Maurício Andrés Ribeiro
No Brasil há milhares de reservatórios
de água construídos para a geração de
energia elétrica, o abastecimento humano, a
agricultura, a regularização de níveis dos rios, o despejo de resíduos
da mineração.
Os entornos de reservatórios, por sua
beleza cênica, tornam-se atrativos para o turismo o esporte e o lazer. Em
alguns reservatórios artificiais que geram energia hidroelétrica ou para
abastecimento, prefeituras e empreendedores privados investiram em portos,
cais, embarcadouros e infraestrutura de hospedagem. Entretanto, a operação de
usinas hidrelétricas por vezes exige rebaixamentos do nível da água, ocasiões
em que as margens retrocedem, inviabilizando o lazer e a recreação. As
atividades turísticas e de lazer que usam os lagos como balneários se ressentem
quando o nível é rebaixado, prejudicando a paisagem e a infraestrutura
turística. Multiplicam-se, então, conflitos entre os usos da água para o tempo
livre e os demais usos.
O maior conflito de usos no Brasil ocorreu
no lago de Furnas. O reservatório foi construído para a geração de energia
elétrica e, ao longo das décadas, as belezas cênicas no entorno do lago
atraíram investimentos em pousadas, hotéis, resorts e todo tipo de
infraestrutura de turismo e lazer. Tais atividades dependem da manutenção de
uma cota adequada e há prejuízos vultosos quando o nível da água decresce, para
atender a geração de energia elétrica nos anos de crise hídrica. Mais de um
milhão de pessoas no entorno do lago e muitos empreendimento econômicos,
situados em 50 municípios, sofrem quando
o reservatório se esvazia. Isso gerou um forte movimento a favor da manutenção
de uma cota e nível de água, que envolveu usuários, empreendedores, prefeitos,
políticos, o ministério público. Minas Gerais tombou o lago de Furnas em sua constituição estadual, com a previsão
da cota mínima de 762 acima do nível do
mar, para possibilitar o uso múltiplo das águas para geração de energia,
turismo, abastecimento humano e outros usos. O setor de energia elétrica
resistiu a essa determinação. Houve forte pressão política para manter essa
cota 762.
Um plano de contingência foi elaborado
para regular a operação do reservatório de modo a evitar o descumprimento da
legislação estadual. A agência reguladora propôs mecanismos de liberação
controlada de água que permitem maior armazenamento no período chuvoso, de modo
que no período seco a cota mínima não seja atingida. Por meio de restrições na operação dos reservatórios e de
planos de recuperação de reservatórios, pode-se compatibilizar a geração de
energia elétrica com os usos de turismo, lazer e recreação no lago.
Na fronteira entre o Rio Grande do Sul e
a Argentina está a maior queda d’água longitudinal do mundo, o Salto Yucumã. Nos
anos 1970 houve a tentativa de construir ali reservatórios para hidreletricidade,
mas esses projetos foram abandonados diante das leis que previam a proteção
desse patrimônio. A regra de operação da
Usina Hidrelétrica Foz do Chapecó prevê um limite de até 1 mil m3 por segundo
de vazão entre o meio-dia de sexta feira e o meio-dia de domingo. Isso permite
que o salto se torne visível nos finais de semana.
As praias no rio Tocantins, muito
frequentadas, sofriam os efeitos da operação de reservatórios que baixavam e
subiam os níveis do rio. Pactuou-se, para preservar o turismo e o lazer, que os
reservatórios do sistema hídrico do rio
Tocantins, entre
eles o de Serra da Mesa, seriam operados
de modo a não causar grandes variações de nível do rio, especialmente nos meses
de alta temporada de praias, entre junho a agosto. Desse modo se conciliou a
existência do turismo e lazer com a geração de energia elétrica.
Nas cataratas do Iguaçu, o reservatório
da Usina Hidrelétrica Baixo Iguaçu é
operado de modo a regular a vazão especialmente nos períodos de estiagem e
nos finais de semana, para não
prejudicar a atratividade turística daquele local. Há alguns anos as cataratas
volumosas se transformaram em filetes, no período de seca.
O uso da água para fins de culto
religioso pode implicar em mudar a operação de reservatórios para liberar água
que permita a navegação. Assim se evita o risco de encalhe das embarcações de
procissões religiosas, como no caso da procissão do Bom Jesus
de Piaçabuçu, em
Sergipe, no Rio São Francisco.
Atualmente, cresce a demanda social por
áreas de beleza natural para serem usufruídas durante as atividades no tempo
livre, como o turismo, o lazer e a recreação e os cultos religiosos. Isso tem
levado à maior proteção desses locais e a um esforço de compatibilização e
convivência entre essas atividades e outras ditas mais produtivas.
A
operação dos reservatórios é um instrumento que pode evitar ou prevenir os
riscos de conflitos quando acontece um período de seca mais rigorosa. A depender dos critérios
usados para operar os reservatórios,
podem acontecer conflitos entre os vários usuários. A retenção pode baixar o
nível do rio e inviabilizar a navegação; a liberação para gerar energia
elétrica pode prejudicar os usos de lazer e turismo.
Ela precisa ser regulada, liberando ou
retendo água, abrindo ou fechando as comportas por
questões de segurança, considerando os
múltiplos usos. Deve levar em conta, ainda, as perspectivas futuras, para que o
reservatório não seque quando acontece um período de seca ou de baixa
pluviosidade hipótese em que a crise hídrica deixa de ser apenas uma crise
energética para transformar-se numa crise de abastecimento mais ampla.
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