fontes murmurantes, onde eu mato a minha sede, “e onde a lua vem brincar.”
E nas cantigas de crianças: “...fui na fonte do Itororó beber água e não achei...”
Nos carnavais a água foi cantada: “Você pensa que cachaça é água? Cachaça não é água, não. Cachaça vem do alambique, e água vem do ribeirão...”
“As águas vão rolar, garrafa cheia eu não quero ver sobrar...”.
“A água lava, lava, lava tudo, a água só não lava a língua dessa gente!”
“Allah, meu bom Allah! Mande água pra Ioiô Mande água pra Iaiá Allah, meu bom Allah! Allah – la - la – ô, mas que calor!”.
Luiz Gonzaga canta na Asa Branca: “Que braseiro! Que fornalha! nem um pé de plantação! Por falta d’água, perdi meu gado morreu de sede meu alazão!”
Gilberto Gil: “Dá-me um copo d’água, eu tenho sede e essa sede pode me matar.” E “É sempre bom lembrar que um copo vazio está cheio de ar.”
Noel Rosa cantou: “o orvalho vem caindo, vai molhar o meu chapéu...”
JK gostava de serenatas:- “Como pode um peixe vivo viver fora d água fria? “
Tom Jobim cantou as Águas de março. Guilherme Arantes, o planeta água.
 “Lata d’água na cabeça, lá vai Maria” nos lembra do papel da mulher.
A poesia de Manuel Bandeira trata da água:
«E quando estiver cansado
 Deito na beira do rio 
Mando chamar mãe-d’água
Pra me contar as histórias  
Que no tempo de eu menino 
Rosa vinha me contar 
Vou-me embora pra Pasárgada».
 João Cabral indaga, em Morte e vida Severina:  “Seu José, mestre carpina,   que habita este lamaçal,   sabes me dizer se o rio   a esta altura dá vau?   Sabe me dizer se é funda   esta água grossa e carnal?”
 Na Pátria Minha,  Vinicius de Morais escreve: “Mas sei que a minha pátria é a luz, o  sal e a água que elaboram e liquefazem a minha mágoa em longas lágrimas amargas.”
E
João Guimarães Rosa:  “Perto de muita água, tudo é feliz”.
Cidades antigas preservam aquedutos e chafarizes, como patrimônio urbanístico, além das fontes luminosas, espelhos d`água, repuxos. Lagos e lagoas urbanas valorizam o espaço, refrescam e dão conforto ao ambiente construído.
(Parte do texto-base de proposta de livro com Aparecida e Maria Helena Andrés (ilustrações).



Nenhum comentário:

Postar um comentário