quarta-feira, 12 de junho de 2019

Sri Aurobindo e a falha da Europa


Maurício Andrés Ribeiro

Por que interessa a um brasileiro no século XXI saber o que um indiano pensava da Europa no início do século XX?
Um brasileiro está imerso na cultura greco-romana e judaico cristã; localizado no extremo ocidente, com fortes influências norte-americanas e europeias. No Brasil a visão eurocêntrica de mundo ainda é dominante, herdada da história colonial.
Já um indiano está inserido numa matriz cultural distinta, de uma civilização milenar que soube ser resiliente e preservar sua cultura anterior ao período de colonização europeia, além de aproveitar dessa e de outras invasões vários elementos que a enriquecem. O lugar de fala, ou melhor, o lugar de escrita de Sri Aurobindo é o de um indiano que conhecia profundamente os fundamentos da cultura védica de seu país e conhecia com profundidade a civilização europeia em que viveu na infância e juventude.
Pertencendo a uma matriz cultural distinta da greco-romana e judaico cristã, ele tinha a lucidez de perceber suas qualidades e fraquezas, seus acertos e erros, com um distanciamento crítico que ajudava a dar nitidez à sua percepção.
Seu ângulo de visão e abordagem é evolucionista, abarca os grandes ciclos da história;  quando ele diz neste momento, refere-se a um agora alargado, o que torna atuais seus textos escritos há mais de um século.
Além disso, tendo sido um pioneiro na luta pela independência e um formulador da doutrina da resistência passiva, Sri Aurobindo foi um ator político importante em seu país. Ele estudou a fundo a cultura e a filosofia ocidental então centrada na Europa, continente que durante séculos colonizou outras regiões nas Américas, África e Ásia. No contexto  da luta pela independencia ele escreveu que “A Europa em sua atitude atual parece ser o mais firme inimigo da liberdade de todos os povos, exceto de sua própria”. (Bande Mataram, CALCUTTA, July22nd, 1907)
Ele fez uma crítica das ideias e práticas sobre liberdade no ocidente: “As idéias gregas da liberdade e a democracia penetraram na mente europeia e criaram o grande impulso do nacionalismo democrático que dominou a Europa no século XIX. A ideia de que o despotismo de qualquer espécie era uma ofensa contra a humanidade tinha  se cristalizado em um sentimento instintivo, e a moralidade e o sentimento modernos se revoltaram contra a escravização da nação por nação, de classe por classe ou do homem pelo homem. O imperialismo teve que se justificar a este moderno sentimento e poderia fazê-lo fingindo ser um administrador de liberdade, encomendado a partir do alto para civilizar o incivilizado e treinar os não treinados até chegar o momento  quando o benevolente conquistador tenha feito o seu trabalho e poderia se aposentar desinteressadamente”. (Bande Mataram, pag. 362)
 Ao correlacionar as ideias europeias de direitos e deveres com a concepção indiana do dharma ele identifica nesse ponto uma falha e fraqueza da Europa:“Quando os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade foram declarados no momento da Revolução francesa e a humanidade exigiu que a sociedade os reconhecesse como a fundação de sua estrutura, eles foram associados com uma feroz revolta contra as relíquias do feudalismo e contra a farsa da religião Cristã que tinha se tornado parte integrante do Feudalismo. Esta foi a fraqueza da democracia europeia e a origem da sua falha. Tomou como seu motor os direitos do homem e não o Dharma da humanidade; apelou para o egoísmo das classes inferiores contra o orgulho da parte superior. Ela fez o ódio e a guerra intestina os aliados permanentes dos ideais cristãos e forjou uma confusão inextricável que é a  doença moderna da Europa.” (16 March 1908 931)
Ele  constata que a existência espiritual foi deixada de lado no ocidente e propõe o advento de uma era espiritual para a humanidade: “O Ocidente fez o crescimento do ser intelectual, emocional, vital e material do homem  o seu ideal, mas deixou de lado  maiores possibilidades de sua existência espiritual. Seus mais altos padrões são ideais de progresso, de liberdade, de igualdade e de fraternidade, de razão e ciência, de eficiência de todos os tipos, de uma melhor política, Estado social e econômico, da unidade e da felicidade terrena da raça. Estes são grandes esforços, mas experimento após experimento mostraram que eles não podem ser realizados em sua verdade pelo poder da ideia e do sentimento sozinhos: sua verdade real e  prática podem ser fundadas no espírito. O Ocidente colocou sua fé na ciência e na maquinaria e está  sendo destruido pela sua ciência e esmagado por sua carga mecânica. Não entendeu que uma mudança espiritual é necessária para a realização de seus ideais. O Oriente tem o segredo daquela mudança espiritual, mas ele há muito tempo virou os olhos para longe da terra. Chegou a hora de curar a divisão e de unir a vida e o espírito.”  (510 From the Standard Bearer)
No início do século XX ele detectava os sinais da decadência ocidental e  questionava a postura de construir cegamente sobre tal base que estava afundando:
“A sociedade ocidental científica, racionalista, industrial, pseudodemocrática, está em processo de dissolução e seria, para nós, um absurdo lunático, neste momento, construir cegamente sobre essa base que está afundando.” (AUROBINDO, Sri. Complete Works, v.17, p.196.)

Ele apontar também as falhas e fraquezas da Índia: “Na Europa e na Índia, respectivamente, a negação do materialista e a recusa do asceta buscaram afirmar-se como a única verdade e a impor sua concepção da Vida. Na Índia, se o resultado foi
uma grande acumulação dos tesouros do Espírito –  ou de alguns deles – foi também uma imensa falência da Vida; na Europa, a acumulação de riquezas e o domínio triunfante dos poderes e posses do mundo progrediram em direção a uma igual falência nas coisas do Espírito. E o intelecto, que buscava a solução de todos
os problemas no princípio único da Matéria, tampouco se satisfez com a resposta que recebeu. Por isso, o momento está maduro, e a tendência do mundo se move para uma afirmação nova e abrangente no pensamento e na experiência interna e externa e
para seu corolário, uma autorrealização nova e rica – para o indivíduo e para a espécie humana – em uma existência humana integral. ( A Vida Divina, capítulo II, “As Duas Negações”, parágrafos 7 e 8).
A Índia pode ter um papel relevante na história nessa etapa em que ele  vislumbrava uma era subjetiva e espiritual para a humanidade.


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