Maurício Andrés Ribeiro
Nas
últimas décadas houve um esvaziamento do campo e uma explosão demográfica nas
cidades. A atual pandemia fortalece a tendência inversa, de reruralização e desmetropolização.
Quem pode, sai da cidade grande e se refugia
no campo ou em pequenas cidades.
Com a pandemia deve se intensificar uma migração
reversa.
Intensificou-se o êxodo
das grandes cidades para o campo
e para pequenas e médias cidades.
Pessoas fogem da contaminação em busca de tranquilidade de bem estar, com mais
espaço para crianças e menos
aglomerações. A conexão virtual e
tecnológica viabiliza o teletrabalho. A pandemia está desgentrificando áreas
urbanas e gentrificando áreas rurais e pequenas cidades na Europa, na Inglaterra.
A pandemia e a crise econômica dela decorrente aceleraram
algumas tendências de mudanças nas cidades americanas e também no
Brasil. Famílias se mudam para periferias e zonas rurais menos caras e menos
adensadas, cortando custos e os riscos sanitários dos ambientes densos,
esvaziando os usos de parques, cinemas etc. devido aos maiores riscos sanitários
nesses locais. As cidades remotas atraem trabalhadores dispersos porem
conectados. Negócios imobiliários se
intensificam com o êxodo das
capitais e das metrópoles em busca de destinos com mais espaço e menor custo
de vida.
Ao mesmo tempo que os humanos se retiram dos
lugares, como os turistas numa
cidade
centenária tailandesa, os
macacos a ocupam.
Viver nas cidades tornou-se imprevisível. Com isso,
quem pode saiu delas para viver em casas no campo ou em pequenas cidades, menos
sujeitas a tais variações e imprevisibilidades. Ao
mesmo tempo, valorizou-se o paisagismo e a jardinagem para manter-se perto do
ambiente natural.
A pandemia acelerou o impulso para se reconectar com a
terra, para valorizar a agricultura familiar, para voltar a viver no meio rural e aprender sobre os vegetais, os animais e a água. Nossa
comida é também nossa medicina. A
agricultura urbana, domiciliar e familiar, orgânica deve se intensificar para gerar menos dependência de sistemas
de abastecimento de grande escala e distantes, produzir mais segurança
alimentar por meio da produção de alimentos junto ao local de consumo, em ciclos
e sistemas locais, além de trazer bem-estar
emocional. A
pandemia reforça a importância da agricultura familiar e da
soberania alimentar.
A FMI, FAO e órgãos de meio ambiente da Onu propõem sistemas alimentares sustentáveis que valorizem as produções locais e
regionais, dietas saudáveis com menor consumo de alimentos de origem
animal, a agricultura regenerativa, que
proteja os solos, a água e o ar, a
conservação de florestas e a redução da pecuária.
A pandemia ajuda
a impulsionar o projeto e a construção de casas
autônomas e
autossuficientes que produzem sua energia, agua e alimentos e que não dependem
das redes e sistemas de abastecimento externo, vulneráveis numa crise.
Nos anos 70
estudei, na Índia, uma das mais de 600 mil aldeias indianas (Kenchankuppe, em
Karnataka, perto de Bengaluru). Elas se
abastecem com água, energia, materiais de construção e alimentos das
redondezas, o que reduz a demanda por transportes de longa distância,
conservando energia e recursos naturais. As aldeias ficam a poucos quilômetros
umas das outras e formam uma rede territorial com relações econômicas e
sociais. Essa estrutura se formou ao longo da história e durou vasto período.
Ela obedece a um sofisticado padrão de aproveitamento dos recursos naturais, de
conservação do meio ambiente e de prevenção de epidemias. A sabedoria indiana
se expressa territorialmente no corpo dessa rede de aldeias interconectadas e que
têm seu próprio sistema de governança coletiva, os panchayats.
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Antena parabólica ao fundo conecta uma aldeia indiana com o mundo. Uma reded territorial se integra numa rede virtual eletrônica. |
Essa é uma base espacial para uma economia rural
sustentável que pode ser tomada como referência num mundo que precisa aprender
a conservar energia e combustíveis, preservar a qualidade do ambiente e se proteger de epidemias. Nesse sentido a
historia milenar indiana produziu um modo de organização territorial da população
inteligente. Esse é um padrão
de organização territorial que pode inspirar no Brasil a formação de uma rede de assentamentos com
menor impacto ambiental e menores riscos à saúde individual e pública.
Organizados e conectados regionalmente os milhares de municípios brasileiros
podem formar uma rede similar. No mundo tecnologizado atual, conectados também numa
rede virtual de comunicação pela internet que facilita a descentralização de trabalho,
cultura, educação.
Distribuir a população numa rede de pequenas e
médias cidades semi autossuficientes em água, energia, alimentos, materiais de
construção é um modo de organização da sociedade valioso para reduzir os riscos
de futuras pandemias. Fortalecer essa
rede é um modo de lidar preventivamente com as pandemias em sua relação com o urbanismo. Uma das
formas de prevenir novas pandemias pode
ser feita por meio da organização territorial.
Cada vez mais cidades atraem trabalhadores individuais, remotos com liberdade para morar em
qualquer lugar, desde que conectados. Eles escolhem onde querem viver de acordo
com seu bem estar e não com a localização de seus empregadores. Substitui-se a
estratégia de dar incentivos econômicos
para atrair empresas e passa-se a oferecer vantagens para atrair indivíduos que
já dispõem de emprego e renda.
A
pandemia acelera a desterritorialização num mundo virtual,
no qual as distâncias físicas perdem importância. As conexões sociais
para o trabalho, o estudo e a cultura, se estabelecem via internet e redes de
comunicação.
Hoje o grande
distanciamento social acontece entre quem está ou não está conectado, esteja
fisicamente próximo ou não.
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Auroville, cidade laboratório em que se testam modos de vida para o futuro. |
Além disso, viver no campo ou em pequenas cidades
reconecta crianças e adultos com a natureza e constitui um importante momento
pedagógico de desalienação ecológica e de compreensão dos ciclos e ritmos
naturais. Afastados dos apelos consumistas torna-se mais leve sua pegada ecológica, hídrica, de carbono, aliviando
assim os impactos que seus modos de vida provocam no ambiente.
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