segunda-feira, 14 de novembro de 2022

O CLIMA E A AVALIAÇÃO DE IMPACTOS DAS GUERRAS

                                                               Maurício Andrés Ribeiro (*)

 A guerra é a  atividade humana potencialmente mais degradante, devastadora do ambiente e emissora de gases do efeito  estufa. É a  atividade que tem a maior possibilidade de gerar conseqüências negativas e sofrimento para as pessoas e para o meio ambiente. “De uma maneira geral genocídio e ecocídio são gêmeos”, observa Ignacy Sachs.

As guerras  produzem vários impactos negativos sobre o ambiente natural, cultural e humano.


Figura – Efeitos ambientais da atividade bélica

 

O impacto ambiental negativo das guerras está presente em todo o ciclo de vida dos conflitos armados: da extração das matérias primas para a indústria de armamentos, passando pelo uso desses equipamentos, até a sua disposição final, constituída pelos resíduos atômicos, químicos e bacteriológicos. Isso sem falar nas conseqüências funestas dos atos de terrorismo ou nos impactos do uso de armas biológicas nas guerras convencionais como na possível propagação intencional do botulismo, da varíola e do antraz ou no desmatamento ocasionado pelo napalm e outras armas de guerra. O urânio usado nas balas contamina o ambiente com radioatividade e dissemina o câncer e outras doenças. A contaminação dos rios e a perda de potencial de uso do solo pela disseminação das minas terrestres, que mutilam pessoas e animais, ou o uso da bomba de nêutrons – a chamada “bomba capitalista”, porque destrói a população mas preserva o patrimônio material - , são exemplos da destrutividade e do potencial de devastação causados pelas atividades bélicas.

As atividades relacionadas à preparação e à realização das guerras – desde a extração de minerais para a produção dos armamentos e equipamentos bélicos, até a alimentação de tropas e  os eventos durante os conflitos emitem gases de efeito estufa e contribuem para o aquecimento global e os desequilíbrios climáticos. A organização que mais consome energia no mundo é o exército dos Estados Unidos, que gasta US$ 11 bilhões por ano. "No campo de batalha, 70% da tonelagem logística é consumida por combustíveis", observa Thomas Morehouse, do Instituto de Análise de Defesa.(matéria divulgada na Folha de São Paulo em 4-4-2007).

Da mesma forma que as guerras, também o preparo bélico  requer exercícios com tiros, minas, mísseis e torpedos, que explodem, destroem vegetação e paisagens naturais, poluem o solo e as águas e deterioram o meio ambiente. Trata-se de atividades intrinsecamente destrutivas e cujo objetivo é a destruição, que inclui a devastação e a degradação do meio ambiente.

O belicismo está na raiz da pressão sobre os recursos naturais, transformados pelo complexo acadêmico-industrial-militar em artefatos bélicos de alto potencial destrutivo. Proliferam hoje guerras regionais, guerras civis nacionais, atos de terrorismo como forma extrema de questionamento do poder político organizado. O emprego da força e da violência tem, ainda, custos psicológicos e subjetivos, prejudicando o desenvolvimento do ser humano integral devido ao ódio, aos ressentimentos, ao revanchismo, às vinganças e mágoas que desencadeiam.

As sociedades que cultivam a cultura da paz e que evitam envolver-se na corrida armamentista e em conflitos bélicos evitam emissões significativas de gases de efeito estufa e dão uma expressiva contribuição para evitar o agravamento das mudanças climáticas. 

A eliminação das guerras como formas de resolução de conflitos seria uma forma de reduzir as pressões sobre o ambiente e os impactos negativos das mudanças climáticas, Trata-se de um tema sobre o qual existe muito pouca informação e discussão pública.

Assim, já é chegado o momento de que os princípios, métodos e instrumentos utilizados para mitigar ou neutralizar os impactos negativos das demais atividades humanas tenham sua aplicação estendida à atividade da guerra. Procedimentos como as avaliações de impacto ambiental e o licenciamento ambiental deveriam ser objeto de pactos internacionais obrigatórios, visando ao bem da humanidade, sempre que esteja em jogo a possibilidade de realizar-se uma ação bélica potencialmente degradadora ou poluidora do ambiente. Isso ajudaria a  desenvolver a consciência global a respeito das conseqüências desse tipo de ação, com a cuidadosa avaliação prévia dos seus impactos. O licenciamento ambiental das guerras deveria contemplar, entre outros, os impactos bióticos, antrópicos e físicos desses eventos. Somente depois de detalhada e cuidadosa avaliação de riscos, elas deveriam ser matéria de discussão nacional e internacional. A aplicação rigorosa dos procedimentos de avaliação prévia de impactos ambientais às atividades bélicas poderia levar, no limite, à sua inviabilização, seja pelo exorbitante aumento de seus custos, que incluiriam os necessários recursos para recuperar a degradação que viessem a causar, seja pela conseqüente ampliação do tempo para a busca de consenso em torno a sua necessidade e para seu eventual preparo. Nessa fase, inclusive, poderiam e deveriam ser colocadas em prática todas as maneiras e técnicas diplomáticas e de mediação e resolução não-violenta de conflitos, com vistas a evitar os embates bélicos.

Essas idéias contêm um conteúdo utópico, considerando-se o momento histórico presente. Mas merecem ser consideradas, posto que todas as guerras constituem um fator destrutivo para  o clima, para o ambiente e para o ser humano.

As guerras só serão abolidas quando se tornarem psicologicamente intoleráveis, da mesma forma como a escravidão somente foi abolida quando tornou-se socialmente intolerável, além de economicamente desejável, já que a libertação dos escravos traria impacto altamente positivo para o mercado consumidor. 

Nesse contexto, o risco de degradação climática das guerras poderá tornar-se um fator adicional que acabará por levar à sua abolição como forma de resolver conflitos, num estágio mais avançado de evolução da espécie humana.


 

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