sexta-feira, 23 de outubro de 2020

Paciência durante a pandemia

 


 Quem perdeu a paciência  perdeu a batalha. (Gandhi)

 

Maurício Andrés Ribeiro

 

Em poucos meses a pandemia mudou ritmo de funcionamento do mundo.

Por um lado, paralisou movimentos e os tornou mais lentos. A vida fluiu mais devagar. Por outro lado, acelerou tendências e processos rápidos que já  se manifestavam.

Durante as quarentenas, puxou-se um freio de arrumação.  Reduziu-se o ritmo de atividades, esperando o perigo passar. A sociedade hibernou como o urso, que economiza energia durante o inverno. As  quarentenas isolaram bilhões de pessoas dentro de suas  casas. Deram uma pausa para reflexão.

O modo como se utiliza o tempo se alterou. Houve uma desaceleração física, corporal e criou-se nova relação entre os cidadãos e o ritmo de vida nas cidades. Os tempos gastos em deslocamentos casa-trabalho, casa-escola, casa lazer  foram eliminados ou reduzidos. Escalonar horários de atividades para evitar picos de trânsito e congestionamentos foi uma  maneira de lidar com os novos ritmos. A semana de trabalho se comprimiu em  dias corridos e algumas  empresas e países propuseram  o  trabalho em ciclos de 4 dias da semana, o uso de turnos de trabalho com revezamento e permanência de parte dos trabalhadores em home-office. Economizaram-se muitos quilômetros de deslocamento e muito tempo gasto com viagens, levando a melhor qualidade de vida. O teletrabalho liberou  tempo  para si e para atividades que se deseja exercer, cansando-se menos em longas viagens. Em muitos casos, viagens cotidianas de ir e vir para o trabalho foram reduzidas a apenas uma viagem semanal de ida e uma de volta. Intercalam-se  com mais flexibilidade e menos rigidez os períodos de trabalho e descanso quando se está em casa.

O movimento da sanfona, de abre e fecha,  passou a regular os ritmos de funcionamento das cidades. Como um vagalume que acende e apaga, estica e encolhe,  movimentos pendulares tentaram regular a disseminação da doença.  O ritmo de fechamento e abertura de atividades tornou-se incerto, em função da dinâmica da epidemia. Hoje pode-se flexibilizar  o funcionamento de uma atividade, mas amanhã ela pode  ser fechada, caso os contágios se multipliquem. 

A velocidade de adaptação aos  novos ritmos tornou-se chave para a sobrevivência e prosperidade de um negócio ou atividade ou a sua morte.

Planos se evaporaram e passou-se a viver no aqui  e agora, um dia depois do outro,  com curtoprazismo, imediatismo, adaptações incrementais sucessivas. A previsibilidade do futuro sumiu e uma neblina turva a visão de longa distância. Aplica-se a micro gestão no dia a dia, sem planos de curto médio ou longo prazo.

Os períodos de férias também  se transformaram. Ao invés de pequenos períodos de férias salpicados durante o ano, a prudência recomendou reduzir o número de viagens para lá e para cá, pois cada uma delas é uma exposição potencial ao risco de contrair a doença.  A  sazonalidade do uso do tempo anual se alterou, reduzindo viagens, gastos de recursos naturais, exposição a riscos.

Quem tem um celular ou um computador conectado à internet acessou uma quantidade enorme de ofertas  de programas culturais, artísticos, religiosos, científicos, conversas e bate papos sobre temas variados.  O tempo encolheu para tanta live e webinar. Diante da onda de ofertas foi necessário agendar o que ver, filtrar aquilo que é relevante, montar  uma agenda de prioridades que caiba nas 24 horas do dia, 7 dias por semana.

A oferta de eventos online se multiplicou, com assuntos variados que expressam a noodiversidade, em que cada tribo compartilha valores e informações com aqueles que participam da mesma bolha.  A grande oferta de lives aumentou o padrão de exigência. Ao menor sinal de vacilo dos participantes, pode-se mudar de canal ou desviar a atenção para outra oferta que está à mão. Para aproveitar melhor o tempo  adotou-se o modo multitarefas: assistir a um vídeo e a um filme, trabalhar, ouvir música simultaneamente. Na tele aprendizagem, multiatividades simultâneas multiplicam o aproveitamento do limitado tempo disponível. A atenção é compartilhada, dividida, não concentrada.

O coronavirus não é uma questão passageira; pode voltar em novas ondas e em surtos locais. Mesmo países em que se pensava terem contido a pandemia, surgem novos surtos e ondas de contágios  que exigem um alerta permanente. Ela tende a se estender no tempo e ser um teste de resistência e de paciência, como uma maratona de 42 km e não uma corrida rápida de 100 metros rasos.

Quando se prolongou a duração das quarentenas, o rigor com que eram cumpridos os distanciamentos físicos começou a se relaxar. Depois de dias, semanas, meses, houve um cansaço, a fadiga da quarentena. Perdeu-se a paciência e a prudência, os custos de ficar isolado tornaram-se altos. Surgiram protestos contra as medidas de quarentena e lockdown. Bares e praias e encheram de gente. O vírus encontrou ambientes favoráveis para se multiplicar. Prolongaram-se os picos das curvas de contaminação. Os leitos de UIT se encheram de pacientes. Os médicos e enfermeiras tiveram trabalho redobrado. A falta de paciência levou a morrer na praia.

Paciência é uma atitude valiosa para sobreviver à pandemia.


(*) ilustração Maria Helena Andrés

 

 

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