Maurício Andrés Ribeiro
Nas quarentenas, os eventos culturais públicos e
presenciais praticamente deixaram de existir. Espaços culturais foram fechados
para evitar aglomerações. A casa passou a ser o principal espaço da cultura.
Passa-se tempo diante da TV, do computador ou
celular. Nas telas há uma superoferta de programas culturais e artísticos sobre todos os temas e para todos os gostos:
visitas a museus, viagens por cidades antigas, shows de música, dança, poesia e
teatro e tantos outros. Há um novo
território cultural na internet, acessado por meio do celular e dos smartphones.
A telecultura acontece na tela do celular, do tablet, do computador, da TV, nas
mídias digitais e plataformas.
A todo momento surgem novas ofertas de lives,
webinars, conversas, debates, numa profusão de formas de expressão, em vários
canais. YouTube, Zoom, Meet, Skype, Instagram, Facebook, são algumas das plataformas tecnológicas que
os veiculam. Multiplicam-se as pessoas que produzem algum conteúdo e o divulgam
autonomamente nas redes. Amigos, conhecidos, familiares, celebridades convidam para assistir suas
lives e programas. Em vários deles o espectador participa ativamente por meio de
questões e perguntas, triadas e formuladas pelos mediadores.
O isolamento físico não impede a conexão cultural. Os
artistas aprendem a buscar um novo modo de se comunicar com o público nas
redes. Professores dão aulas on line de música, de ginástica, yoga. Produtores culturais enxergam essa
oportunidade e abastecem os espaços e tempos virtuais com bons, belos e verazes
programas, lives, webinars, aulas, debates, mostras e exposições. Exercita-se a
criatividade, a capacidade de resistência e comunicação. Além da leitura
tradicional de livros e revistas, há os livros virtuais eletrônicos. Jornais
diários deixam de circular em papel e são lidos nas telas.
Há uma efervescência cultural e uma explosão de
produção e difusão de conhecimento nessa fase que expõe com grande intensidade
e frequência o produto da atividade artística e intelectual.
O tempo é pouco para participar de toda a oferta.
Um dia com 24 horas é pequeno para caber tanta coisa. Selecionar e priorizar o
que ver e montar o seu próprio programa cultural cotidiano tornam-se atividades
relevantes. Sabendo fazer uma adequada curadoria e seleção pode-se separar o
joio do trigo, o lixo tóxico e as maravilhas de criatividade que se encontram
nas redes sociais. A seleção do que ver ou não ver alimenta as mentes e
abastece a faixa de sintonia que cada um escolhe. Isso constrói o mundo em que se
vive e a narrativa de mundo que dá
sentido e propósito a sua vida. Se um programa de interesse se superpõe no
mesmo horário com um outro, não há problema, pode-se assistir ambos, pois tudo fica gravado e acessível em streaming nas redes, na
internet e no YouTube. O tempo escasso e que passa rapidamente é o fator
limitante para a participação cultural. A limitação deixa de ser a falta de dinheiro, de oportunidade de
viajar ou se deslocar para participar.
A casa como território da cultura. Mutirão Cultural de Entre Rios de Minas realizado virtualmente durante a pandemia. |
Festivais de cultura e arte que anteriormente eram
realizados presencialmente e com patrocínios se reinventam virtualmente e com
baixo custo. Um exemplo é o do Mutirão Cultural de Entre Rios de Minas, que
aponta um caminho promissor. Ele promove a inclusão digital, cria um polo de
produção cultural local, de baixo para cima, de dentro para fora, autonomamente
e sem depender de grandes recursos. É um evento local
com o potencial de atingir gente de muitas outras partes do estado, do país, do
mundo.
Se por um lado perde-se o convívio pessoal próximo
e presencial, por outro lado amplia-se o público para além de limites
geográficos. Atingem-se outras cidades, regiões e países via internet e
capacita-se no uso de tecnologias. Tomara que se torne um modo de aumentar
renda e que ajude a valorizar a economia local, estimular o empreendedorismo
e abrir oportunidades de trabalho e
renda para os jovens de Entre Rios.
Diante da diversidade de ofertas de notícias e
programas culturais nas redes sociais, aqueles veículos que os oferecem
gratuitamente tendem a ter mais leitores e espectadores do que aqueles que
liberam a notícia ou o evento somente mediante pagamento. Nas boas lives
patrocinadas por empresas, que proliferam no YouTube e em outros canais, muitas
vezes se faz um apelo para doações voluntárias para uma causa generosa e
solidária. O espectador pode ser motivado a doar, mas tem a opção de desfrutar
sem custos do programa caso não se sensibilize com a causa ou não tenha
recursos.
O usufruto cultural foi estendido a milhões de
pessoas conectadas que anteriormente
estariam excluídas. Antes da pandemia, uma parte desses programas estaria
disponível mediante um alto custo econômico e ecológico de deslocamento,
viagens, ingressos. Na quarentena, são oferecidos de graça dentro de casa.
O isolamento
físico na quarentena não impede a
proximidade virtual, social e cultural, de baixo custo, de baixo carbono e
autofinanciável, sem grande dependência de governos. Promove-se a inclusão
cultural, que democratiza e deselitiza o acesso à cultura e à arte. Ecologiza-se
uma forma de acessar a cultura.
A pandemia trouxe uma aceleração da consciência,
com essa profusão de manifestações artísticas e culturais, científicas e de
reflexão filosófica, que mexem com o intelecto, com a mente, com as emoções e
sentimentos. Isso pode contribuir para a
evolução cultural, mental, emocional e espiritual humana.
O vírus
desacelerou o mundo físico e acelerou a esfera imaterial e intangível da
consciência, a noosfera.
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