quinta-feira, 28 de abril de 2016

Paz e ecologia integral




Em agosto de 1988 ao participarmos da XII Conferência da IPRA, no Hotel Glória, no Rio de Janeiro, Pierre Weil e eu escrevemos um artigo que foi publicado em 1990 na revista Thot intitulado “ A paz no espírito dos homens: o princípio básico da UNESCO está sendo esquecido. ” A UNESCO dá a dica para a valorização da ecologia interior, da paz consigo mesmo e do autoconhecimento. O preâmbulo da UNESCO adaptado para o campo da ecologia fica assim: “ Se a destruição da natureza nasce nos espíritos das pessoas humanas, é nos espíritos das pessoas humanas que devem ser erguidos os baluartes da preservação ambiental e da ética ecológica”. 
Examinamos como a dimensão da paz interior estava sendo esquecida nos programas de pesquisa e formação. Ali foram pioneiramente apresentadas as rodas da transmissão da arte de viver em paz, do processo global de destruição e do despertar da paz no espírito dos homens, posteriormente desenvolvidas por Pierre no seu livro sobre A Arte de viver em paz.
                                   
Revista Thot -página inicial do artigo “A Paz no Espírito dos Homens: o princípio básico da UNESCO está sendo esquecido.”


Figura: A transmissão da arte de viver em paz. Fonte: Weil e Ribeiro, Thoth,  1990.

O diagrama da arte de viver em paz distingue três grandes campos da ecologia: a da natureza, a ecologia social e a ecologia interior. A ecologia teve origem no campo das ciências biológicas e durante o século XX se expandiu para o campo das ciências sociais e para o campo das ciências da subjetividade. A ecologia integral inclui esses três grandes campos, sintetizados na roda da transmissão da arte de viver em paz e as três dimensões da ecologia e da consciência.
Observados em maior detalhe esses três grandes campos incluem inúmeros outros, cada qual com o corpo de conhecimentos a ele associado. O campo da ecologia da natureza se desdobra nas áreas da ecologia vegetal, animal, de comunidades, da paisagem, cósmica, magnética, planetária, energética. O campo da ecologia social se ramifica nas ecologias humana, cultural, política, urbana, industrial, econômica, jurídica, do trabalho. Por sua vez, o campo da ecologia interior se desdobra nas áreas da ecologia do ser, evolutiva humana, da consciência, dos saberes, informacional, da criatividade, mental, corporal, das emoções, sensorial, médica, profunda, transpessoal, espiritual e enfatiza o autoconhecimento (“Conhece-te a ti mesmo e conhecerás o universo e os deuses”, dizia o oraculo de Delfos). [1]
Pierre Weil desvendou mecanismos subjetivos e psicológicos e elaborou um método para se alcançar a paz com a natureza, social e consigo mesmo. Esse método é baseado no conhecimento das emoções, do corpo e da mente e no suposto de que a paz interior é fundamental para se alcançar a paz social e com a natureza. A partir da compreensão da unidade com o todo e da consciência ecológica, ele acreditava ser possível reverter os desequilíbrios e a destruição da paz.
Pierre Weil, com sua formação em psicologia e no retiro com os ensinamentos tibetanos, fortalecia a visão dos aspectos subjetivos e pessoais, psicológicos e da consciência. Ele contribuiu com a ecologia integral ao aprofundar-se na ecologia interior e na paz consigo mesmo, na forma de conceitos e de disseminação prática. Na teoria fundamental da UNIPAZ, ele expôs de forma didática os conhecimentos sobre a ecologia integral que aqui sintetizamos em meia página. Ali ele afirmava que “Todas as galáxias do universo são sistemas energéticos e que essa energia assume três formas inseparáveis: informática (mente), biologia (vida) e física (matéria); que o homem é parte integrante deste sistema energético, sendo feito de matéria (corpo), vida (emoções) e informática (mente) inseparáveis do todo. Em seguida ele se aprofunda nos aspectos subjetivos e da ecologia interior.  Constata que, na sua mente, o homem se separa do universo e cria a fantasia da separatividade (Homem-universo; Eu-mundo; Sujeito-objeto); que sua mente o separa da sociedade e da natureza e se esquece de que a natureza, sociedade e homem são inseparáveis. Mais ainda, a mente se considera separada da informática (consciência) do todo; a mente individual se considera separada da mente do universo (mentes que os hindus chamam de Atman e Brahman). O homem cria em sua mente a fantasia da separatividade, a fragmentação, o reducionismo; em sua vida, desenvolve emoções de apego, raiva, ciúme, orgulho, medo, depressão e em seu corpo sente fome, carências alimentares, tensões, respiração inadequada, doenças. Então, começa o processo da destruição da ecologia do ser quando se gera um paradigma de fragmentação; e porque se considera separado, gera emoções destrutivas no plano da vida, mais particularmente o apego e a possessividade de coisas, pessoas e ideias que lhe dão prazer; e por causa das emoções destrutivas surge o stress que destrói o equilíbrio do corpo. ” Ele explicava como o apego a algo gera o medo da perda e o medo da perda produz estresses e doenças de origem psicossomática.
Pierre e eu tivemos uma troca intelectual valiosa no campo das ecologias e da paz, e especialmente no terceiro grande campo que compõe a ecologia integral, o da ecologia interior, com seus aspectos subjetivos, psicológicos. Eu me interessava por esse campo desde que estudei na Índia. A cosmovisão indiana e sua concepção do ser humano como um ser em transição e da criança como uma alma em formação se abrem para a ecologia interior e da cultura de paz consigo mesmo.


[1] Para uma descrição mais detalhada de cerca de 30 campos das ciências ecológicas, ver o livro Ecologizar – volume 1, princípios para a ação, Editora Universa, 2009.

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