terça-feira, 13 de agosto de 2024

Maria Helena Andrés e o Japão

Maria Helena Andrés visitou o Japão em 1970, durante a feira internacional de Osaka que celebrava o progresso e a harmonia da humanidade. Impressionou-se com a tecnologia avançada, que coexistia com as tradições zen e shintoista. Ela escreveu então: “Através dos diversos “stands” o visitante toma conhecimento do que se passa no mundo, do progresso tecnológico e da inventividade humana que se projetou vertiginosamente no século XX.  A criatividade manifestou-se através da arte, da ciência e da técnica, preenchendo a necessidade do homem de avançar para o futuro e descobrir novas realidades. A riqueza da técnica aliava-se ao gosto estético de criar beleza.  Entre luzes e formas o mundo se desenrolava, sintetizado e projetado nos diversos pavilhões. Estruturas metálicas, tubos, torres e globos continham a síntese do progresso de cada país. Havia uma aproximação dos povos, uma identificação de culturas.”

“Eu estava em plena fase dos astronautas quando viajei para o Japão. Nos meus quadros daquela fase, eu pintara aqueles objetos estranhos, brilhantes. Era o meu mundo imaginário que ali estava exposto!”

Naquela viagem, Maria Helena visitou Kyoto e observou sobre as crianças japonesas e sua disciplina:           “As casas são limpas, não há desordem, o espaço é livre sem móveis. A criança desenvolvida dentro desse ambiente de ordem, cresce condicionada a uma estrutura que se revela através de seu comportamento: atravessa a rua sozinha, mesmo que tenha pouca idade, e tem iniciativas de adulto. Naturalmente, sua arte reflete este comportamento disciplinado. A criança japonesa revela, nos desenhos, muita sensibilidade e precocidade.”

Artistas japoneses

Ao buscar inspiração no Japão, a artista fez a trajetória inversa à de pintores japoneses que migraram para o Brasil, tais como Tomie Ohtake, Kazuo Wakabayashi, Tomoshige Kusuno e Manabu Mabe.

Seu abstracionismo lírico tem afinidade com a obra desses artistas, na medida em que revelam a gramática icônica dos japoneses, através da pintura gestual. Essa gramática é apropriada pela publicidade ao conceber logomarcas e outros signos gráficos de forte apelo comunicativo.      Em sua autobiografia (ver link http://www.imha.org.br/arquivos/Capitulo-5-Outras-Viagens-ao-Oriente.pdf )  há um capítulo com vários textos sobre o Japão. Maria Helena estudou sobre Tessai, Mariko Mori, e os artistas japoneses que imigraram para o Brasil e observou que: ”O Japão assimilou a civilização ocidental e, apesar de conservar hábitos tradicionais, houve simultaneamente uma aceleração de seu progresso. Perdura o culto às imagens na tradição dos templos budistas: águas jorrando das fontes sagradas, nuvens de incenso e velas acesas…. Em Kyoto, os jardins de pedras sem plantas, são despojados como a doutrina Zen. O Zen-budismo foi a alma da arte japonesa.”

Em texto sobre a arte de Tessai, artista que representou o Japão na VI Bienal de São Paulo, Maria Helena registrou que: “Suas telas transmitiam a mensagem que só os grandes artistas conseguem comunicar. Provocavam um suspense e uma alegria estranha. Suas cores transparentes não reproduziam simplesmente a natureza. Ultrapassavam o conceito individualista da arte para alcançar o campo mais vasto de arte para a humanidade.”  “Tessai era um homem de vasto saber, afamado mundialmente pelo seu humanismo e erudição. Entusiasta de viagens, aproveitou todo o tempo disponível, desde a juventude até a velhice, para vaguear a pé pelo Japão inteiro. Interessado em história, geografia e folclore, esteve sempre em contato com a grandeza do cenário natural e treinou incessantemente seus olhos para a melhor compreensão e percepção da realidade. Tessai atingiu o apogeu de sua arte aos oitenta anos de idade, quando conseguiu, através da luminosidade das cores e da transparência de tintas superpostas, chegar à síntese dos processos da pintura oriental. Aliando suas experiências de vida aos estudos teóricos, Tessai conseguiu transmitir em sua obra uma síntese de cultura, arte, filosofia e religião. “ (Trecho do livro “Encontro com mestres no oriente”)

Em texto sobre O SILÊNCIO DE BUDA a artista refletiu que “O Buda imenso medita, como meditam todos os budas de Kyoto. A atitude é serena, desligada do mundo e de sua agitação. As linhas curvas da escultura, despojadas de sentimentalismo, procuram a harmonia universal. Buda significa o Iluminado, aquele que está liberto da ignorância. A arte japonesa, que se faz representar através da força mística dos Budas, é uma arte que alia a tranquilidade à monumentalidade. Conduz ao eterno, levando o espírito a superar a terra e suas narrativas históricas e regionais.  Há serenidade no rosto, nas mãos, no ondulado da túnica e em toda a atitude da figura. Há quietude mental como querem os filósofos do Oriente. As linhas curvas, às vezes, lembram o Barroco. No entanto, não procuram a agitação, mas o equilíbrio, não levam o espírito ao sofrimento humano, à revolta, ao sentimentalismo, mas conduzem ao centro de todas as coisas onde existe quietude e serenidade.”         

“ Os artistas da China Antiga e do Japão escreviam textos poéticos em suas telas de seda e usavam o mesmo pincel para escrever letreiros ou cartazes. As cenas desenrolavam-se linearmente através dos grandes painéis, como se a natureza, perdendo os limites de espaço captados por nossa percepção, pudesse se desdobrar em tela panorâmica, revelando o conjunto de várias paisagens. Árvores e folhagens obedeciam a um ritmo caligráfico de intensidades variadas. As manchas sugeriam espaços indefinidos, esfumaçados, cheios de nuvens. Os poemas acompanhavam o traçado das árvores e dos rochedos, com a mesma sensibilidade do desenho. A letra integra-se à paisagem, faz parte dela, não se destaca do conjunto como elemento dissonante. A caligrafia oriental é por si mesma artística e sugeriu ao ocidente a pintura de ação, o grafismo e o abstrato lírico.”

Meditação e zen

No texto sobre JARDINS DE MEDITAÇÃO E ARTE JAPONESA observou que “ O japonês preserva cuidadosamente seus recantos de meditação. Esses são templos, onde a natureza é o altar para o encontro com a eternidade. Na tranquilidade desses jardins a alma recebe como benção o mistério nascido da terra. Em Kyoto, os jardins de pedras sem plantas, são despojados como a doutrina Zen. O Zen-Budismo foi a alma da arte japonesa. Essa escola de reflexão importada da China expandiu-se também pelo Japão e exerceu sua influência sobre arquitetos, urbanistas e artistas plásticos. Esses artistas pintavam em grandes rolos de 15 metros sobre papel ou seda. A identificação do homem com a natureza é expressa através desses segmentos lineares, onde forma e espaço se equilibram em ritmo sinuoso: rochedos e árvores retorcidas, montanhas em planos superpostos, pintura de sonho e poesia, deixando entrever um pouco da Eternidade.”

Sobre a proporção do ser humano na paisagem Maria Helena refletiu que   “A filosofia Zen ordenou sugerir e não demonstrar. O homem desaparece dentro da paisagem. A natureza que o antecipou continua, em seu silêncio, a superá-lo. O homem vive, cresce e morre. A montanha resiste, afronta tempestades, ventanias e às vezes terremotos, mas só uma energia muito forte consegue derrubá-la. Talvez, por isso mesmo, suas pinturas emocionem tanto o homem receptivo à Realidade Espiritual. Foram feitas por monges budistas dedicados à meditação. Não procuram refletir cenas realistas, mas a Eternidade das coisas.”

          “Enquanto o mundo ocidental preocupava-se com o homem, e o renascimento rendia-lhe verdadeiro culto como centro do universo, o Oriente silenciosamente engrandecia a natureza. As grandes paisagens, em rolos enormes, dos museus de Kyoto e Tóquio, são testemunhas de uma arte sempre renovadora. De sua influência sobre o Ocidente nasceu a pintura abstrata informal.”


A grande onda de Kanagawa - Mestre Hokusai

 Influência japonesa na arte de Maria Helena Andrés

A influência japonesa na arte de Maria Helena Andrés se mostra de três maneiras: na iconografia da pintura abstrata informal; na inclusão da escala cósmica em suas pinturas, colocando o ser humano em proporção diminuta diante da natureza e dos  cosmos; e na busca da essência e da unidade espiritual.

No Japão, a artista absorveu a essência da cultura zen, de sua caligrafia e iconografia que buscam a essência do gesto livre, para além das aparências físicas visíveis.






Desenhos de MHA sobre papel

 



 




 

A  influência da caligrafia japonesa está presente na logomarca do Instituto Maria Helena Andrés, criado em 2005. Essa logomarca identifica ao mesmo tempo os traços da artista e sua assinatura.



Esse pioneirismo de Maria Helena Andrés na aproximação com o Japão  seguiu um pensamento semelhante ao do crítico de arte Mário Pedrosa que, ao retornar de uma viagem feita ao Japão, redigiu o ensaio denominado “ A caligrafia sino-japonesa moderna e a arte abstrata no Ocidente”, na qual revela ter encontrado respaldo para discorrer sobre a pintura informal ou lírica. Em uma sequência de matérias publicadas no Jornal do Brasil, em 1959, Pedrosa afirmava: ”toda a arte chinesa, e mesmo a japonesa é iconográfica, isto é, feita em função de uma ideia ou símbolo”


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