Maurício
Andrés Ribeiro
India e China são as duas grandes civilizações contínuas em quatro mil anos de história. |
A Índia e a China são as duas grandes
civilizações milenares cuja linha de continuidade atravessou milênios. Essas
duas grandes civilizações tiveram capacidade de sobreviver aos impactos das
invasões e da colonização que sofreram, de adaptar e de absorver diversas
influências.
Um fator que diferencia essas duas
civilizações e seus valores, é a importância que é dada na Índia à liberdade
individual, de pensamento e de palavra. Em
discussões de um congresso sobre o futuro, realizado em Bangalore em 1978,
comparavam-se Índia e China. Os indianos afirmavam que, com uma história de
mais de cinco mil anos, seu povo não se dispunha a sacrificar valores culturais
e princípios de liberdade individual, como os chineses haviam feito, para
equacionar rapidamente os problemas e necessidades básicos. Os indianos
admitiam as mazelas sociais e econômicas, mas argumentavam que, para
desenvolver-se em curto prazo, os chineses haviam sacrificado valores como a liberdade
individual, muito prezada na cultura e sociedade indianas.
As conquistas sociais indianas são
lentas se comparadas com os avanços do outro gigante asiático – a China – no
atendimento às necessidades básicas da população. Entretanto, a lentidão é
compensada pelo respeito a valores milenares e preciosos, como os princípios da
liberdade individual e da não-violência. A Índia equaciona seus problemas
sociais sem sacrificar tais valores. Sendo a maior democracia do mundo, há a
convicção de que ainda chegará a atingir maior justiça social sem sacrificar
esses princípios. Está em curso caminhada do subcontinente indiano em direção a
maior justiça social e igualdade, sem que para isso seja necessário abdicar da
liberdade.
Na
Índia nunca houve a escravidão. Diferentemente de gregos e egípcios, de
sociedades africanas, dos europeus que escravizaram indígenas e africanos nas
colônias a Índia praticou outro modo de organização social que prescindiu dos
escravos.
A questão da liberdade individual esteve no
centro da luta da Índia por sua independência. Sri Aurobindo, o grande
formulador da doutrina da resistência passiva ou defensiva, justificava essa
luta não apenas para alcançar a liberdade econômica ou livrar-se da opressão
política, mas para alcançar uma condição coletiva que eliminasse travas ou
obstáculos ao florescimento dos seres humanos e de seu espírito.
“Sua missão (da Índia) é apontar à humanidade
a verdadeira
fonte da
liberdade humana, da
igualdade humana, da
fraternidade humana. Quando o homem é
livre no
espírito, toda outra liberdade
está sob
seu comando.”
Grandes
indianos como Sri Aurobindo, Tagore, Gandhi e estudiosos ocidentais ressaltam essa
importância dada à liberdade. A Índia foi a sociedade em que se levou
mais longe a proposta de liberdade. Lia
Diskin, da Associação Palas Athena, expressa isso ao dizer que “A Índia é o maior exemplo de
liberdade de pensamento que a humanidade produziu – na Índia ninguém foi
obrigado a tomar cicuta por causa de suas ideias, nem foi crucificado pelas
suas pregações.”
A
liberdade ali praticada não se resume à liberdade econômica, política, de
pensamento e de expressão, mas também a liberdade espiritual, das buscas do espírito
para compreender o universo, a vida, a consciência. Os caminhos dessa busca são
os mais variados e todos são respeitados. Comportamentos insólitos, exóticos,
bizarros, estranhos que seriam considerados loucura e interditados ou
segregados em outras sociedades, são ali não somente tolerados, mas valorizados
e sustentados pela sociedade.
O
apreço pela liberdade é tal que ela é praticada ainda que possa parecer estar-se
à beira da anarquia. É admirável a capacidade coletiva de se autoorganizar no limite mínimo,
com margem de segurança próxima de zero, como numa dança em que se evita pisar no pé do
outro, como por exemplo no trânsito caótico nas grandes cidades.
O poeta e prêmio
Nobel de literatura Rabindranath Tagore
expressou poeticamente esse valor da liberdade:
“Onde o
espírito vive sem medo
e a fronte se mantém erguida;
e a fronte se mantém erguida;
Onde o
saber é livre;
Onde o
mundo não foi dividido em pedaços
por estreitas paredes domésticas;
por estreitas paredes domésticas;
Onde as
palavras brotam do fundo da verdade;
Onde o esforço incansável estende
os braços para a perfeição;
Onde a
fonte clara da razão não perdeu o veio
no triste deserto de areia do hábito rotineiro;
no triste deserto de areia do hábito rotineiro;
Onde o
espírito é levado à tua presença
em pensamento e ação sempre crescentes;
em pensamento e ação sempre crescentes;
Dentro
desse céu de liberdade, ó meu Pai,
deixa que se erga a minha pátria.”
deixa que se erga a minha pátria.”
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