Prezado Professor Sachs,
Durante mais de 65 anos trabalhaste
para a cooperação Brasil-Índia. Em uma entrevista, impressionado com a
independência da Índia em 1947, perguntavas: “Como um país colonizado consegue se
livrar da dominação do maior império colonial do mundo quase sem derramamento
de sangue? A mensagem é absolutamente extraordinária.”(1) Gandhi enfatizava
a importância da autolimitação das necessidades e foi para ti uma referência no
tema do desenvolvimento: “Gandhi para mim era e continua a ser o precursor das
boas teorias de desenvolvimento, pela maneira como considerava a massa
camponesa como o ator central do processo de desenvolvimento.” Também foste
inspirado pelo prêmio Nobel de Economia Amartya Sen: “Foi a leitura de
Amartya Sen que me levou a propor a reconceitualização do desenvolvimento em
termos de universalização efetiva do conjunto das chamadas três gerações de
direitos: os direitos políticos, civis e cívicos (a democracia como pedra
angular, foundational value, diz Sen); os direitos econômicos, sociais e
culturais, incluindo o direito ao trabalho decente; e por último os direitos
coletivos do desenvolvimento, ao meio ambiente, à infância”.(2)
Nos anos 50, enquanto fazias o doutorado em Delhi, vivenciaste o forte
prestígio internacional daquele país, que demonstrava grande confiança em si
próprio e que recebia chefes de estado e cientistas sociais de fama mundial.
Também são presentes em teus textos a admiração pela Índia, descrita como terra
de inspiração e laboratório do desenvolvimento. Neles, expressas sua dívida
intelectual para com os indianos e nomeias aqueles de quem recebeste estímulos:
os economistas K.N. Raj, ex-reitor da universidade de Delhi; Sukihomoy
Chakravarti; Deepak Nayar, reitor da universidade de Delhi; Amartya Sen. Além
deles, relembras a importância dos contatos com outros cientistas, tais como o
politólogo Rajni Kothari; o historiador da ciência Rahman; Ashok Parthasarathi;
Amulya K.N.Reddy; M.S. Swaminathan; Anil Agarwal; o ecologista Gadgil e o
historiador Guha.
Ao acreditar na importância da cooperação entre países tropicais, que
podem construir civilizações modernas da biomassa, enfatizas a necessidade de
abre-alas para esse desenvolvimento e propões que o Brasil e a Índia assumam
tal posição. Reforçastes a importância de nos aproximarmos dos indianos através
de rede de cooperação técnica por biomas. Ao postular a reforma da ONU,
enxergas as possibilidades da liderança colaborativa desses dois países no
aprimoramento das instituições internacionais, oxigenando o ambiente e fazendo
circular ideias novas, originárias do pensamento do sul.
Hoje continuam precários os laços culturais e de comunicação entre esses
países. Para transpor esse abismo propões estabelecer um centro de pesquisa
sobre o Brasil contemporâneo em uma universidade indiana e um centro de
pesquisa sobre a Índia contemporânea em uma universidade brasileira e
intercambiar estudiosos e bolsistas, criando massa crítica de pessoas que
lancem pontes de cooperação. Seria uma estratégia para, em poucos anos, formar
um conjunto de jovens com melhor conhecimento mútuo.
Prezado Professor Sachs,
A Índia é uma terra fértil para se estudar e compreender a evolução
humana e o papel que a nossa espécie
desempenha nessa atual crise da evolução. O conhecimento aprofundado sobre
psicologia e sobre a natureza do ser humano encontrado em filosofias indianas
ajuda a lidar com esse grande ator da crise atual. No campo da ecologia do ser,
dos estudos da consciência e da educação integral, a civilização indiana é
guardiã de riquezas valiosas para a autosuperação humana.
A cosmovisão indiana propõe que cada um de nós nessa vida tem seu dharma, sua
missão ou tarefa a cumprir. Trabalhar pela aproximação Índia-Brasil tornou-se
parte de meu dharma, que exerço com
alegria. Agradeço à Índia pela inspiração que me proporcionou.
Nos idos de 1977, quando pus os pés na Índia pela primeira vez, sabia
que percorria caminhos que trilharas, pioneiramente, nos anos 50. Sou grato
pelas orientações e pelas valiosas referências que me ofereceste desde então.
Sinto-me em ótima companhia filosófica e intelectual, que me estimula a
prosseguir no caminho das Índias.
Cordialmente, aqui me despeço com um grande abraço,
Maurício
[1] Estudos avançados vol.18 no. 52 São Paulo Dec. 2004. Experiências internacionais de um cientista inquieto. Entrevista com Ignacy Sachs
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