Da ação egoísta à eco-ação e daí ao serviço abnegado, seva. |
Maurício
Andrés Ribeiro
Manifestações de
egoísmo acontecem nas relações pessoais, amorosas, políticas, econômicas,
internacionais. O egoísta coloca em sua escala de
prioridades em primeiro lugar a si
próprio e seu bem estar pessoal. Nas relações amorosas o egoísmo se manifesta no apego e na
possessividade.
Na política, corporações
defendem interesses pontuais e
particularistas, seus privilégios e resistem a abrir mão deles. Os interesses dos demais segmentos e os interesses difusos ou
coletivos ficam em segundo plano.
Nas relações
econômicas a defesa intransigente do lucro, a ganância, a externalização de
custos para os demais e a internalização de benefícios são exemplos de
comportamentos egoístas.
Nas relações internacionais, querer colocar-se acima dos demais pode
levar a desastres, como aconteceu com a Alemanha nas guerras mundiais. Atualmente
uma imagem perturbadora eloquente do egoísmo são os cruzeiros de luxo no mar
Mediterrâneo que circulam indiferentes ao lado de boias com refugiados em busca
de sobrevivência e as cidades em que áreas miseráveis se justapõem a bairros
luxuosos. Sinais do egoísmo em defesa de
bens e riqueza são as limitações ao livre ir e vir com cercas eletrônicas, muros, arame
farpado, guardas, vigias.
Há quem argumente que o egoísmo é uma
característica fundamental dos genes dos seres vivos, como o biólogo Richard Dawkins em O Gene Egoísta
(1976); há quem, como Ayn Rand, apoia o
egoísmo racional e ético em que indivíduos voltados para o autointeresse podem
praticar ações que levam a benefício coletivo. Tais visões consideram o egoísmo
um fato da natureza ou o defendem como positivo.
Por outro lado, há quem proponha que o
ser humano é um ser em transição na
evolução e tem potencial para superar-se. Sri Aurobindo se insere nessa perspectiva. Ele propõe a renúncia
ao egoísmo da ação, a “rejeição dos
desejos da natureza vital, das sensações, paixões, egoísmo, orgulho,
arrogância, luxúria, inveja, ciúme, hostilidade a verdade, para que a força e a
alegria verdadeiras possam derramar-se de cima sobre um ser vital calmo, amplo,
forte e consagrado...”( 25 - 6-7)
Para ele o
ego impede se alcançar ao mesmo tempo
liberdade e igualdade: “Quando o ego busca
liberdade, ele chega ao individualismo competitivo. Quando ele objetiva a
igualdade, chega antes à disputa, e então a uma tentativa de ignorar as
variações da Natureza; como a única maneira de fazê-lo com sucesso, constrói
uma sociedade artificial e mecânica. Uma sociedade que persiga a liberdade como
seu ideal é incapaz de alcançar a igualdade; uma sociedade que mire na
igualdade será obrigada a sacrificar a liberdade.” (15-546). Mais longe ainda
fica a fraternidade pois “Para o ego,
falar de fraternidade é falar de algo contrário à sua natureza.”
A ignorância é por ele apontada quando se valoriza a parte
e se esquece do todo: “Somos infinitamente importantes para o Todo, mas para
nós o Todo é insignificante; apenas nós mesmos somos importantes para nós. Este
é o sinal da ignorância original que é a raiz do ego: ele só pode pensar
colocando-se como centro, como se fosse o Todo, e aceita daquilo que não é ele
mesmo só o tanto que é disposto mentalmente a admitir ou que os choques do seu
meio o forçam a reconhecer.” (Sri Aurobindo, A Vida Divina, Livro I, capítulo 9– O Puro
Existente)
“Quando
retiramos nosso olhar de sua preocupação egoísta com interesses limitados e
fugazes e consideramos o mundo com olhos desapaixonados e curiosos que buscam
apenas a Verdade, o primeiro resultado é a percepção de uma energia ilimitada de
existência infinita, movimento infinito, atividade infinita, que se derrama no
Espaço sem limites, no Tempo eterno, uma existência que ultrapassa
infinitamente nosso ego ou qualquer ego ou qualquer coletividade de egos, em
cuja balança as grandiosas criações de eras são apenas a poeira de um momento,
e em cuja soma incalculável inumeráveis miríades contam apenas como um enxame
insignificante.” (Sri Aurobindo, A Vida Divina, Livro I, capítulo 9– O Puro
Existente)
Há um longo
caminho a percorrer entre a realidade da vida como ela é hoje, em que o egoísmo
e o autointeresse imediato prevalecem, em que as questões da espiritualidade,
da fraternidade, da solidariedade são abstrações não realizadas, para uma situação
em que tais características venham a ser valorizadas.
A egoação
coloca os humanos acima, superiores,
orgulhosos diante das demais formas de vida, centrados nos interesses
particularistas.
Existem sinais
de que indivíduos conseguem superar seu egoísmo. A expansão da egoação para a eco-ação passa por várias escalas: primeiro,
aqueles a quem tem apego ou ama, como
filhos, família, amigos; mais
longe o interesse público e coletivo e mais distante ainda as considerações com
a natureza e com o todo.
A consciência
ecológica percebe a importância do cuidado com o ambiente para garantir o
próprio autointeresse da sobrevivência. A ética ecológica insere os humanos no contexto
das demais espécies vivas e propõe a eco-ação que valoriza os interesses
difusos coletivos. O egoísmo pode, então,
ser visto como uma forma de
infantilismo, de ignorância, de visão míope e imediatista, de noção estreita do
que seja o autointeresse.
Internacionalmente, sinais de posturas menos egoístas seriam a abolição
de passaportes e vistos, a adoção do federalismo mundial, a domesticação dos
fluxos e estoques de capital, a valorização da
espiritualidade que desperte e cultive
a centelha divina que existe dentro de cada um, que pode tornar cada
pessoa mais generosa e humilde.
Para além da ego
e da eco-ação há um degrau mais avançado
no caminho de dissolver o ego, os
desejos e as ações egoístas. Trata-se do seva, em que a ação é praticada como um serviço abnegado no qual se elimina o
autointeresse.
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