Adaptar-se à onda e saber surfar nela.
Maurício Andrés Ribeiro
A
capacidade de adaptação é vital para a sobrevivência de um ser vivo no seu ambiente. Ela exige
compreender as condições do contexto e encontrar a melhor maneira de evitar os
riscos presentes no ambiente.
As
mudanças ambientais exigem adaptações. As espécies que não se adaptam tendem a
se extinguir ou a sofrer perdas populacionais. Observou o físico e jornalista Flávio
de Carvalho Serpa[1]
que “Sobrevive o mais adaptado. A natureza não distingue entre o bem e o mal. A
humanidade é a única que tem a ética e honestidade como fator seletivo, o que é
bom.” A ética é constituída pelos princípios que regem os costumes e hábitos e
propiciam a arte e os benefícios da convivência.
Para
se adaptar é preciso estar alerta, atento às instabilidades, às rápidas variações do dia a dia e ajustar sua rotina ao contexto do
momento. Um surfista hábil se movimenta
conforme a onda e todas as variações que
ela oferece. Se ele vacila, pode se machucar ou coloca em risco a própria vida.
A grande onda da pandemia exigiu a habilidade
de um bom surfista.
Na
adaptação se vive cada momento e cada dia, e se renuncia a planos de médio e
longo prazos pois o futuro torna-se imprevisível. Muita gente precisou
reprogramar viagens ao avaliar que os riscos associados a elas eram maiores do
que os benefícios e precisou ter paciência e esperar a vinda de uma vacina ou
que passasse o pico de contaminações. A adaptação exige criatividade para
formular respostas inovadoras aos desafios. Exige informações e dados para
monitorar na sintonia fina, por exemplo, como a pandemia se espalha e desenhar
as táticas adequadas para lidar com ela.
Para
se adaptar é necessário compreender as mudanças e aceitar que elas são
inevitáveis. Uma certa resignação é pré-requisito para se dispor a mudar. Nesse
ponto os brasileiros com o seu jeitinho e os indianos com o seu jugaad estão
bem equipados comportamentalmente para a adaptação, que exige capacidade de
improvisação, aceitando o inesperado como parte da vida.
Visões
controversas nas narrativas sobre a realidade propõem maneiras distintas de
lidar com ela. Nesta pandemia governos propuseram ações que iam de um lockdown
ou fechamento completo e radical, e outros não impuseram qualquer restrição e
deixaram a critério dos indivíduos tomar a decisão que lhes parecesse mais correta.
Por ser um evento inesperado, houve experimentações, tentativas e erros e
aprendizagem com aproximações sucessivas no modo de lidar com ela.
Há
aqueles que negam, resistem a se dobrar aos fatos e a aceitar que mudanças são
necessárias, seja por ignorância, por conservadorismo e horror às mudanças ou
por incapacidade de ter respostas a dar às novas situações.
Para
reduzir ansiedade e estresse e reduzir os custos das demandas extra que deverão
atender, planos de saúde e empresas de seguros divulgaram dicas para a
adaptação do modo de vida durante a pandemia.
O homem é produto do meio, que por sua vez é produto do homem. O ser humano, dentro de certos limites, tem a capacidade de influir sobre o ambiente e de moldá-lo conforme suas necessidades. As paisagens produzidas ou influenciadas pelo ser humano tornam-se cada vez mais frequentes no planeta. Mas somos também aprendizes de feiticeiros: algumas das experimentações que fazemos geram efeitos colaterais imprevistos que se voltam contra nós como bumerangues. A adaptação a uma nova situação pode ser passageira e volta-se ao estado anterior quando a emergência passar, ou pode ser duradoura, quando essa mudança perdura por longo tempo. Na medida em que a pandemia se alonga no tempo novos hábitos e táticas precisam se incorporar às rotinas e não se pode baixar a guarda.
Antes da pandemia convivíamos
com vários hábitos e, bem ou mal, nos adaptávamos a eles. Assim por exemplo, consumismo, viajismo, carnivorismo são
hábitos ecologicamente destrutivos que causam danos ambientais. A pandemia impôs um freio . e eles serão superados
quando a sociedade desenvolver a vontade e os meios para deixá-los para trás. Quando
se tornarem psicologicamente impossíveis, desaparecerão.
Adaptar-se a um ambiente
doente pode levar a uma doença deformadora, a normose, que Jean Yves Leloup, Pierre Weil
e Roberto Crema definem como “o conjunto de normas, conceitos, valores,
estereótipos, hábitos de pensar ou de agir aprovados por um consenso ou pela
maioria de uma população e que levam a sofrimentos, doenças ou mortes. São
patogênicos ou letais, e são executados sem que os seus atores tenham
consciência desta natureza patológica, isto é, são de natureza inconsciente. As
normoses são estágios ainda não percebidos pela sociedade como doenças, tais
como as neuroses ou psicoses.”
Outras normoses ainda não
devidamente reconhecidas coletivamente são os modelos mentais como o especismo,
que discrimina a espécie humana entre as
demais, influencia nos comportamentos insensíveis que prevalecem na sociedade e
está na origem de pandemias quando se consomem animais silvestres ou se
destroem seus habitats naturais.
Numa sociedade convive-se
com injustiças sociais e econômicas, com situações que geram poluições
ambientais e afetam a saúde individual e coletiva. Por insensibilidade,
anestesia, enrijecimento, ou conformismo fecha-se os olhos para tais questões.
A superação das normoses se inicia com a tomada de consciência de cada pessoa
que, quando desperta, deixa de se deixar levar por comportamentos imitativos,
automaticamente. A partir dessa
autocritica e capacidade de discernimento avolumam-se críticas a tais hábitos. A
renúncia a tais normoses pode ser uma estratégia para reduzir os riscos de
ocorrência de novas pandemias.
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