Maurício Andrés Ribeiro
Sri Aurobindo escreveu
extensamente sobre a Fraternidade, valorizando esse terceiro princípio da Revolução
Francesa como sendo aquele capaz de articular os outros dois princípios. “A fraternidade é a
chave para o triplo evangelho da ideia de ‘humanidade’. A união de liberdade e
igualdade só pode ser alcançada pelo poder da fraternidade humana e não pode
ser fundamentada em qualquer outra coisa".
Ele escreveu que a fraternidade só
pode ser alcançada a partir de um movimento da alma, de dissolver o ego e as
ações e motivações egoístas.
A fraternidade foi um princípio
ignorado no âmbito da política e apropriado pelo campo das religiões,
frequentemente associado com a caridade cristã, no cristianismo, com campanhas da
fraternidade na igreja a católica, com
ações assistencialistas de grupos religiosos. Em alguns casos, estendendo essa fraternidade ao mundo das pessoas não humanas, como o fez Francisco de Assis, que considerava todos como irmãos.
A fraternidade foi apropriada e
absorvida há muito pelas tradições espirituais e religiões organizadas, com
suas fraternidades, irmandades. Entretanto a fraternidade universal transreligiosa,
para além das crenças especificas, ainda não é uma característica dominante.
Elas ainda focam e valorizam aspectos específicos
culturais.
A crise ecológica e climática
atual, com a consciência crescente sobre problemas e riscos que se colocam
diante da humanidade como um todo também induzem a uma percepção de nossa fragilidade
como espécie e da necessidade da fraternidade. A era em que uns lutavam contra
outros e em que a identidade de um indivíduo ou um grupo era percebida numa
escala local ou nacional, passa a ceder lugar a uma escala em que somos todos
terráqueos e nosso lugar de fala ou de identidade é esse canto do universo que habitamos.
Talvez essa percepção da unidade humana ainda não seja amplamente disseminada
coletivamente, mas muitos e um número crescente de indivíduos já a percebem.
Pensadores como Duane Elgin em A dinâmica da evolução humana (São
Paulo: Cultrix, 1993) visualiza uma era de solidariedade global na qual “a
compaixão social torna-se a base prática para a organização de uma civilização
em escala planetária. Graças ao profundo senso de solidariedade e dedicação, a
humanidade se esforça para construir um futuro sustentável fundado no
desenvolvimento coletivo. Há grande empenho em restaurar o ambiente global.”
(ELGIN, 1993, p. 207).
Em vários campos da atividade
humana acontece a fraternidade laica, não necessariamente ligada a movimentos religiosos.
Assim , por exemplo, no campo das
artes esse é um tema recorrente no discurso e em ações práticas.
O poeta e diplomata mexicano Octavio
Paz escreveu, sobre a Fraternidade combinada com a Igualdade e com a Liberdade “Dadas
as diferenças naturais entre os seres humanos, a igualdade é uma aspiração
ética que não pode ser concretizada sem se recorrer ao despotismo ou a um ato
de fraternidade. Minha liberdade fatalmente se confronta com a liberdade do
outro e procura destruí-la. A única ponte capaz de reconciliar essas duas irmãs
que continuamente se atacam de faca é uma ponte feita de braços interligados: a
fraternidade.” Na música, Caetano Veloso cantou: “E eu não tenho pátria, tenho mátria. E quero
frátria. “
A imagem da terra vista de longe
por um astronauta ajudou a impulsionar essa consciência e muitas produções artísticas
focalizam esse tema. Assim, Yann Arthus Bertrand produziu vários filmes com
essa abordagem, entre eles o filme Home, que mostra a unidade da Terra para além
das diversidades.
Há alguns anos uma grande exposição
fotográfica também focalizou a família humana com sua diversidade.
A grande familia humana em fotos |
No mundo contemporâneo há vários
exemplos de ações motivadas por
princípios e valores altruístas, tais como os médicos sem fronteiras, os
doutores da alegria, os movimentos ecológicos que estendem a fraternidade para
além do mundo humano, para a natureza, numa visão aproximada à de São Francisco
de Assis , aqueles que praticam o serviço abnegado ou seva, como na tradição
sikh.
Doutores da alegria |
O movimento dos acionistas ativistas também
expande a noção de auto interesse dos investidores e acionistas de uma empresa
ou corporação para além dos objetivos de lucro e ganância egoísticos, para relação
a responsabilidade social e ecológica dessas empresas. Ainda se trata de um
movimento emergente e minoritário, mas que sinaliza para uma mudança de
mentalidade desses atores econômicos.
Acionistas ativistas ou investidores engajados protestam em Sydney quando do desastre da Samarco em Mariana. A angloaustraliana BHP Billiton é controladora da Samarco |
A ação desinteressada ou a prestação
de serviço abnegado é praticada com motivações religiosas, como por exemplo
pelos sikhs, os praticantes de uma das religiões indianas. que “O serviço abnegado é um
conceito importante no sikhismo, assim como na maioria das religiões indianas.
O ato de seva leva ao benefício e
ganho coletivo, embora seja realizado sem levar em conta o resultado para o
indivíduo.” “Realizar o seva pode
ser uma tarefa desafiadora, pois pode gerar dificuldades pessoais para as
pessoas que o fazem. Elas podem descobrir suas próprias aversões a certos
aspectos do trabalho. No entanto, por meio da conscientização consciente desses
desafios, a seva pode ser uma
ferramenta poderosa para as pessoas aprenderem mais sobre si mesmas, suas
personalidades e os padrões de comportamento ou pensamento que já não os
servem. Desta forma, a realização de seva
pode ser uma forma de desenvolvimento pessoal e espiritual.“ (Yogapedia)
Seva, ação realizada como serviço abnegado |
Demorou, mas no curso da evolução
parece que finalmente a fraternidade pode passar a ter a prioridade que merece
em todos os campos da atividade humana. Uma nova versão da bandeira de Minas
Gerais, Libertas quae sera tamem, poderia adotar o lema da Fraternidade ainda
que tardia, colocando a fraternidad na base das relações humanas.
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