Maurício Andrés Ribeiro
Desejo: dar um grande abraço no planeta. |
O consumismo exaure nossa mãe Terra. |
A promoção do consumo tem fortes aspectos
subjetivos. A propaganda para o consumo explora os aspectos
psicológicos de satisfação, segurança, sobrevivência, conforto e manipula os
instintos básicos. Necessidades, expectativas, esperanças e aspirações
subjetivas influenciam e formam as demandas de consumo e de produção. Edgar
Morin observa que a economia carrega em si necessidades, desejos, e paixões
humanas que ultrapassam os meros interesses econômicos. A
economia é movida por desejos ou medos próprios ou induzidos de fora para
dentro. O desejo pode ser por um bem material ou de consumo, ou pode ser o
desejo por algo intangível e imaterial, como de exemplo, a felicidade. Os
desejos de consumo induzidos pela propaganda são manipulados subliminarmente. O filme
Consumo de crianças: a comercialização da infância, mostra como as crianças
influenciam as decisões de consumo dos pais e como os marqueteiros manipulam comercialmente
o desejo e a consciência infantil. A publicidade pode interferir com a evolução
da sociedade, condicionada mental e culturalmente. A propaganda influencia na saúde como mostra o
filme Muito além
do peso, sobre o consumismo nos alimentos e os problemas de saúde
decorrentes. A publicidade
manipula comercialmente as consciências e utiliza dos conhecimentos da
neurociência. Assim, exemplificando, os sentimentos de medo e de pânico,
referentes a perigos imaginários ou reais, insuflam a produção e o consumo de
armas; o desejo de alterar estados de consciência expande o mercado de drogas;
a loucura por velocidade infla a indústria de automóveis; o anseio pela beleza
alimenta o mercado da moda e dos cosméticos, bem como o das cirurgias
plásticas.
No Brasil, o Conar- Conselho de
autorregulamentação da publicidade - pretende regular a propaganda. Os
congressistas têm o poder e a atribuição de elaborarem leis que regulem ou
coíbam a propaganda abusiva. Mas diante da força das
indústrias anunciantes, associadas às empresas de propaganda, que remuneram a
publicidade na TV, tal controle da publicidade contraria lobbies poderosos no
Congresso. Na Suécia, Noruega, Irlanda, Itália,
Dinamarca e Bélgica já há algum tempo é proibida a publicidade direcionada
para crianças.
Em março
de 2012 surgiu no Brasil o Movimento por
uma infância livre de consumismo, voltado para evitar que as
consciências das crianças sejam intoxicadas com informações pro consumismo. Esse é
um movimento de mães, pais e cidadãos inconformados
com a publicidade dirigida às crianças, que considera que a regulamentação
feita pelo próprio setor atende aos interesses empresariais e não está
preocupada com a saúde e o bem-estar das crianças. Acredita que o Estado deve
intervir na questão e que não se podem responsabilizar somente os pais e as
mães por um problema que afeta e compete a toda a sociedade.
O consumo é movido por impulsos e por motivações psicológicas que,
quando predatórias, destroem o equilíbrio ecológico. Os desejos de
consumo trazem impactos diretos sobre a ecologia ambiental, ao pressionarem a
exploração da natureza. A tentativa de satisfação acrítica de desejos e
demandas de consumo devasta a Terra e exaure bens e recursos naturais. Os
desejos de natureza econômica e material têm impactos diretos sobre a demanda
por recursos naturais ou sobre a emissão de poluições. Nos idos de 1989, o Simpósio
sobre a sobrevivência do Brasil e do planeta, presidido por José Lutzenberger
na UNIPAZ-DF, já afirmava que “O desequilíbrio interno dos homens é, em última
instância, o responsável pelo desequilíbrio ecológico externo, para além dos
fatores ligados à sociedade, à cultura, à industrialização e ao
desenvolvimento”. Parafraseando o preâmbulo do ato constitutivo da UNESCO: Se o desejo de consumo nasce nos espíritos
dos seres humanos, é no espírito humano que podem se encontrar respostas
efetivas para lidar com o consumismo.
Uma parte do consumo deriva de necessidades biológicas, como saciar a
fome. Consome-se
a partir de demandas do corpo, da mente, das emoções. Os animais sobrevivem com
o que lhes dá o sustento físico e corporal. Já nas pessoas humanas, é pequena a
parcela do consumo que corresponde ao atendimento a necessidades físicas; a
maior parte das demandas do consumo é mental ou emocional, atende a motivações
simbólicas, de status, e não a necessidades físicas e corporais. O corpo humano
precisa de pouco para sobreviver fisicamente. Assim, quando se alimenta mais do
que o necessário, adoece e precisa tratar-se, fazer exercícios para eliminar a
gordura excessiva, o sobrepeso, a obesidade e evitar doenças cardiovasculares.
Desejos são construídos social, cultural e
coletivamente. A sociedade e a cultura, com seus valores, os regulam. O consumo
está ligado a aspectos psicológicos, tais como a insegurança, baixa autoestima,
necessidade de autoafirmação. O consumidor de bens posicionais, na definição de
Eduardo Giannetti da Fonseca, tem a sensação de ser diferente, melhor, mais
feliz e mais bem aquinhoado que os demais; a sensação de ser invejado
socialmente por sua opulência. Ele cita Petrônio: “Só me interessam os bens que
despertem no populacho a inveja de mim por possuí-los.” O poder de ter o mais
caro e exclusivo confere status e privilégio, aumenta a autoestima e reduz a
insegurança, num processo de narcisismo e exibicionismo.
O manejo sustentável dos desejos pode ser
feito de dentro para fora, do indivíduo para a sociedade, por meio de práticas
de autoanálise, autoconhecimento e expansão da consciência, de ioga, reflexão
ou meditação. Expandir a tolerância a
viver no vazio dos desejos e trabalhar para naturalmente dissolvê-los e
deixá-los passar pode abrir um campo vasto para sentimentos e pensamentos
criativos e originais, bem como para a ação ecologizada. Desejos são variáveis
sobre as quais se pode trabalhar. Podem ser lapidados e refinados por meio da
consciência. Desejos são sementes das quais brotam ações. Em seu livro A neurose do paraíso perdido, Pierre Weil apontou que estresse, doença e sofrimento
do corpo resultam do apego ao que dá prazer e que o medo da perda provoca
emoções, como o ciúme, o orgulho, a inveja e a raiva. Ele considerava necessário esclarecer sobre a
origem da possessividade em relação ao que proporciona prazer e não permitir
que essa possessividade, que está na raiz do consumismo e da exploração em
excesso do homem e da natureza, acabe por destruir a saúde do planeta.
Restabelecer a ecologia da mente é, portanto, indispensável e urgente para se
reequilibrar a ecologia exterior. A crise ecológica tem origem na ecologia interior
e pessoal. A autotransformação individual envolve mudança de comportamento e de
atitude e pode influenciar na autotransformação coletiva.
Nossos cérebros estão estressados pela
overdose de estímulos bombardeada pela propaganda. Ansiedade e preocupação
dificultam que se focalize a mente no longo prazo, e fazem com que se priorize
o imediato, como ocorre com quem precisa lutar para sobreviver no dia a dia. Para desestressar, pode ser valioso
exercitar a meditação, a contemplação, técnicas que harmonizam e tranquilizam a
mente, e que permitem entrar em estados de consciência menos perturbados e
dispersos, mais lúcidos, com maior alcance no tempo. Abordagens e métodos de
observação da realidade de autoconhecimento e de reflexão, de controle da
mente, são de grande valor para a expansão da consciência. No campo psíquico,
emocional ou mental, tais práticas e exercícios permitem expandir os limites
humanos. Entre elas, as práticas de desenvolvimento da atenção e presença no
agora, de criatividade por meio das artes e ciências, de meditação, algumas
delas desenvolvidas por antigas tradições. A capacidade de concentrar a mente
no essencial expande e aprofunda a consciência. A espiral do consumo compulsivo
e inconsciente (a corrida armamentista do consumo) pode ser desmontada por meio
de reequilíbrio mental e emocional, por processos de autoconhecimento e autorreflexão.
A concentração é um método de condicionar a mente, concentrar a energia difusa
e despertar poderes latentes.
A necessidade, a demanda, a crença e o
desejo podem ser ecologizados e induzir atitudes e comportamentos ecológicos. A
meditação e a contemplação, práticas de concentração e atenção que levem ao
autoconhecimento são valiosas, para que aquele que consome compreenda o seu ser
e suas motivações e desejos. A combinação dessas abordagens de aprendizagem por
meio de vivências, do conhecimento sociocultural, de incentivos econômicos, do
controle social pode expandir a consciência ecológica e induzir mudanças de
comportamentos individuais e coletivos.
(*) Mauricio Andrés Ribeiro - Autor de Meio Ambiente & Evolução
Humana
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