sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Ciclo de leitura sobre Sri Aurobindo - I - A Evolução



Maurício Andrés Ribeiro

Participei do ciclo de leitura sobre Sri Aurobindo[1], realizado em 2018 no Centro de Referência em Educação Integral e Ambiental em Brasília. Foi enriquecedor ouvir e refletir coletivamente os textos selecionados a partir de sua extensa obra de 30  volumes.
Os trinta  volumes da obra completa de Sri Aurobindo.

Éramos cerca de dez pessoas e cada uma lia um trecho.  A leitura pausada, lenta, refletida, ajuda a absorver os significados de modo mais pleno. Os textos por vezes são de difícil leitura, com frases longas e ideias condensadas. As leituras eram entremeadas com a palavra livre para comentários e interpretações, divagações e reflexões. A percepção dos outros joga luz sobre aspectos que para cada um de nós individualmente haviam passado despercebidos. Acontecem sinergias, estímulos cruzados e compreendemos várias ideias. O exercício exigiu capacidade de escuta, paciência e espírito de diálogo.  

Sri Aurobindo era um visionário. Enxergava longe e inventava conceitos e palavras que dessem nome a realidades ainda não nomeadas.

Nas leituras,  situávamos o contexto em que os textos foram escritos: alguns, há várias décadas, outros há mais de um século. Como os clássicos, permanecem atuais na realidade contemporânea. 

Sempre li Aurobindo a partir de meu interesse pela ecologia e pela evolução. Sua mega visão da evolução, simultaneamente combinada com uma valorização do mundo interior, da alma, do espirito, da subjetividade aproximam o micro e o macro, o interior e o exterior.  “A evolução é uma lenta transformação da energia em consciência”, escreveu Sri Aurobindo. Ele descreve a evolução da matéria para a  vida e para a consciência. O ser humano ainda está em sua infância e tem um longo caminho a percorrer.

O Ocidente enfatizou uma visão negativa do homem como lobo do homem, marcado pelo pecado original, pela ambição insaciável.  Esse ser em sua infância é como um anjo que se estraga em sua vida social. No Oriente há visões distintas, enfatizando o Deus que se encontra dentro de nós e que precisa emergir e aparecer. O cumprimento indiano Namasté significa isso: “O Deus dentro de mim saúde o Deus que existe em você.”
Para onde a evolução leva a espécie humana?
 

Evolucionista, Sri Aurobindo inseriu a história humana com seus alguns milhares de anos, na história natural, com ciclos de milhões e bilhões de anos. Muito antes de Yuval Harari fazer isso em Sapiens e em Homo Deus,  isso já estava presente em A Vida Divina, no O Ciclo Humano, em O ideal da unidade humana. Sua visão do tempo é alongada. Ele frequentemente usou a expressão no momento atual, que não trata necessariamente do preciso segundo em que o texto foi escrito, ou do momento em que ele está sendo lido, mas do momento na história humana inserida na história natural em que vivemos. Trata-se de um momento estendido no tempo pois, na história natural, um século pode ser um momento.  Ele  escreve:  “No momento atual a humanidade atravessa uma crise evolutiva em que se esconde a escolha de seu destino; pois foi alcançado um estágio em que a mente humana obteve um desenvolvimento enorme em certas direções, enquanto em outras está paralisada e desorientada e não consegue mais achar seu caminho.” Os textos clássicos têm a qualidade de permanecerem atuais muitos anos depois de terem sido escritos. O distanciamento, o tratamento da humanidade como espécie em evolução, a visão de um astronauta, à distância  e do alto, torna os textos valiosos para o mundo atual.

Sri Aurobindo nos percebeu como seres em transição que têm em si uma centelha divina, capazes de contribuir para construir  e  acelerar a evolução. Uma força universal conduz a história humana, diz Sri Aurobindo, cuja perspectiva sobre a evolução parte do poder do espírito em moldar a matéria. O ser humano é visto com um ser com infinitas possibilidades e potencialidades; para desenvolvê-las precisa trabalhar sobre seu próprio corpo, suas células físicas, para serem capazes de receber a energia que vem do universo e da Natureza.

Se o ser humano é um ser em transição sujeito a uma mutação de consciência, cultural e de comportamento, como propõe Sri Aurobindo, ele transita em direção a que? Qual será a modalidade de ser que o sucederá?  Quais as principais características desse ser emergente que dá seus primeiros passos?



[1] Sri Aurobindo é autor de extensa obra publicada em trinta volumes pelo Sri Aurobindo Ashram Trust, Pondicherry, Índia.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

Lidando com o cipoal normativo


Cipoal de normas cria custos para os  regulados.
 

Maurício Andrés Ribeiro
 
Quando fui Secretário Municipal de Meio Ambiente havia contradições nas regras em relação ao lixo.  Quando não havia coleta regular num local, o código sanitário da cidade recomendava queimar o lixo, visando evitar a proliferação de vetores de doenças – ratos, escorpiões, baratas etc.; já a legislação ambiental urbana, visando reduzir a poluição do ar, proibia a queima de lixo ao ar livre. Havia ainda o regulamento de limpeza urbana, com dispositivo diferente em relação ao mesmo tema. Qualquer que fosse o destino dado ao lixo de sua casa, o morador infringia uma das normas e podia ser fiscalizado e punido por isso.
Normas urbanísticas e ambientais frequentemente são concebidas e editadas a partir de visões e abordagens setoriais, sem um enfoque integrador. Há muitas situações em que especialistas formulam normas, acriticamente  e fiscais as aplicam  cegamente, insensíveis para os custos para os regulados. Instruções normativas de órgãos ambientais, quando são elaboradas por servidores e administradores sem passar pelo crivo social mais amplo de colegiados para serem discutidas e melhor formuladas, tornam-se frequentemente inadequadas e passam a ser entraves para as atividades.
Nos diversos níveis de governos, multiplicam-se normas – instruções normativas, resoluções, portarias, decretos, leis etc. – que criam dificuldades para os cidadãos, tornam-se oportunidades para a fiscalização arbitrária e para se praticar a corrupção. Esse labirinto de normas cria confusão, dificuldades e embaraços. Além disso, cria  entre os regulados ou fiscalizados um clima de exasperação propício para que vicejem propostas que jogam fora a criança com a água do banho, de revogação geral e irrestrita de leis e normas ambientais.
Diante da proliferação de normas o cidadão se sente perdido. Há fiscais que multam e penalizam, e assim aumentam a arrecadação do estado. Mas, em geral, não há um correspondente trabalho de comunicação prévio sobre as normas, de prazos para sua implantação, de assistência técnica aos cidadãos.
Fazer uma regra é fácil, mas cada norma editada gera custos para o regulado. Esse custo é pouco medido e pouco discutido quando se redige a norma.
Quando o regulado reclama e protesta pode ser tarde e ele nem sempre é ouvido pela burocracia do estado. Por isso é necessário avaliar se ela é realmente necessária. Em muitos casos, o melhor pode ser não a editar.
Dada a quantidade e diversidade de regras de vários tipos, é enorme o risco de um leigo  ficar rapidamente desatualizado. Não familiarizado com o diário oficial ou com os veículos em que são publicadas, precisa recorrer a quem lida com elas no dia a dia e está atualizado. Daí decorre o poder dos burocratas e despachantes que conhecem detalhadamente as normas e sabem como se mover entre elas. O poder da burocracia repousa sobre o seu domínio e conhecimento dos regulamentos e normas.
Diante de sua multiplicidade torna-se necessário revogar normas, regras e leis obsoletas; eliminar contradições, como, por  exemplo, no caso  do lixo, códigos sanitários x de limpeza urbana x urbanísticos x ambientais; desemaranhar a teia regulatória e definir com clareza o âmbito adequado da regulação. Se ela deve ser municipal, regional, estadual, nacional, ou supranacional, aplicando o princípio  da subsidiariedade e evitando a superposição de âmbitos que aplicam as normas.
É preciso desemaranhar a teia regulatória.
Periodicamente o tema da teia legal  e regulatória vem à tona e tomam-se iniciativas para lidar com ele, a exemplo do Ministério da Desburocratização que existiu no Brasil entre 1979 e 1986. Ele procurou diminuir o impacto da burocracia na economia e na sociedade intuindo que o cipoal regulatório tem um efeito não calculado ou compreendido de travar e  reduzir o nível potencial de crescimento econômico, resultando na redução futura da riqueza social.  Um dos aspectos mais debatidos desse problema é o cipoal tributário, mas ele é apenas uma parte do cipoal maior regulatório cujos custos são altos e não ainda medidos.
A melhoria da qualidade regulatória é uma necessidade para desburocratizar e reduzir custos. O ciclo regulatório inteiro envolve desde a concepção, a edição, a vigência, até a revogação de uma regra ou norma.
Melhorar a qualidade regulatória implica em revisar o estoque ou acervo de regras existente, avalia-las criticamente e  revogar aquelas obsoletas. Precisa ser removido o entulho burocrático, um passivo de normas ultrapassadas e contraditórias. Um revogaço pode desatar o nó cego do cipoal normativo. Num trabalho paciente e caso a caso pode-se desemaranhar o novelo e proporcionar melhor qualidade regulatória de modo a produzir o bem comum.
Melhorar a capacidade de formulação de novas normas por meio de processos participativos e coletivos pode ser uma boa prática para aprimorar a qualidade das normas pois assim pode-se incorporar a inteligência de muitas pessoas. Sua elaboração e aprovação por órgãos colegiados – conselhos, assembleias, câmaras - a partir de consultas públicas,  parte do ângulo de visão de vários atores e reduz os riscos de serem mal formuladas. Pode ser valioso um período de teste probatório em que diretrizes novas sejam debatidas amplamente antes de se tornarem leis ou normas, por meio de audiências públicas. No campo da regulação das águas, pratica-se a consulta pública para edição de normativos, construção de conhecimento, planos, marcos regulatórios, alocação de água.
A qualidade das normas reflete o estágio  de conhecimento e consciência sobre o tema que existe entre quem a formulou; reflete também o poder de lobbies, que influenciam a produção de leis e resoluções em seu próprio benefício, ao  atuar junto aos legisladores e aos membros de colegiados que elaboram as normas, ou influenciam as autoridades individuais que tem poder de editá-las. Entretanto, mesmo tais colegiados estão sujeitos a lobbies e a serem capturados pelos interesses dos atores que tenham maior poder político, econômico ou de conhecimento, produzindo normas enviesadas a favor de um ou de outro ator particular e que se afastam do interesse público.  
 

terça-feira, 27 de novembro de 2018

ECOLOGIA CÓSMICA E ECOLOGIA ESPIRITUAL





A dimensão cósmica da ecologia.




Maurício Andrés Ribeiro
A ecologia cósmica estuda as inter-relações dos seres vivos entre si e com o meio ambiente cósmico. Ela considera as influências da cosmosfera sobre o planeta Terra e  ajuda a desenvolver a ciência e a tecnologia para proteger a vida contra riscos e ameaças com origem no cosmos.
Catástrofes provocadas por colisões com corpos celestes foram eventos que modificaram o curso da evolução na Terra, com o colapso de formas de vida que não resistiram às mudanças ambientais então provocadas. O fim dos dinossauros pode ter sido causado pelo choque de um corpo celeste que provocou alterações climáticas e inviabilizou a alimentação e o habitat para aqueles grandes animais.
Influências sensíveis dos astros sobre a Terra incluem  a do Sol cuja luz e calor são essenciais para a vida e a influência da lua sobre as marés, os ciclos menstruais, os líquidos existentes nos corpos vivos humanos, animais  e vegetais.
A lua e os cometas influem sobre os líquidos da Terra.
Corpos celestes mais distantes também influem sobre a Terra. Assim, os cometas aspergem gelo por onde passam e terão dado origem à vida, conforme a hipótese da panspermia, desenvolvida pelos astrônomos. Os cometas seriam espermatozoides cósmicos, como o elemento masculino, portador da água essencial à vida; Gaia é a mãe Terra, o óvulo fértil, o feminino, que nutre a vida.
A cosmosfera protege a Terra de raios cósmicos.
A cosmosfera protege a Terra dos raios cósmicos e há várias outras influências  claramente perceptíveis ou mais sutis sobre a vida e a evolução na terra, parte do sistema solar, de uma galáxia, a Via Láctea e de um universo mais amplo.

As concepções científicas sobre a origem do universo evoluíram muito desde que, com a ajuda de sua luneta, Galileu mostrou uma nova cosmovisão. Os recentes avanços da astrofísica e a melhor compreensão do universo, alcançados com o uso de instrumentos e tecnologias tais como os radiotelescópios, expandiram o entendimento das influências da cosmosfera sobre a vida na Terra.
Radiotelescópios no deserto de Atacama, no Chile.
Desde a antiguidade, tanto as civilizações e culturas humanas quanto as várias tradições espirituais procuraram explicar a evolução, criação do universo e o surgimento da vida.
A dimensão cósmica da ecologia ajuda a criar uma visão espiritualizada de nossa relação com o cosmos e suas leis, já que os processos da evolução são caórdicos, ou seja, oscilam como um pêndulo entre o caos e a ordem.
Na escala da megaecologia cósmica, precisa ser atualizado o lema “Pensar globalmente, agir localmente”, adotado pelo movimento ambientalista na década de 1970. O globo que habitamos é o planeta e precisamos passar a “Pensar cosmicamente e agir local e globalmente”.
Na perspectiva da ecologia integral a Teoria de Gaia, concebida por James Lovelock e Lynn Margulis, considera a Terra como um ser vivo, sendo a espécie humana o sistema nervoso e seu cérebro.
A ecologia cósmica expande a escala de tempo e de espaço e assim o fazendo, ela se aproxima de visões de mundo de antigas tradições espirituais, ajuda a resgatar a dimensão ética e ressacralizar a natureza e  a valorizar campo da ecologia espiritual.
Os astrofísicos desenvolveram a hipótese do big-bang, pela qual há bilhões de anos o universo teve início com uma grande explosão. O universo seria um sistema em evolução e em constante mudança, que pode estar se expandindo.
Outras cosmovisões vislumbram a Terra, diminuta, como um grão de areia nas margens de um mar infinito (Blavastky). O big bang corresponderia, na mitologia hindu, a um momento do respirar de Brahma ocorrido há quatro bilhões de anos.  Nessa cosmovisão, Brahman, o espirito universal se conecta com Atman, a alma de cada ser vivo. As cosmovisões dos indígenas americanos, incas e maias, também incorporam essa dimensão cósmica e espiritual e a importância do ser estar ligado, conectado ao cosmos. A dimensão cósmica abre a sensibilidade para a transcendência.
A ecologia cósmica induz à ecologia espiritual
Nesse contexto, a eco ação, voltada para o bem-estar de cada um e de todos os seres vivos,  ocupa o lugar da ego-ação, voltada para satisfação egocentrada de desejos e compulsões, produtos de uma ecologia interna desequilibrada.
E para além da eco ação está seva, o serviço aos  outros por compaixão e cuidado, que leva ao ganho e benefício coletivo, desinteressado dos ganhos para o individuo que a pratica. 



Do ego ao eco e deste ao seva: da ação egoísta ao serviço desinteressado de ganhos individuais.Ver Martin Brown  e Daniel Wahl.
Num mundo  em que se multiplicam os idosos e outros seres vulneráveis necessitados de cuidados não faltam oportunidades para se praticar seva. Trata-se de um caminho que pode desenvolver a espiritualidade.

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Amizade, política e redes sociais

Maurício Andrés Ribeiro
 
Conta-se que um pesquisador propôs uma competição a crianças famintas de uma tribo africana. Colocou uma cesta com frutas a 20 metros delas e disse: "Quem chegar primeiro, fica com o cesto todo”. Mas quando deu o sinal de partida, as crianças deram as mãos e correram juntas para o cesto. Sentaram-se e, em conjunto, degustaram todas as frutas. Quando o pesquisador lhes perguntou por que fizeram isso, elas responderam:
"Ubuntu - como pode um de nós ser feliz quando todos os outros estão tristes?” Ubuntu significa para elas "Eu sou porque nós somos”.

Numa cultura comunitária, a ação coletiva busca o bem comum e a cooperação para não deixar ninguém para trás. Numa cultura competitiva busca-se benefícios individuais e particularistas e usa-se o poder político para privilegiar os amigos: “A esfera da política coincide com a da relação amigo-inimigo” e em situações de antagonismos, defende-se os amigos e combatem-se os inimigos: “Enquanto houver política, ela dividirá a coletividade em amigos e inimigos.” (Bobbio, Matteuci e Pasquino (1986, p. 959), no Dicionário de política.). Outra expressão corrente na política, que a divide entre os amigos e os outros diz “Para os amigos, tudo; para os inimigos, a lei.” Aí se expressa a prática política de aproveitar-se da condição de amigo do rei para obter benefícios para si, sacrificando o interesse público em função de interesses particularistas.

Redefinir a amizade é redefinir a política.

Pode-se expandir a abrangência da amizade e outros membros da comunidade da vida. Defendendo hábitos de consumo ecologicamente amigáveis e de alta economia energética, George Bernard Shaw justificava seu vegetarianismo dizendo que “Os animais são meus amigos; e eu não como meus amigos.” Defendia a amizade pelas espécies da biodiversidade e não apenas pelo círculo das amizades humanas. No Brasil, expressão popular trata pejorativamente da amizade com os animais, como no caso da expressão “amigo da onça”.  Mas há muitos casos em que os afetos humanos se dirigem para animais domésticos, gatos e cães, os melhores amigos do homem. Tradições espirituais, como a de São Francisco de Assis, estendem sua amizade aos animais.

As redes sociais que se formam a partir da internet são uma tecnologia de relacionamento que altera o significado da amizade e do que é ser amigo. O conjunto de meus amigos no Facebook inclui desde pessoas com quem tenho relacionamento próximo - esposa, filhos, mãe, irmãos - até familiares, antigos colegas de escola reencontrados virtualmente, ex-empregadas domésticas conectadas na rede social, antigos professores que moram em outro lado do mundo, colegas de trabalho antigos e atuais. Meus amigos virtuais compõem um conjunto de milhares de pessoas, muitas das quais não conheço pessoalmente, mas de quem recebo mensagens, a quem envio aquilo que penso e que me motiva, com quem comento impressões sobre assuntos variados, com quem compartilho informações.

A tecnologia das redes sociais facilita que esse conjunto de pessoas saiba a data de meu aniversário e me cumprimente, à distância, sem contato verbal ou pessoal. No dia de meu aniversário recebo delas dezenas de mensagens com desejos de felicidade e saúde e retribuo os bons votos. Eu também as cumprimento e lhes dou parabéns pelas suas datas e feitos, demonstro solidariedade quando sofrem alguma perda, curto as mensagens que me sensibilizam. Lanço mensagens como as garrafas que um náufrago lança ao mar, para que sejam compartilhadas, espalhadas, curtidas, comentadas, dando-me a sensação de que não estou sozinho.

A rede aproxima pessoas física e socialmente distantes e que não teriam muita oportunidade de conversar entre si. Ha ainda um processo de difusão de conhecimentos e de informações, de nivelamento cultural. Tudo isso é parte da nova ecologia e tecnologia dos relacionamentos humanos.  Atualmente acontecem conflitos e desentendimentos nas redes sociais entre antigos amigos ao exporem suas ideias políticas ideológicas, religiosas sem tato ou discrição.  Muitas pessoas optam por se desconectar, se isolar do ambiente toxico e agressivo que se forma virtualmente. O relacionamento promiscuo gera tensões e conflitos, rupturas de relações, inimizades. Aprender a se relacionar de modo respeitoso nas redes sociais é um aprendizado útil no mundo atual.

Os Brahma Kumaris, praticantes da raja ioga definem que “É nos nossos relacionamentos que podemos realmente conhecer a nós mesmos. Somos um espelho para o outro. O que damos aos outros através de nossos pensamentos, sentimentos e atitudes é o que damos a nós mesmos. Nossos relacionamentos são o aprendizado real, a sala de aula, o laboratório da vida. Relacionamento não é simplesmente estar junto com os outros. Relacionamento é compreensão, construção, nutrição e carinho. Cada interação traz uma lição.”

Oxalá possamos cultivar amizades físicas e pessoais, além de regular nossos relacionamentos virtuais apreendendo a conviver harmonicamente com antigos e novos amigos.

 

 

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Ecologizar a saúde



Maurício Andrés Ribeiro (*)

São muitos os exemplos de como a falta de saúde ambiental impacta na saúde pública e na saúde dos indivíduos:
  • a alimentação contaminada com agrotóxicos faz os cidadãos adoecerem e pressionarem os hospitais e postos de saúde;
os pesticidas usados para combater pragas contaminam os alimentos, podendo provocar o câncer e poluir os lençóis subterrâneos de água usada para abastecimento humano. As crianças são especialmente vulneráveis aos nitritos trazidos aos alimentos pela adubação exagerada;
  • a falta de saneamento básico agrava as doenças de veiculação hídrica. São altos os custos associados às doenças de veiculação hídrica nas regiões urbanas do Brasil com milhares de casos anuais de mortalidade prematura e morbidez adicional.
  • a água potável contaminada por chuvas ácidas pode causar doenças pulmonares, danos ao cérebro, hipertensão, problemas renais.
  • a poluição do ar nas cidades faz adoecer os cidadãos, causa mortes prematuras e onera os custos do sistema de saúde;
  • ambientes construídos que não tenham ventilação ou insolação adequada tornam-se insalubres e levam as pessoas a adoecerem, terem problemas respiratórios e doenças como tuberculose ou pneumonia.
Alimentos e pesticidas estão no radar da percepção pública e das discussões sobre sua regulação, mas há substâncias químicas tais como bromo, cloro e flúor, usadas em produtos de consumo, que apenas recentemente tem despertado alertas sobre seus impactos na saúde. O professor José Eli da Veiga, da USP, (ver o artigo A pior das poluições) tem chamado a atenção para esses poluentes sintéticos que causam diabetes e obesidade, perturbam o funcionamento das glândulas do corpo, atingem os fetos e lhes causam lesões cerebrais e cognitivas.
Saúde não é assistência médica, pois os médicos, farmacêuticos e enfermeiras em geral lidam com a falta de saúde, tornando-se agentes da indústria da doença.
Uma concepção integral da saúde engloba a saúde mental, psíquica, física, individual e social, bem como a saúde ambiental.
Nesse enfoque, um agricultor orgânico e um lixeiro são trabalhadores da saúde ao evitarem que as pessoas adoeçam. O ecologista e o gestor ambiental e das águas, bem como o pesquisador, o cientista e o cidadão ecologicamente consciente, são agentes de saúde. Promovem a saúde preventiva, diminuindo os riscos de acidentes e todos os custos associados ao tratamento de doenças depois que já se instalaram.
As respostas para os problemas de saúde não são apenas curativas e exigem crescente atenção aos aspectos de ecologia humana e social. A prevenção e controle da poluição sonora, visual, atmosférica, das águas e dos solos e da degradação ambiental pode trazer resultados positivos para a saúde. Isso também é mais barato, pois investir na melhoria do meio ambiente local pode reduzir significativamente a demanda por tratamento corretivo nos hospitais e postos médicos, pois parcela substancial das doenças não existiria caso a qualidade do meio ambiente fosse melhor e ações preventivas fossem adotadas.
É oportuno tratar das questões de saúde no mesmo contexto da questão ambiental.  Os ganhos econômicos, os ganhos em termos de melhoria da saúde das populações e os ganhos em termos de qualidade ambiental justificam a articulação dessas políticas.
A saúde ambiental é um pré-requisito para a saúde pública, coletiva e individual. Articular meio ambiente e saúde é um modo inteligente de abordar as questões da saúde que traz ganhos econômicos. A saúde ambiental é o ramo da saúde publica que trata dos aspectos do ambiente natural ou construído que podem afetar a saúde humana. 
Meio Ambiente e saúde têm grande potencial para desenvolver ações de parceria federal, nos estados e nos municípios, além da escala regional, por meio de consórcios intermunicipais de saúde e de meio ambiente, resíduos sólidos, gestão das águas.
Quando isso acontecer, poderá haver ganhos expressivos para a saúde integral, do ambiente e das pessoas.





terça-feira, 30 de outubro de 2018

Ecologia, desejo e consumo


  Maurício Andrés Ribeiro
 

 
Desejo: dar um grande abraço no planeta.
 
O consumismo exaure nossa mãe Terra.
 
 
 A promoção do consumo tem fortes aspectos subjetivos. A propaganda para o consumo explora os aspectos psicológicos de satisfação, segurança, sobrevivência, conforto e manipula os instintos básicos. Necessidades, expectativas, esperanças e aspirações subjetivas influenciam e formam as demandas de consumo e de produção. Edgar Morin observa que a economia carrega em si necessidades, desejos, e paixões humanas que ultrapassam os meros interesses econômicos. A economia é movida por desejos ou medos próprios ou induzidos de fora para dentro. O desejo pode ser por um bem material ou de consumo, ou pode ser o desejo por algo intangível e imaterial, como de exemplo, a felicidade. Os desejos de consumo induzidos pela propaganda são manipulados subliminarmente. O filme Consumo de crianças: a comercialização da infância, mostra como as crianças influenciam as decisões de consumo dos pais e como os marqueteiros manipulam comercialmente o desejo e a consciência infantil. A publicidade pode interferir com a evolução da sociedade, condicionada mental e culturalmente.  A propaganda influencia na saúde como mostra o filme Muito além do peso, sobre o consumismo nos alimentos e os problemas de saúde decorrentes.  A publicidade manipula comercialmente as consciências e utiliza dos conhecimentos da neurociência. Assim, exemplificando, os sentimentos de medo e de pânico, referentes a perigos imaginários ou reais, insuflam a produção e o consumo de armas; o desejo de alterar estados de consciência expande o mercado de drogas; a loucura por velocidade infla a indústria de automóveis; o anseio pela beleza alimenta o mercado da moda e dos cosméticos, bem como o das cirurgias plásticas.

 No Brasil, o Conar- Conselho de autorregulamentação da publicidade - pretende regular a propaganda. Os congressistas têm o poder e a atribuição de elaborarem leis que regulem ou coíbam a propaganda abusiva. Mas diante da força das indústrias anunciantes, associadas às empresas de propaganda, que remuneram a publicidade na TV, tal controle da publicidade contraria lobbies poderosos no Congresso. Na Suécia, Noruega, Irlanda, Itália, Dinamarca e Bélgica já há algum tempo é proibida a publicidade direcionada para crianças.


Em março de 2012 surgiu no Brasil o Movimento por uma infância livre de consumismo, voltado para evitar que as consciências das crianças sejam intoxicadas com informações pro consumismo. Esse é um movimento de mães, pais e cidadãos inconformados com a publicidade dirigida às crianças, que considera que a regulamentação feita pelo próprio setor atende aos interesses empresariais e não está preocupada com a saúde e o bem-estar das crianças. Acredita que o Estado deve intervir na questão e que não se podem responsabilizar somente os pais e as mães por um problema que afeta e compete a toda a sociedade.


O consumo é movido por impulsos e por motivações psicológicas que, quando predatórias, destroem o equilíbrio ecológico. Os desejos de consumo trazem impactos diretos sobre a ecologia ambiental, ao pressionarem a exploração da natureza. A tentativa de satisfação acrítica de desejos e demandas de consumo devasta a Terra e exaure bens e recursos naturais. Os desejos de natureza econômica e material têm impactos diretos sobre a demanda por recursos naturais ou sobre a emissão de poluições. Nos idos de 1989, o Simpósio sobre a sobrevivência do Brasil e do planeta, presidido por José Lutzenberger na UNIPAZ-DF, já afirmava que “O desequilíbrio interno dos homens é, em última instância, o responsável pelo desequilíbrio ecológico externo, para além dos fatores ligados à sociedade, à cultura, à industrialização e ao desenvolvimento”. Parafraseando o preâmbulo do ato constitutivo da UNESCO: Se o desejo de consumo nasce nos espíritos dos seres humanos, é no espírito humano que podem se encontrar respostas efetivas para lidar com o consumismo.

 

Uma parte do consumo deriva de necessidades biológicas, como saciar a fome. Consome-se a partir de demandas do corpo, da mente, das emoções. Os animais sobrevivem com o que lhes dá o sustento físico e corporal. Já nas pessoas humanas, é pequena a parcela do consumo que corresponde ao atendimento a necessidades físicas; a maior parte das demandas do consumo é mental ou emocional, atende a motivações simbólicas, de status, e não a necessidades físicas e corporais. O corpo humano precisa de pouco para sobreviver fisicamente. Assim, quando se alimenta mais do que o necessário, adoece e precisa tratar-se, fazer exercícios para eliminar a gordura excessiva, o sobrepeso, a obesidade e evitar doenças cardiovasculares.

Desejos são construídos social, cultural e coletivamente. A sociedade e a cultura, com seus valores, os regulam. O consumo está ligado a aspectos psicológicos, tais como a insegurança, baixa autoestima, necessidade de autoafirmação. O consumidor de bens posicionais, na definição de Eduardo Giannetti da Fonseca, tem a sensação de ser diferente, melhor, mais feliz e mais bem aquinhoado que os demais; a sensação de ser invejado socialmente por sua opulência. Ele cita Petrônio: “Só me interessam os bens que despertem no populacho a inveja de mim por possuí-los.” O poder de ter o mais caro e exclusivo confere status e privilégio, aumenta a autoestima e reduz a insegurança, num processo de narcisismo e exibicionismo.

O manejo sustentável dos desejos pode ser feito de dentro para fora, do indivíduo para a sociedade, por meio de práticas de autoanálise, autoconhecimento e expansão da consciência, de ioga, reflexão ou meditação.  Expandir a tolerância a viver no vazio dos desejos e trabalhar para naturalmente dissolvê-los e deixá-los passar pode abrir um campo vasto para sentimentos e pensamentos criativos e originais, bem como para a ação ecologizada. Desejos são variáveis sobre as quais se pode trabalhar. Podem ser lapidados e refinados por meio da consciência. Desejos são sementes das quais brotam ações. Em seu livro A neurose do paraíso perdido, Pierre Weil apontou que estresse, doença e sofrimento do corpo resultam do apego ao que dá prazer e que o medo da perda provoca emoções, como o ciúme, o orgulho, a inveja e a raiva.  Ele considerava necessário esclarecer sobre a origem da possessividade em relação ao que proporciona prazer e não permitir que essa possessividade, que está na raiz do consumismo e da exploração em excesso do homem e da natureza, acabe por destruir a saúde do planeta. Restabelecer a ecologia da mente é, portanto, indispensável e urgente para se reequilibrar a ecologia exterior. A crise ecológica tem origem na ecologia interior e pessoal. A autotransformação individual envolve mudança de comportamento e de atitude e pode influenciar na autotransformação coletiva.

Nossos cérebros estão estressados pela overdose de estímulos bombardeada pela propaganda. Ansiedade e preocupação dificultam que se focalize a mente no longo prazo, e fazem com que se priorize o imediato, como ocorre com quem precisa lutar para sobreviver no dia a dia. Para desestressar, pode ser valioso exercitar a meditação, a contemplação, técnicas que harmonizam e tranquilizam a mente, e que permitem entrar em estados de consciência menos perturbados e dispersos, mais lúcidos, com maior alcance no tempo. Abordagens e métodos de observação da realidade de autoconhecimento e de reflexão, de controle da mente, são de grande valor para a expansão da consciência. No campo psíquico, emocional ou mental, tais práticas e exercícios permitem expandir os limites humanos. Entre elas, as práticas de desenvolvimento da atenção e presença no agora, de criatividade por meio das artes e ciências, de meditação, algumas delas desenvolvidas por antigas tradições. A capacidade de concentrar a mente no essencial expande e aprofunda a consciência. A espiral do consumo compulsivo e inconsciente (a corrida armamentista do consumo) pode ser desmontada por meio de reequilíbrio mental e emocional, por processos de autoconhecimento e autorreflexão. A concentração é um método de condicionar a mente, concentrar a energia difusa e despertar poderes latentes.

A necessidade, a demanda, a crença e o desejo podem ser ecologizados e induzir atitudes e comportamentos ecológicos. A meditação e a contemplação, práticas de concentração e atenção que levem ao autoconhecimento são valiosas, para que aquele que consome compreenda o seu ser e suas motivações e desejos. A combinação dessas abordagens de aprendizagem por meio de vivências, do conhecimento sociocultural, de incentivos econômicos, do controle social pode expandir a consciência ecológica e induzir mudanças de comportamentos individuais e coletivos.

 

(*) Mauricio Andrés Ribeiro - Autor de Meio Ambiente & Evolução Humana