segunda-feira, 29 de junho de 2020

Pode-se evitar próximas pandemias ao mudar o modo de relação com os animais



Maurício Andrés Ribeiro


 
Macacos num templo em Jaipur- India
 
A relação dos humanos com os animais está na raiz de várias pandemias.


O ciclo desse relacionamento inclui a destruição das florestas onde habitam animais silvestres, sua captura e caça, sua manutenção e criação em cativeiro, sua comercialização em mercados molhados, seu abate em frigoríficos, o consumo de sua carne. Nessas etapas há ambientes e situações favoráveis para a transmissão de vírus de uma espécie para outra, inclusive para a espécie humana.

A destruição de habitats naturais de animais provoca sua migração para locais habitados por humanos e a contaminação de outros, disseminando doenças. Os vírus Nipah, da Zika, Sars, Aids e Ebola se originaram em populações animais e depois ultrapassaram a barreira das espécies.

No caso dos chamados animais de produção (vacas, porcos, frangos), esse ciclo inclui sua criação intensiva em confinamento.  Ao tratar com crueldade e desrespeito os animais em fazendas-fábricas, o ser humano produz as condições para que zoonoses ou doenças de origem animal se voltem contra si. Os frigoríficos, locais úmidos e fechados, refrigerados e com congelamento,  onde são abatidos tornaram-se locais de risco para a conservação dos vírus.

 Mercados em que se vendem animais silvestres, com crueldade e desrespeito aos animais com precárias condições sanitárias são ambientes em que os vírus se  multiplicam e transmitem as zoonoses pelo contato próximo com os compradores. Em Pequim, um novo surto na China se originou num mercado que vende carne bovina e de cordeiros.
Pandemias, saúde global e escolhas pessoais é um pequeno livro precioso escrito por Cynthia S.Paim e Wladimir J. Alonso, numa linguagem de fácil comunicação e com grande consistência. É um livro oportuno nessa conjuntura de pandemia. Ele trata de modo abrangente do ciclo do abastecimento alimentar e seus efeitos sobre a saúde. Considera o contato direto com vírus selvagens e com os animais considerados como máquinas de produção extrema,  na selva ou nas cidades, como facilitador de ocorrência de pandemias. Trata da fabricação dos organismos patogênicos, da fragilização diante dos patógenos e da biossegurança. Aborda o transporte de animais vivos, a relação entre estresse dos animais e a fragilização em sua imunidade. Aponta como o uso dos antibióticos facilita a proliferação de bactérias resistentes. Trata dos impactos econômicos e aborda a história da relação humana com os animais. Relaciona as escolhas pessoais de hábitos alimentares com os riscos para a sociedade e como a tecnologia e hábitos culturais de alimentação podem produzir um mundo mais próspero e mais resiliente. Os autores constatam que quanto maior o consumo de carne, maior o risco de novas pandemias.


A pandemia explicita com clareza que o ser humano não se descolou da natureza, que é parte integrante dela e que o que acontecer com ela repercute sobre os humanos. Ajuda a dissolver a fantasia da separatividade que acredita que, por termos cultura e fala, nos separamos da natureza.

A pandemia chama a atenção para  a relação entre  saúde humana, saúde animal e saúde ambiental, e que a saúde humana se conecta com a saúde animal e com a saúde ambiental local e planetária. Animais e pessoas estressadas tendem a se tornar mais fragilizados,  imunodeprimidos e a contrair infecções. Fortalecer a imunidade psicológica, emocional e mentalmente é um dos modos eficazes de resistir ao ataque de vírus. 

Prato vegetariano típico do sul da Índia

Ela traz a importância de considerar conjuntamente a saúde humana, social e ambiental para prevenir futuras pandemias. A prevenção de pandemias é mais barato do que agir depois que ocorreu. Com a pandemia aconteceu uma expansão da consciência sobre os diversos aspectos  de uma saúde integral: humana, dos animais, saúde ambiental,  física, mental, emocional, espiritual. Como efeito colateral da pandemia , expandiu-se a consciência sobre a relação que existe entre as doenças que atingem os seres humanos e a destruição de habitats naturais e do meio ambiente em que vivem várias espécies de animais. A proteção das florestas pode ser um modo eficaz de evitar o surgimento de novas epidemias danosas para a vida humana.

Um efeito colateral da pandemia foi ampliar a consciência de que mudar a relação com a natureza, com os habitats naturais de animais silvestres, evitar desmatar, desocupar áreas já ocupadas e deixá-las regenerar e se restaurar são algumas ações para prevenir futuras pandemias que se originam de alterações nos habitats naturais.

Retirar-se de ambientes ocupados e desmatados  e deixar que se regenerem naturalmente ou por meio de restauração humana é atitude prudente e sábia para prevenir futuras pandemias. James Lovelock já escrevera que não precisamos mais de desenvolvimento sustentável; precisamos de uma retirada sustentável. Precisamos exercer a arte de sair de cena.

Mudar as relações humanas com os animais silvestres ou domésticos que não são coisas, são seres sensíveis e em algumas tradições são divindades sacralizadas. A Nova Zelândia  reconheceu os animais como seres sencientes.

Reequilibrar a relação com os animais  é crucial para evitar  futuras pandemias, que podem surgir em regiões desmatadas como por exemplo na Amazônia.A prevenção de próximas pandemias  depende de uma mudança cultural e de consciência ecológica tornando menos cruel e agressiva  a relação dos humanos com os animais, protegendo habitats de espécies silvestres e reduzindo o carnivorismo.
 
 



 

 

 



 

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