Maurício Andrés Ribeiro
Sri Aurobindo inspirou, com sua vida e suas idéias,
tanto a criação de Auroville, como o movimento do Federalismo Mundial, que
dissemina o ideal da unificação política da humanidade.
Nascido em 1872 em Calcutá, Aurobindo passou dos 7
aos 21 anos na Inglaterra, onde tomou contato com a cultura e a ciência
ocidentais. Na primeira década do século XX, participou ativamente dos
movimentos políticos nacionalistas indianos pela independência; foi preso
durante um ano, ocasião em que teve oportunidade de aprofundar sua prática de
ioga. Em 1910, partiu para Pondicherry, na Índia Francesa, onde produziu a
maior parte de sua obra. Ali, passou por experiências espirituais com a ioga e
a superconsciência. Em 15 de agosto de 1947, data de seu aniversário, a Índia
alcançou a Independência; morreu em 1950.
Esses breves dados biográficos não abarcam a
complexidade da vida desse poeta, político, escritor, filósofo, nacionalista,
iogue e visionário, considerado santo e avatar por seus seguidores na
Índia e em todo o mundo.
Em Pondicherry, antiga colônia francesa ao sul da
Índia, na costa de Coromandel, está o núcleo do ashram fundado por Sri
Aurobindo. Ali se localiza o principal centro do World Union, associação
voluntária criada para promover as idéias universalistas de Sri
Aurobindo. A.B. Patel, seu primeiro secretário, fundou universidades na África
e depois se retirou para Pondicherry para dedicar-se ao trabalho de divulgar o
pensamento político e social de Aurobindo.
De sua vasta obra, ressalta o conceito de que a
crise que o mundo atravessa é evolutiva, que estamos em mutação e somos seres
de transição. Segundo Sri Aurobindo, as escalas de organização coletiva
humana vão se ampliando: a família, a nação (que ainda hoje é imperfeitamente
realizada) e, por último, a união mundial, em direção à qual já se desenvolvem
trabalhos pioneiros.
Como Darwin ou Teilhard de Chardin, Aurobindo foi
um evolucionista. Mas, enquanto Darwin era formal e materialista, Aurobindo
postulava que o espírito é o motor da evolução.[1]
Assim, o estudo do passado não necessariamente abre as portas para compreender
o futuro. Sri Aurobindo afirmava que o desenvolvimento das emoções é
condição primordial para a evolução humana consciente.
A espiral da evolução na planta de Auroville |
Criada em 1968, Auroville se situa nas proximidades
da baía de Bengala, a 10 km de Pondicherry, em meio a amplas áreas verdes. Dos
documentos de sua criação consta:
Ela foi concebida e
projetada como a cidade da evolução perpétua, tendo suas raízes no futuro,
estando, assim, sujeita a contínua revolução no pensamento e no comportamento.
Ela não pode pertencer a qualquer raça, nação, religião ou seita específica ou
a qualquer filosofia estabelecida.[2]
Auroville é uma cidade aberta. Propõe-se a ser um
local de paz, harmonia e concórdia, com base na idéia de que a espécie humana
não é o último passo da evolução, que continua. O homem é um ser em transição,
que ainda deverá evoluir física, mental e espiritualmente e pode vir a ser
ultrapassado por nova espécie.
A origem de Auroville remonta a 1955, quando surgiu
a idéia de construir uma cidade internacional voltada para o novo homem da nova
era. Reconhecida em 1966 pela Assembléia
Geral da Unesco como cidade dedicada ao entendimento entre os povos e à paz,
Auroville foi inaugurada com a presença de 5 mil pessoas de todo o mundo.
Na cerimônia de sua fundação, vários países
enviaram, como ato simbólico, um pouco da terra de seu solo, que foi depositada
em um monumento erguido no centro da cidade. Durante a cerimônia, o diretor-geral
da Unesco, Dr. M.S. Adiseshiah, pronunciou as seguintes palavras:
Em nome da Unesco, em
nome de todos vocês presentes e não presentes aqui, eu exalto Auroville, sua
concepção e realização, como uma esperança para todos nós e particularmente
para nossas crianças, para nossa juventude que está desiludida com o mundo que
construímos para ela, e que encontrarão em Auroville um símbolo vivo,
inspirando-se a viver a vida para a qual são chamados.
Considerando Auroville um programa que encarnava os
maiores e mais fundamentais propósitos da Unesco, Adiseshiah acrescentou:
A educação é o domínio
especial da Unesco, que lida com as mentes humanas, com o espírito do homem. A
educação, tal como até hoje praticada, não levou à paz, não levou à harmonia e
ao entendimento. As pessoas que começam as guerras não são os analfabetos ou os
ignorantes na Europa ou na América. O sistema educacional que Auroville terá, e
que está sendo já desenvolvido e aperfeiçoado, é o sistema no qual cada homem,
mulher e criança aprenderá a viver, e viver para aprender, livre e
harmoniosamente em um mundo em evolução assustadora. Os aurovillianos que eu
encontrei são a base de minha esperança. Eles me recordam os astronautas e os
cosmonautas que, como vocês sabem, passam anos treinando-se para as tremendas
tarefas que tem que desempenhar. Os aurovillianos são os cosmonautas e
astronautas desta nova cidade internacional da esperança, do desenvolvimento,
da prosperidade e da caridade.
A Carta de Auroville
afirma que ela pertence à humanidade como um todo: uma cidade planetária para a
criação e a propagação do entendimento e da paz. Outros trechos da Carta dizem:
"Para viver em Auroville, deve-se desejar servir à consciência
perfeita."; "Auroville será o lugar de uma educação sem fim, de progresso
constante, e de uma juventude que nunca envelhece. Auroville quer ser a ponte
entre o passado e o futuro. Incorporando todas as descobertas de fora e de
dentro, Auroville florescerá audaciosamente em direção a realizações
futuras."; "Auroville será o sítio de pesquisa material e espiritual,
para a vivência concreta de uma unidade humana real.".
Nos anos 70, tiveram início os primeiros
assentamentos. Desenvolveu-se um bem-sucedido projeto de reflorestamento, com
um milhão de mudas, para conter a erosão que se agravava com as monções. Foram
construídas casas com estruturas simples, adequadas tanto para o calor do
verão, como para a estação chuvosa das monções. Foram implantados e
experimentados sistemas de energia alternativa – energia solar e biogás.
A planta urbanística foi planejada por uma equipe
internacional.[3] Em
forma de espiral, simboliza a evolução humana e prevê capacidade para abrigar
50 mil pessoas voltadas para a pesquisa e a experimentação, em educação
permanente.
O Matrimandir em 1978 |
O Matrimandir em 2015 |
No centro da espiral está uma grande esfera de
concreto, construída pelos próprios aurovillianos: o Matrimandir, templo considerado
a alma, a “força coesiva de Auroville", "o símbolo vivo da aspiração
de Auroville para o Divino".[4]
No centro do Matrimandir, há uma câmara com doze paredes de mármore branco,
utilizada para meditação. O detalhe arquitetônico mais importante fica no meio
da câmara: um globo de cristal de 70 cm de diâmetro, feito pela Zeiss, na
Alemanha.
O pavilhão da Índia abriga uma maquete do projeto
de Auroville, uma biblioteca, uma loja e um centro de cultura indiana. Na
cidade há também escolas de crianças que procuram proporcionar um novo tipo de
educação, baseada nos ensinamentos de Sri Aurobindo.
Hoje, vivem e trabalham em Auroville pessoas de
dezenas de países. Esse fluxo migratório suscitou inicialmente problemas de
integração com a população que vivia no local e nas proximidades. A chegada de
forasteiros com valores culturais diferentes transformou o contexto social.
Entretanto, com o passar do tempo, a situação foi se harmonizando, e os
habitantes das aldeias vizinhas passaram a se inserir no projeto de variadas
formas: alguns começaram a trabalhar nos setores de reflorestamento, artesanato
e na produção de alimentos; outros vieram estudar nas escolas e centros de
treinamento.
Auroville contou com recursos do governo da Índia,
doações de indivíduos e de organizações internacionais para sua fundação e
manutenção. Mas espera alcançar a auto-suficiência por meio da produção de
alimentos (já consegue suprir 10% das necessidades locais; o restante vem de
Pondicherry e é distribuído pela cooperativa Pour Tous), de artigos como
incenso, perfume e de trabalhos artesanais, como serigrafia em seda e outros
tecidos. Alguns produtos são exportados.
O governo indiano participa da fundação que
administra o projeto Auroville. Os recursos que o governo doa são utilizados em
pesquisas: criação de protótipos para digestores de biogás, novas aplicações
para o ferrocimento, como produção de portas, telhas e caixas d'água, entre
outras.
Auroville é, assim, uma "cidade
experimental", "um laboratório da consciência, um lugar onde se
tentam novas maneiras de os homens viverem em comunidade"[5].
E ajuda a preparar a humanidade para os passos seguintes de sua evolução.
[1]
Na mesma linha há uma ampla gama de estudos. Cf. SMITH, L. Intelligence came first.
[3]
A abertura para o trabalho de urbanistas estrangeiros teve impulso com o
projeto de Chandigarh, por Le Corbusier, e o projeto de Auroville; na
arquitetura, com a obra de Louis Kahn, no Instituto de Administração de Ahmadabad.
Entre os arquitetos e urbanistas indianos, destaca-se Charles Correa, cujo
projeto mais conhecido é o de New Bombay, uma cidade nova nas cercanias de
Mumbai.
[i]
Texto integrante do livro Tesouros da India para a civilização sustentável,
Santa Rosa Bureau Cultural
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