Cada curso d’agua tem seu leito normal e seu leito de inundação, que corresponde à faixa inundável quando vêm as chuvas mais fortes. No afã de aproveitar ao máximo os terrenos, durante muitos anos adotou-se a prática de drenar os fundos de vales e construir avenidas sanitárias ao longo deles. Não satisfeitos em eliminar as faixas de inundação os administradores urbanos, como o auxílio técnico de engenheiros e urbanistas, cobriram com asfalto e concreto os próprios córregos, riachos e ribeirões. Eles foram literalmente encaixotados. Essa abordagem, tinha, aos olhos de quem a praticava, a vantagem de tirar da vista e do convívio dos cidadãos os lugares úmidos, propícios a criação de mosquitos e ao despejo de todo tipo de resíduos. A avenida sanitária liberava terrenos para uso, ocupação e especulação imobiliária; eliminava áreas insalubres e propiciava novas pista de rolamento para veículos, nas cidades dominadas pelos automóveis.
Este tipo de solução cobra seu preço. Anos
depois, a impermeabilização das bacias hidrográficas
ocupadas por construções, asfalto e cimento, faz com que aumentem os volumes de
água que escorrem nas enxurradas e nas chuvas mais fortes. Os caixotes que
contêm os córregos não comportam a vazão de água aumentada e eles literalmente
estouram, extravasando as águas ali comprimidas e quebrando o concreto e o
asfalto. Fatos como esses tornaram-se comuns em várias cidades, provocando
prejuízos econômicos e mortes.
Essa concepção de
engenharia e de urbanização passou a ser contestada em muitas cidades em todo o
mundo e surgiu a tendência de renaturalizar os fundos de vales, devolvendo
essas faixas a seu estado natural, retirar concreto e asfalto e criar parques
lineares destinados ao lazer, à recreação e aos esportes.
Esse padrão urbanístico foi
utilizado em algumas cidades, antes que os vales fossem ocupados. No Brasil,
Curitiba, com seu urbanismo ecologicamente amigável, foi pioneira na criação de
parques lineares nos fundos de vales. Em
países de urbanização mais antiga e com alta densidade de população e
ocupacional, como o Japão, também se pratica esse urbanismo que preserva os
fundos de vales. As faixas verdes amortecem as cheias, abrigam temporariamente
os grandes volumes de água, são inundadas. Quando as águas se vão, reaparecem
os parques de lazer, esportes e recreação. Sem mortes, sem prejuízos
econômicos, respeitam-se as faixas marginais dos rios e seus leitos de
inundação. As águas agradecem, a cidade também.
Faixas de inundação são deixadas sem ocupação ao longo de vários
rios. Florença tem essas áreas ao longo do rio Arno. São João del Rey tem
faixas verdes no córrego do Lenheiro.
São João del Rey
Para isso acontecer é necessária
uma mudança de mentalidade e de padrão de engenharia urbana. Administradores
hidroconscientes implantam essas concepções. Engenheiros, urbanistas e
arquitetos hidroconscientes concebem os
projetos de renaturalização e os modos de colocá-los em prática. Empreiteiras acostumadas a propor obras caras
e ineficientes e a drenar recursos
públicos para tais soluções perdem espaços para empresas que propõem e
constroem soluções hidroconscientes. Os
cidadãos cansados dos desastres causados pelas chuvas nas cidades aprendem que
esse é um padrão adequado e cobram dos governos para que seja aplicado. Com
mudanças como estas, constroem-se as cidades
sensíveis à água.
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