Maurício Andrés Ribeiro (*)
"Contaram-me uma mentira durante toda a minha vida dizendo que eu
fazia parte da única espécie racional do planeta. Mentira profunda. Existe uma
racionalidade profunda dentro de cada espécie. E eu tive que aprender a
compreender essa racionalidade".
O dicionário Aurélio considera
como pessoa “Cada ser humano considerado na sua individualidade física ou
espiritual, portador de qualidades que se atribuem exclusivamente à espécie
humana, quais sejam, a racionalidade, a consciência de si, a capacidade de agir
conforme fins determinados e o discernimento de valores”.
Animais são seres com
corpo, mente emoções, sentimentos, que sofrem dor e medo e que aprendem, dentro
de seu estágio de consciência. As capacidades
cognitivas dos animais são crescentemente reconhecidas. Merecem o status de
pessoas, tais como as pessoas físicas, as pessoas jurídicas, as pessoas
angelicais.
Pessoas não humanas têm a capacidade de aprender a cooperar |
A diversidade de postagens
e de compartilhamento de vídeos nas redes sociais e no Facebook mostra como as
pessoas não humanas gostam de brincar, com uma mentalidade muito afim com as
crianças. O relacionamento afetivo de seres humanos com cães, gatos e animais
domésticos supre carências emocionais tanto para crianças como para adultos e
idosos. As crianças prezam a afetividade
animal e se encantam com as historias de bichos que muitas vezes só conhecem
nos zoológicos. Têm grande empatia para com os animais. Empatia é uma qualidade da
inteligência emocional. É uma resposta afetiva capaz de compreender a
perspectiva psicológica de outra pessoa; e de se emocionar ao observar a
experiência e a situação do outro.
Há vídeos que mostram como eles se comunicam pelo canto;
como são usados como alimento por pessoas
humanas. Muitas mensagens nas
redes sociais abordam o vegetarianismo como opção de dieta alimentar. Há
crueldades tais como as touradas ou farras do boi, disfarçadas de cultura e
tradição e maus tratos a animais em cativeiro. Mensagens mostram também formas
de relacionamento mais amigáveis e harmônicas entre pessoas humanas e não
humanas. Na Internet se encontram muitos sites com pensamentos sobre os
direitos dos animais. Aos poucos a visão ecocêntrica e biocêntrica ganha espaço
e questiona os fundamentos da civilização ocidental em sua relação com os
animais.
Cientistas renomados tais
como James Lovelock em “A vingança de Gaia” e E.O
Wilson, propõem uma retirada sustentável das pessoas humanas
cedendo espaço para os animais e o mundo natural.
No
Facebook, meu amigo Apolo Heringer-Lisboa observa que “
quando a gente diz seres humanos, está dando a entender que há outros tipos de
seres. Vinha à mente a ideia de seres divinos ou angelicais. Não a ideia de
seres como tartarugas, corujinhas e cães. Você tem insistido neste tema
buscando, provavelmente, uma mudança na mentalidade atual da sociedade. Você
insiste no termo pessoas. Como vê a distinção entre os termos pessoas e seres?
Pessoas a gente associa com gente, seres humanos, um sinônimo”.
Eu lhe respondi que há
vários tipos de pessoas: pessoas humanas, pessoas físicas, pessoas jurídicas.
Nomear os animais como pessoas não humanas ajuda a elevar seu status numa visão
menos antropocêntrica e ajuda a valorizar seus sentimentos e inteligência. Um
status ainda mais elevado é quando são tratados como divindades. O status mais baixo é quando são tratados
como coisas, usados como objetos de pesquisas e cobaias
para testar medicamentos, cosméticos, cigarros. Os animais são vistos como bens
econômicos, e a pecuária tem a mesma raiz de pecuniária, pois pecos, o boi, era uma fonte original de
riqueza, uma moeda transacionável. Por esse enfoque, somos donos, proprietários
de tais seres senscientes, semoventes.
Macacos são vistos como coisas para experiências em laboratórios, ou como divindades num templo indiano. |
A cultura ocidental, de
matriz greco-romana e judaico-cristã tem uma visão antropocêntrica e humanista
que vem sendo questionada por vários flancos. “Para que serve uma barata ou um
pernilongo?” pergunta-me uma amiga que descubro ser utilitarista. As abelhas
são úteis, pois polinizam e fertilizam as plantas e prestam um relevante
serviço ambiental e econômico. Por isso podem ter valor. Mas e esses outros
animais? O movimento antiutilitarista reconhece o valor intrínseco dos animais
e dos seres vivos, independente se tenham ou não uma utilidade para os seres
humanos.
O antropólogo Eduardo Viveiros de
Castro reflete sobre o tema, tomando
como referência as culturas indígenas brasileiras[1]: “Uma coisa é você dizer que os animais
são humanos, no sentido de direitos humanos. Outra coisa é dizer que os animais
são pessoas, isto é, são seres que têm valor intrínseco. É isso o que significa
ser pessoa. Reconhecer direitos aos demais viventes não é reconhecer direitos
humanos aos demais viventes. É reconhecer direitos característicos e próprios
daquelas diferentes formas de vida. Os direitos de uma árvore não são os mesmos
direitos de um cidadão brasileiro da espécie homo
sapiens. O que não quer dizer, entretanto, que ela não tenha
direitos. Por exemplo, o direito à existência, que só pode ser negado sob
condições que exigem reflexão. Os índios não acham que as árvores são iguais a
eles. O que eles acham simplesmente é que você não faz nada impunemente. Todo ser
vivo, com exceção dos vegetais, tem que tirar a vida de um outro ser vivo para
sobreviver. A diferença está no fato de que os índios sabem disso. E sabem que
isso é algo sério. Nós estamos acostumados a fazer a nossa caça nos
supermercados, não somos mais capazes de olhar de frente uma galinha antes de
matá-la para comer. Assim, perdemos a consciência de que nós vivemos num mundo
em que viver é perigoso e traz consequências. E que comer tem consequências. Os
animais seriam pessoas no sentido de que eles possuem valor intrínseco, eles
têm direito à vida, e só podemos tirar a vida deles quando a nossa vida depende
disso. Isso é uma coisa que, para os índios, é absolutamente claro. Se você
matar à toa, você vai ter problemas. Eles não estão dizendo que é tudo igual.
Eles estão dizendo que tudo possui um valor intrínseco e que mexer com isso
envolve você mesmo.”
A ética nas relações com
os animais passou a ser tema discutido especialmente a partir das ideias de
Peter Singer, filósofo australiano conhecido por sua postura em relação aos
direitos dos animais e a questões éticas no relacionamento com eles. Hans
Huesch escreveu Matança de inocentes e A grande fraude, sobre o tema.
No segundo semestre de
2013, ativistas invadiram um instituto de pesquisas em São Paulo, que usava
cães beagle e ratos em testes para cosméticos e para medicamentos, sequestraram
os animais e destruíram as instalações, levando ao fechamento do instituto.
O movimento Born Free
defende padrões de bem estar animal e procura os proteger dos circos, do
entretenimento em shows, parques marinhos, do sofrimento físico e mental que
passam no cativeiro.
Organizações da sociedade
civil como a PETA – Pessoas pelo tratamento ético para com os animais - e a
Frente de Libertação Animal assumiram a causa do abolicionismo da escravidão e
do fim da tortura dos animais. A WSPA – sociedade mundial para a proteção dos
animais propõe protegê-los pois sofrem dor e sofrimento, tem direito a viver
vidas livres de crueldade e porque milhões de pessoas no mundo todo se apoiam neles para a sobrevivência e a
companhia. Propõe que a ONU institua um dia dedicado à proteção dos animais.
Por meio de vídeos, divulgam no Youtube muitas informações sobre o tema.
Mostram as condições cruéis de depenar gansos para fazer preenchimento de
travesseiros com suas plumas e penas; o
processo doloroso de produção do paté de fígado de ganso. O que ocorre nos
matadouros é mostrado no vídeo E se os
matadouros tivessem paredes de vidro? protagonizado por Paul MacCartney,
que também se tornou ativista vegetariano. Outros disponíveis no YouTube
mostram as realidades atrozes da produção de carne e as fazendas industriais. Vídeos
mostram testes com pesquisas
biológicas de efeitos dos cigarros sobre a saúde,
realizados com macacos, coelhos e ratos. O filme A
feia verdade denuncia que mais de 50 bilhões de
animais ano são sacrificados pela indústria de cosméticos e mostra coelhos
cegados por testes de produtos que irritam os olhos. Outros vídeos fazem
campanhas de boicote a produtos de companhias que fazem testes com animais.
Outros ainda mostram as vacas fistuladas, com o seu interior à mostra, em
pesquisas agropecuárias.
A relação entre pessoas
humanas e animais adquire relevo crescente e visibilidade como um tema de
interesse público. Mais seres humanos, e
não somente as crianças e idosos que com eles convivem mais diretamente, passam
a manifestar com maior frequência a empatia para com os animais. Como tal essa
relação merece ser tratada em seus aspectos regulatórios, normativos e de
comunicação. Tal como a escravatura, que teve uma sucessão de leis, até a do
ventre livre e a da abolição, também a abolição da escravatura animal passa por
etapas sucessivas e crescentes, por ondas de consciência social e de
sensibilização e empatia. É preciso aprimorar as leis sobre o tema.
Nos parlamentos, tramitam
dezenas de projetos referentes a animais
com temas tais como o uso de animais em espetáculos e pesquisas cientificas,
leis e código de proteção e defesa de
animais, na esteira da crescente sensibilidade para com o bem estar animal e
para com os direitos das pessoas não humanas.
[1] Entrevista a Eliane Brum, Diálogos sobre o fim do mundo, publicada no El País em 29-9-2014
http://brasil.elpais.com/brasil/2014/09/29/opinion/1412000283_365191.htmla
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