Maria Helena Andrés visitou o Japão em 1970,
durante a feira internacional de Osaka que celebrava o progresso e a harmonia
da humanidade. Impressionou-se com a tecnologia avançada, que coexistia com as
tradições zen e shintoista. Ela escreveu então:
“Através dos diversos “stands” o visitante toma conhecimento do que se passa no
mundo, do progresso tecnológico e da inventividade humana que se projetou
vertiginosamente no século XX. A
criatividade manifestou-se através da arte, da ciência e da técnica,
preenchendo a necessidade do homem de avançar para o futuro e descobrir novas
realidades. A riqueza da técnica aliava-se ao gosto estético de criar
beleza. Entre luzes e formas o mundo se
desenrolava, sintetizado e projetado nos diversos pavilhões. Estruturas
metálicas, tubos, torres e globos continham a síntese do progresso de cada
país. Havia uma aproximação dos povos, uma identificação de culturas.”
“Eu estava em plena fase dos astronautas
quando viajei para o Japão. Nos meus quadros daquela fase, eu pintara aqueles
objetos estranhos, brilhantes. Era o meu mundo imaginário que ali estava
exposto!”
Naquela viagem, Maria Helena visitou Kyoto e observou
sobre as crianças japonesas e sua disciplina: “As casas são limpas, não há
desordem, o espaço é livre sem móveis. A criança desenvolvida dentro desse
ambiente de ordem, cresce condicionada a uma estrutura que se revela através de
seu comportamento: atravessa a rua sozinha, mesmo que tenha pouca idade, e tem
iniciativas de adulto. Naturalmente, sua arte reflete este comportamento
disciplinado. A criança japonesa revela, nos desenhos, muita sensibilidade e
precocidade.”
Artistas japoneses
Ao buscar inspiração no Japão, a artista fez a trajetória
inversa à de pintores japoneses que migraram para o Brasil, tais como Tomie
Ohtake, Kazuo Wakabayashi, Tomoshige Kusuno e Manabu Mabe.
Seu abstracionismo lírico tem afinidade com a
obra desses artistas, na medida em que revelam a gramática icônica dos
japoneses, através da pintura gestual. Essa gramática é apropriada pela
publicidade ao conceber logomarcas e outros signos gráficos de forte apelo
comunicativo. Em sua autobiografia
(ver link http://www.imha.org.br/arquivos/Capitulo-5-Outras-Viagens-ao-Oriente.pdf ) há
um capítulo com vários textos sobre o Japão. Maria Helena estudou sobre
Tessai, Mariko Mori, e os artistas japoneses que imigraram para o Brasil e observou que: ”O Japão assimilou a civilização ocidental e, apesar de conservar
hábitos tradicionais, houve simultaneamente uma aceleração de seu progresso.
Perdura o culto às imagens na tradição dos templos budistas: águas jorrando das
fontes sagradas, nuvens de incenso e velas acesas…. Em Kyoto, os jardins de
pedras sem plantas, são despojados como a doutrina Zen. O Zen-budismo foi a
alma da arte japonesa.”
Em texto sobre a arte de Tessai, artista que
representou o Japão na VI Bienal de São Paulo, Maria Helena registrou que: “Suas telas
transmitiam a mensagem que só os grandes artistas conseguem comunicar.
Provocavam um suspense e uma alegria estranha. Suas cores transparentes não
reproduziam simplesmente a natureza. Ultrapassavam o conceito individualista da
arte para alcançar o campo mais vasto de arte para a humanidade.” “Tessai era um homem de vasto saber, afamado
mundialmente pelo seu humanismo e erudição. Entusiasta de viagens, aproveitou
todo o tempo disponível, desde a juventude até a velhice, para vaguear a pé
pelo Japão inteiro. Interessado em história, geografia e folclore, esteve
sempre em contato com a grandeza do cenário natural e treinou incessantemente
seus olhos para a melhor compreensão e percepção da realidade. Tessai atingiu o
apogeu de sua arte aos oitenta anos de idade, quando conseguiu, através da
luminosidade das cores e da transparência de tintas superpostas, chegar à
síntese dos processos da pintura oriental. Aliando suas experiências de vida
aos estudos teóricos, Tessai conseguiu transmitir em sua obra uma síntese de
cultura, arte, filosofia e religião. “ (Trecho do livro “Encontro com mestres
no oriente”)
Em texto sobre O SILÊNCIO DE BUDA a artista refletiu que “O Buda imenso medita, como meditam todos os budas de Kyoto. A atitude é
serena, desligada do mundo e de sua agitação. As linhas curvas da escultura,
despojadas de sentimentalismo, procuram a harmonia universal. Buda significa o
Iluminado, aquele que está liberto da ignorância. A arte japonesa, que se faz
representar através da força mística dos Budas, é uma arte que alia a
tranquilidade à monumentalidade. Conduz ao eterno, levando o espírito a superar
a terra e suas narrativas históricas e regionais. Há serenidade no rosto, nas mãos, no ondulado
da túnica e em toda a atitude da figura. Há quietude mental como querem os
filósofos do Oriente. As linhas curvas, às vezes, lembram o Barroco. No
entanto, não procuram a agitação, mas o equilíbrio, não levam o espírito ao
sofrimento humano, à revolta, ao sentimentalismo, mas conduzem ao centro de
todas as coisas onde existe quietude e serenidade.”
“ Os artistas da China Antiga e do Japão
escreviam textos poéticos em suas telas de seda e usavam o mesmo pincel para
escrever letreiros ou cartazes. As cenas desenrolavam-se linearmente através
dos grandes painéis, como se a natureza, perdendo os limites de espaço captados
por nossa percepção, pudesse se desdobrar em tela panorâmica, revelando o
conjunto de várias paisagens. Árvores e folhagens obedeciam a um ritmo
caligráfico de intensidades variadas. As manchas sugeriam espaços indefinidos,
esfumaçados, cheios de nuvens. Os poemas acompanhavam o traçado das árvores e
dos rochedos, com a mesma sensibilidade do desenho. A letra integra-se à
paisagem, faz parte dela, não se destaca do conjunto como elemento dissonante.
A caligrafia oriental é por si mesma artística e sugeriu ao ocidente a pintura
de ação, o grafismo e o abstrato lírico.”
Meditação e zen
No texto sobre JARDINS DE MEDITAÇÃO E ARTE
JAPONESA, observou que “ O japonês
preserva cuidadosamente seus recantos de meditação. Esses são templos, onde a
natureza é o altar para o encontro com a eternidade. Na tranquilidade desses
jardins a alma recebe como benção o mistério nascido da terra. Em Kyoto, os
jardins de pedras sem plantas, são despojados como a doutrina Zen. O
Zen-Budismo foi a alma da arte japonesa. Essa escola de reflexão importada da
China expandiu-se também pelo Japão e exerceu sua influência sobre arquitetos,
urbanistas e artistas plásticos. Esses artistas pintavam em grandes rolos de 15
metros sobre papel ou seda. A identificação do homem com a natureza é expressa
através desses segmentos lineares, onde forma e espaço se equilibram em ritmo
sinuoso: rochedos e árvores retorcidas, montanhas em planos superpostos,
pintura de sonho e poesia, deixando entrever um pouco da Eternidade.”
Sobre a proporção do ser humano na paisagem Maria Helena refletiu que “A filosofia Zen
ordenou sugerir e não demonstrar. O homem desaparece dentro da paisagem. A
natureza que o antecipou continua, em seu silêncio, a superá-lo. O homem vive,
cresce e morre. A montanha resiste, afronta tempestades, ventanias e às vezes
terremotos, mas só uma energia muito forte consegue derrubá-la. Talvez, por
isso mesmo, suas pinturas emocionem tanto o homem receptivo à Realidade
Espiritual. Foram feitas por monges budistas dedicados à meditação. Não
procuram refletir cenas realistas, mas a Eternidade das coisas.”
“Enquanto o mundo ocidental preocupava-se com o homem, e o renascimento
rendia-lhe verdadeiro culto como centro do universo, o Oriente silenciosamente
engrandecia a natureza. As grandes paisagens, em rolos enormes, dos museus de
Kyoto e Tóquio, são testemunhas de uma arte sempre renovadora. De sua
influência sobre o Ocidente nasceu a pintura abstrata informal.”
A grande onda de Kanagawa - Mestre Hokusai
Influência japonesa na arte de Maria Helena
Andrés
A influência japonesa na arte de Maria Helena
Andrés se mostra de três maneiras: na iconografia da pintura abstrata informal;
na inclusão da escala cósmica em suas pinturas, colocando o ser humano em
proporção diminuta diante da natureza e dos
cosmos; e na busca da essência e da unidade espiritual.
No Japão, a artista absorveu a essência da cultura
zen, de sua caligrafia e iconografia que buscam a essência do gesto livre, para além das aparências físicas visíveis.
Desenhos de MHA sobre papel
A influência da caligrafia japonesa está presente na logomarca do Instituto Maria Helena Andrés, criado em 2005. Essa logomarca identifica ao mesmo tempo os traços da artista e sua assinatura.
Esse pioneirismo de Maria Helena Andrés na aproximação com o Japão seguiu um pensamento semelhante ao do crítico de arte Mário Pedrosa que, ao retornar de uma viagem feita ao Japão, redigiu o ensaio denominado “ A caligrafia sino-japonesa moderna e a arte abstrata no Ocidente”, na qual revela ter encontrado respaldo para discorrer sobre a pintura informal ou lírica. Em uma sequência de matérias publicadas no Jornal do Brasil, em 1959, Pedrosa afirmava: ”toda a arte chinesa, e mesmo a japonesa é iconográfica, isto é, feita em função de uma ideia ou símbolo”
.
Nenhum comentário:
Postar um comentário