segunda-feira, 18 de novembro de 2019

A Índia e a liberdade

Maurício Andrés Ribeiro
India e China são as duas grandes civilizações contínuas em  quatro mil anos  de história.
 

 
A Índia e a China são as duas grandes civilizações milenares cuja linha de continuidade atravessou milênios. Essas duas grandes civilizações tiveram capacidade de sobreviver aos impactos das invasões e da colonização que sofreram, de adaptar e de absorver diversas influências.

Um fator que diferencia essas duas civilizações e seus valores, é a importância que é dada na Índia à liberdade individual, de pensamento e de palavra.  Em discussões de um congresso sobre o futuro, realizado em Bangalore em 1978, comparavam-se Índia e China. Os indianos afirmavam que, com uma história de mais de cinco mil anos, seu povo não se dispunha a sacrificar valores culturais e princípios de liberdade individual, como os chineses haviam feito, para equacionar rapidamente os problemas e necessidades básicos. Os indianos admitiam as mazelas sociais e econômicas, mas argumentavam que, para desenvolver-se em curto prazo, os chineses haviam sacrificado valores como a liberdade individual, muito prezada na cultura e sociedade indianas.

        As conquistas sociais indianas são lentas se comparadas com os avanços do outro gigante asiático – a China – no atendimento às necessidades básicas da população. Entretanto, a lentidão é compensada pelo respeito a valores milenares e preciosos, como os princípios da liberdade individual e da não-violência. A Índia equaciona seus problemas sociais sem sacrificar tais valores. Sendo a maior democracia do mundo, há a convicção de que ainda chegará a atingir maior justiça social sem sacrificar esses princípios. Está em curso caminhada do subcontinente indiano em direção a maior justiça social e igualdade, sem que para isso seja necessário abdicar da liberdade.

Na Índia nunca houve a escravidão. Diferentemente de gregos e egípcios, de sociedades africanas, dos europeus que escravizaram indígenas e africanos nas colônias a Índia praticou outro modo de organização social que prescindiu dos escravos.

A questão da liberdade individual esteve no centro da luta da Índia por sua independência. Sri Aurobindo, o grande formulador da doutrina da resistência passiva ou defensiva, justificava essa luta não apenas para alcançar a liberdade econômica ou livrar-se da opressão política, mas para alcançar uma condição coletiva que eliminasse travas ou obstáculos ao florescimento dos seres humanos e de seu espírito.

“Sua missão (da Índia)  é apontar à humanidade a verdadeira fonte da liberdade humana, da igualdade humana, da fraternidade humana. Quando o homem é livre no espírito, toda  outra liberdade está sob seu comando.”

Grandes indianos como Sri Aurobindo, Tagore, Gandhi e estudiosos ocidentais ressaltam essa importância dada à liberdade.             A Índia foi a sociedade em que se levou mais longe a proposta de liberdade.  Lia Diskin, da Associação Palas Athena, expressa isso  ao dizer que “A Índia é o maior exemplo de liberdade de pensamento que a humanidade produziu – na Índia ninguém foi obrigado a tomar cicuta por causa de suas ideias, nem foi crucificado pelas suas pregações.”

A liberdade ali praticada não se resume à liberdade econômica, política, de pensamento e de expressão, mas também a liberdade espiritual, das buscas do espírito para compreender o universo, a vida, a consciência. Os caminhos dessa busca são os mais variados e todos são respeitados. Comportamentos insólitos, exóticos, bizarros, estranhos que seriam considerados loucura e interditados ou segregados em outras sociedades, são ali não somente tolerados, mas valorizados e sustentados pela sociedade.

O apreço pela liberdade é tal que ela é praticada ainda que possa parecer estar-se à beira da anarquia. É admirável a capacidade  coletiva de se autoorganizar no limite mínimo, com margem de segurança próxima de zero,  como numa dança em que se evita pisar no pé do outro, como por exemplo no trânsito caótico nas grandes cidades.

O poeta e prêmio Nobel  de literatura Rabindranath Tagore  expressou poeticamente esse valor da liberdade:

“Onde o espírito vive sem medo
e a fronte se mantém erguida;

Onde o saber é livre;

Onde o mundo não foi dividido em pedaços
por estreitas paredes domésticas;

Onde as palavras brotam do fundo da verdade;

Onde o esforço incansável estende 

os braços para a perfeição;
 

Onde a fonte clara da razão não perdeu o veio
no triste deserto de areia do hábito rotineiro;

Onde o espírito é levado à tua presença
em pensamento e ação sempre crescentes;

Dentro desse céu de liberdade, ó meu Pai,
deixa que se erga a minha pátria.”

 

 


 

 

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