Maurício Andrés Ribeiro
Pierre Dansereau estudou a América do Sul. |
Cristián
Parker, sociólogo e pesquisador na
Universidade do Chile[1], estudou as distintas
visões de mundo de grupos indígenas, de empreendedores
econômicos, de movimentos ecologistas, bem
como os conflitos entre vários atores
sociais envolvendo a água e os recursos da natureza no continente. Parker
relaciona os diversos discursos éticos, tais
como o que propõe o crescimento
utilitarista; o que propõe uma ética regulatória para minimizar os impactos
ambientais e sociais dos empreendimentos extrativistas e destaca a
responsabilidade social das empresas. Há, ainda, o discurso que propõe o desenvolvimento
sustentável, com as empresas reguladas pelo estado. Há também o discurso da
ética ecológica “que favorece uma mudança completa no modo de produção e
grandes investimentos em mineração e energia. Coloca a questão da água,
ecossistemas e populações locais como a prioridade que prevalece sobre o
crescimento econômico. As pessoas locais tornam-se os atores principais, em
comparação com a prioridade que os investidores recebem em projetos
convencionais.” E, por fim, há a ética autóctone dos povos indígenas que “formulam um discurso baseado na defesa de
seus territórios e se opõem aos megaprojetos elétricos e de mineração e seus
impactos sociais, culturais e ambientais. Seus argumentos estão relacionados ao
seu próprio caráter e identidade. As tradições ancestrais têm um lugar
importante. No entanto, na maioria das vezes, as manifestações explícitas de sua
fala são associadas aos direitos modernos, deixando implícita sua sabedoria,
sua cosmovisão e sua visão ética da natureza como pano de fundo.”
Essas
diferentes cosmovisões mantem relações distintas entre si, algumas têm
afinidades; outras expressam oposições radicais. Algumas abordagens enfatizam os valores de troca, outras,
o valor de uso e valor simbólico. Para um tipo de discurso “o que interessa é o
valor de troca do negócio mineral no mercado global de metais e minerais (os
recursos a serem utilizados)”; para outro discurso “ o valor simbólico do
território é primordial, pois está associado à identidade, aos ancestrais, à
vida da comunidade, ao ambiente compartilhado e também à vida espiritual (o
patrimônio a ser protegido).”
Numa
tabela ele contrasta elementos de duas dessas
éticas e discursos.
TABELA
N ° 1: ÉTICAS E DISCURSOS CONFRONTADOS
As relações
humanos/não humanos
Categorias VISÃO AUTÓCTONE -VISÃO DO MERCADO
Totalidade - Holismo - Dualismo Cartesiano
Racionalidade - Englobante/Princípio da Reciprocidade - Racionalismo / Positivismo
Sujeito/Objeto -Cosmo coabitado - Dualismo Sujeito-Objeto
Matéria - Ser vivo: energias e
espíritos- Natureza
morta: sítio inerte /rochas
Moral - Ambivalência Moral - Dualismo moral, o bem
e o mal
Seres
superiores - Multiplicidade dos
Espíritos - Monoteísmo
Fonte:
Parker
Parker
constata que “Como parte do processo de
desenvolvimento, as políticas de extrativismo na América Latina geralmente não
respeitam o meio ambiente. Os atores que se confrontam no terreno brandem
discursos econômicos, ideológicos ou éticos. Foi bem analisado que os modos de
vida indígenas se opõem às forças das indústrias extrativas, empresas globais
que consideram as terras indígenas estritamente como recursos (Martinez,
2015).” Megaprojetos extrativistas que provocam impactos ambientais e conflitos
sociais, capitaneados por grandes corporações têm-se intensificado, seja sob
governos de qualquer matiz ideológica.
Parker constata que “Nos últimos tempos, os
discursos ecológicos dos povos indígenas, identidades locais e regionais se multiplicaram;
são demandas e mobilizações pela justiça social e ambiental e pelo emprego.
Essa virada em direção ao território e à ecologia converge para uma linguagem
comum que ilustra a inovadora interseção entre o discurso da comunidade
indígena e o discurso ambiental (Svampa, 2013).”
Ele
propõe “enfatizar a importância da visão
de mundo indígena, que tem uma ética de participação com a natureza que se opõe
à mercantilização da terra e do território. Ética que se baseia no valor
simbólico do bem comum e não no seu valor de mercado ou valor de uso.”
“O discurso autóctone é um discurso ético que
promove o respeito pela vida e pela natureza. O pensamento cosmológico dos
povos indígenas mostra uma atitude ética em relação à vida, baseada no respeito
por ela e em harmonia com a sacralidade da natureza, como uma peculiaridade
específica de sua consciência planetária.”
Noosfera, a esfera da consciência que influi sobre as demais.Pierre Dansereau. |
Parker
conclui que “Num tempo em que os
sintomas visíveis das alterações climáticas têm se intensificado, vemos um
confronto mais agudo, às vezes subterrâneo e imperceptível, às vezes em
conflito aberto, de dois polos de éticas
planetárias fundamentais: uma ética utilitarista de explotação e uma ética ecologica entre as
quais há na verdade uma gama de
posições. De fato, no pensamento racionalista e colonialista ocidental, a
natureza é considerada um objeto sujeito à exploração (incluindo aí aqueles
humanos considerados inferiores). Essa é a lógica da acumulação capitalista
imediata, acentuada pela ética da sociedade pós-industrial no contexto do
modelo neoliberal da globalização recente. Por outro lado, as injustiças
sociais e a proteção do meio ambiente e do ecologismo trazem à luz questões de
desigualdades ecológicas e, portanto, de justiça e equidade intergeracional,
social e geográfica. No centro deste confronto global, a ética indígena que
resiste à mercantilização dos territórios, como apresentamos, acentua uma
dimensão da relação humanidade-natureza que está próxima de certas éticas
ecológicas, como a proposta, entre
outros, por Pierre Dansereau.”
Pierre Dansereau estudou as cosmovisões e a noosfera. |
A
emergência climática atual clama pela ética ecológica e de algum modo
leva a revalorizar a ética indígena e sua cosmovisão.
[1]
Parker, Cristián. -Atores sociais e ética ecológica no conflito extrativista:
ética indígena sul-americana
(publicado em francês no livro
L’espoir malgré tout – L’oeuvre de Pierre Danseereau et l’avenir des sciences
de l’environnement, Normand Brunet, Paulo Freire Vieira, Marie Saint – Arnaud,
René Audet, Presses de l’Université du Québec, 2017)
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