terça-feira, 9 de julho de 2019

Egoísmo e sua superação

Da ação egoísta à eco-ação e daí ao serviço abnegado, seva.

Maurício Andrés Ribeiro

Manifestações de egoísmo acontecem nas relações pessoais, amorosas, políticas, econômicas, internacionais. O egoísta coloca em sua escala de prioridades   em primeiro lugar a si próprio e seu bem estar pessoal. Nas relações amorosas o egoísmo se manifesta no apego e na possessividade.
Na política, corporações defendem  interesses pontuais e particularistas, seus privilégios  e  resistem a abrir mão deles.  Os interesses  dos demais segmentos e os interesses difusos ou coletivos ficam em segundo plano.  
Nas relações econômicas a defesa intransigente do lucro, a ganância, a externalização de custos para os demais e a internalização de benefícios são exemplos de comportamentos egoístas.
Nas relações internacionais, querer colocar-se acima dos demais pode levar a desastres, como aconteceu com a Alemanha nas guerras mundiais. Atualmente uma imagem perturbadora eloquente do egoísmo são os cruzeiros de luxo no mar Mediterrâneo que circulam indiferentes ao lado de boias com refugiados em busca de sobrevivência e as cidades em que áreas miseráveis se justapõem a bairros luxuosos. Sinais do egoísmo  em defesa de bens e riqueza são as limitações ao livre ir e vir  com cercas eletrônicas, muros, arame farpado,  guardas, vigias.
Há quem argumente que o egoísmo é uma característica fundamental dos genes dos seres vivos, como o biólogo  Richard Dawkins em O Gene Egoísta (1976); há quem, como Ayn Rand,  apoia o egoísmo racional e ético em que indivíduos voltados para o autointeresse podem praticar ações que levam a benefício coletivo. Tais visões consideram o egoísmo um fato da natureza ou o defendem como positivo.
Por outro lado, há quem proponha que o ser humano  é um ser em transição na evolução e tem potencial para superar-se. Sri Aurobindo  se insere nessa perspectiva. Ele propõe a renúncia ao egoísmo da ação, a “rejeição dos desejos da natureza vital, das sensações, paixões, egoísmo, orgulho, arrogância, luxúria, inveja, ciúme, hostilidade a verdade, para que a força e a alegria verdadeiras possam derramar-se de cima sobre um ser vital calmo, amplo, forte e consagrado...”( 25 - 6-7)
Para ele o ego  impede se alcançar ao mesmo tempo liberdade e igualdade: “Quando o ego busca liberdade, ele chega ao individualismo competitivo. Quando ele objetiva a igualdade, chega antes à disputa, e então a uma tentativa de ignorar as variações da Natureza; como a única maneira de fazê-lo com sucesso, constrói uma sociedade artificial e mecânica. Uma sociedade que persiga a liberdade como seu ideal é incapaz de alcançar a igualdade; uma sociedade que mire na igualdade será obrigada a sacrificar a liberdade.” (15-546). Mais longe ainda fica a fraternidade pois “Para o ego, falar de fraternidade é falar de algo contrário à sua natureza.”
 “Quando retiramos nosso olhar de sua preocupação egoísta com interesses limitados e fugazes e consideramos o mundo com olhos desapaixonados e curiosos que buscam apenas a Verdade, o primeiro resultado é a percepção de uma energia ilimitada de existência infinita, movimento infinito, atividade infinita, que se derrama no Espaço sem limites, no Tempo eterno, uma existência que ultrapassa infinitamente nosso ego ou qualquer ego ou qualquer coletividade de egos, em cuja balança as grandiosas criações de eras são apenas a poeira de um momento, e em cuja soma incalculável inumeráveis miríades contam apenas como um enxame insignificante.” (Sri Aurobindo, A Vida Divina, Livro I, capítulo 9– O Puro Existente)
Há um longo caminho a percorrer entre a realidade da vida como ela é hoje, em que o egoísmo e o autointeresse imediato prevalecem, em que as questões da espiritualidade, da fraternidade, da solidariedade são abstrações não realizadas, para uma situação em que tais características venham a ser valorizadas.
A egoação coloca  os humanos acima, superiores, orgulhosos diante das demais formas de vida, centrados nos interesses particularistas.  
Existem sinais de que indivíduos conseguem superar seu egoísmo. A expansão da egoação para a eco-ação passa por várias escalas: primeiro, aqueles a quem tem apego ou ama, como  filhos, família, amigos;  mais longe o interesse público e coletivo e mais distante ainda as considerações com a natureza e com o todo. 
A consciência ecológica percebe a importância do cuidado com o ambiente para garantir o próprio autointeresse da sobrevivência. A ética ecológica insere os humanos no contexto das demais espécies vivas e propõe a eco-ação que valoriza os interesses difusos coletivos. O egoísmo  pode, então,  ser visto como uma forma de infantilismo, de ignorância, de visão míope e imediatista, de noção estreita do que seja o autointeresse.
Internacionalmente, sinais de posturas menos egoístas seriam a abolição de passaportes e vistos, a adoção do federalismo mundial, a domesticação dos fluxos e estoques de capital, a valorização da  espiritualidade que  desperte e cultive a centelha divina que existe dentro de cada um, que pode tornar cada pessoa mais generosa e humilde.
Para além da ego e da eco-ação há um degrau mais  avançado no caminho de  dissolver o ego, os desejos e as ações egoístas. Trata-se do seva,  em que a ação é praticada como um  serviço abnegado no qual se elimina o autointeresse.

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