Maurício Andrés Ribeiro
Por um lado, paralisou movimentos e os tornou mais
lentos. A vida fluiu mais devagar. Por outro lado, acelerou tendências e
processos rápidos que já se
manifestavam.
Durante as quarentenas, puxou-se um freio de arrumação. Reduziu-se o ritmo de atividades, esperando o
perigo passar. A sociedade hibernou como o urso, que economiza energia durante
o inverno. As quarentenas isolaram bilhões
de pessoas dentro de suas casas. Deram
uma pausa para reflexão.
O modo como se utiliza o tempo se alterou. Houve uma
desaceleração física, corporal e criou-se nova relação entre os cidadãos e o
ritmo de vida nas cidades. Os tempos gastos em deslocamentos casa-trabalho,
casa-escola, casa lazer foram eliminados
ou reduzidos. Em muitos casos, viagens cotidianas de ir e vir para o trabalho
foram reduzidas a apenas uma viagem de ida e uma de volta. Escalonar horários de atividades para evitar picos de
trânsito e congestionamentos foi uma maneira de lidar com os novos ritmos. A
semana de trabalho se comprimiu em dias
corridos e algumas empresas e países
propõem o trabalho em
ciclos de 4 dias da semana, o uso de turnos de trabalho com revezamento e permanência
de parte dos trabalhadores em home-office. Economizaram-se
com isso muitos quilômetros de deslocamento e muito tempo gasto com viagens, levando
a melhor qualidade de vida. O teletrabalho liberou tempo para si e para atividades que desejam exercer,
cansando-se menos em longas viagens e
deslocamentos. Intercalam-se com mais
flexibilidade e menos rigidez os períodos de trabalho e descanso quando se está
em casa.
O movimento da sanfona, abre e
fecha, fecha e abre, passa a regular os ritmos de funcionamento das cidades.
Como um vagalume que acende e apaga, estica e encolhe, movimentos pendulares rápidos tentam regular
a disseminação da doença. A ruptura de ritmo exigiu adaptações. A
velocidade de adaptação tornou-se chave para a sobrevivência e prosperidade de
um negócio ou atividade ou a sua morte.
O ritmo de fechamento e abertura de atividades
tornou-se incerto, em função da dinâmica da epidemia. Hoje pode-se
flexibilizar o funcionamento de uma
atividade, mas amanhã ela pode ser
fechada, caso os contágios se multipliquem.
Planos se evaporaram e passou-se a viver no aqui e agora,
um dia depois do outro, com
curtoprazismo, imediatismo, adaptações incrementais sucessivas. A
previsibilidade do futuro sumiu e uma densa neblina turva a visão de longa
distância. A velocidade de mudanças tornou-se exponencial em
comparação com a velocidade aritmética das mudanças prepandemia. A micro
gestão no dia a dia tornou-se imperativa, sem planos de curto médio ou longo
prazo.
Os períodos de férias também se transformaram. Ao invés de pequenos períodos
de férias salpicados durante o ano, a prudência recomenda reduzir o número de
viagens para lá e para cá, cada uma delas considerada como uma exposição
potencial ao risco de contrair a doença.
Assim, a sazonalidade do uso do
tempo anual se alterou reduzindo viagens, gastos de recursos naturais,
exposição a riscos.
Quem tem um celular ou um computador conectado à
internet acessa uma quantidade enorme de ofertas de programas culturais, artísticos,
religiosos, científicos, conversas e bate papos sobre temas variados. O tempo encolheu para tanta live e webinar. Diante
da onda de ofertas é preciso agendar o que ver, filtrar aquilo que é relevante,
montando uma agenda de prioridades que
caiba nas 24 horas do dia, 7 dias por semana.
A oferta de
eventos online se multiplica, com assuntos variados que expressam a
noodiversidade, em que cada tribo compartilha valores e informações com
aqueles que participam da mesma bolha. A
grande oferta de lives aumenta o padrão de exigência. Ao menor sinal de vacilo
dos participantes, pode-se mudar de canal ou desviar a atenção para outra
oferta que está à mão. Para aproveitar melhor o tempo adotou-se o modo multitarefas, assistir a um
vídeo e a um filme, trabalhar, ouvir música simultaneamente. Na tele
aprendizagem, multiatividades simultâneas multiplicam o aproveitamento do
limitado tempo disponível. A atenção é compartilhada, dividida, não
concentrada.
O isolamento abre tempo para a contemplação. |
Há mais tempo livre devido ao confinamento e
ao isolamento físico. A falta de atividades externas leva a introspecção e a
viagens para dentro de si, o que abre uma oportunidade para exercitar o autoconhecimento. A observação e
anotação sobre sonhos e suas conexões com os fatos do dia anterior, são
facilitadas pela liberação de tempos diários. Abre-se um tempo
de reflexão, de interiorização e estudo. Aprofunda-se em temas e pensamentos
que seriam inviáveis em tempos de correria. A pausa para reflexão e a
desaceleração de atividades externas permite atividade mental e emocional
intensa.
Há quem saiba
aproveitar tais períodos de isolamento para viajar para dentro de si em
autoconhecimento. Na prisão involuntária Graciliano Ramos escreveu suas Memórias
do cárcere e Sri Aurobindo escreveu suas Tales of prison life.
Depois disso, Sri Aurobindo se auto recolheu num quarto onde viveu as últimas
décadas de sua vida, escrevendo, em contato com poucas pessoas, meditando,
interferindo nos negócios do mundo à distância por meio da força de suas ideias.
Bem aproveitado, um período de confinamento, forçado ou voluntário, pode gerar produtos valiosos.
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