sexta-feira, 2 de outubro de 2020

Pandemia e cidades



Maurício Andrés Ribeiro

Nesses meses de quarentenas e lockdowns houve mudanças profundas nas cidades. As ruas se esvaziaram de carros, motos, ônibus, bicicletas e pedestres. Abriram-se oportunidades para  reduzir a dependência das cidades em relação aos carros. A redução  do uso de automóveis libera espaços de estacionamento que tem potencial para  se transformar em novas áreas de parques e praças. O questionamento dessa prioridade de conferir espaços aos automóveis acelerou-se. Por outro lado, em muitas cidades evitou-se o uso do transporte coletivo ou metrô devido ao  maior risco de contágio.

 Muitas casas tiveram seu uso adensado, com a transferência de escritórios para dentro de casa, com as atividades escolares à distância em casa, com o lazer e o entretenimento via TV, internet e redes sociais.

Milhões de metros quadrados construídos de espaço para escritórios nas cidades devem ficar  vazios, com a tendência de trabalho em casa e da mudança para cidades menores. Houve uma mudança nos  espaços do trabalho pois com a digitalização e o avanço tecnológico, várias empresas passaram a adotar a prática de contratar pessoas que vivam em qualquer lugar, desde que estejam bem conectadas à internet. Esvaziaram-se os grandes escritórios com a adoção do teletrabalho em casa.  Com a constatação de que  a produtividade do trabalho não se reduziu, o teletrabalho tende a se tornar permanente. No teletrabalho alteram-se as relações entre empregador e empregados e é necessário aumentar a confiança, reduzir a vigilância sobre o tempo e focar em propósitos e objetivos do trabalho para aumentar a motivação do trabalhador. O comércio  e os serviços à distância com entregas em casa se intensificaram e esvaziaram-se  as lojas físicas. Espaços  públicos em frente ao comércio passam a receber  essas atividades. Cabines transparentes foram instaladas em torno de mesas de restaurantes em Amsterdam, para isolar fisicamente as pessoas. Os espaços entre mesas nos restaurantes e bares precisam ser maiores e a densidade menor para evitar contágios. Instalaram-se bolhas para a prática de yoga no Canadá.

Shopping centers e malls em cidades americanas foram atingidos pela crise econômica e pelas mudanças nos modos de se fazer compras. Lojas tornam-se incapazes de pagar aluguéis e empréstimos bancários são renegociados judicialmente ou extrajudicialmente.  Os shoppings são adaptados para apartamentos, mesclados com lojas e espaços comunitários. Tornam-se minibairros com usos múltiplos, com vias  de pedestres internas e os espaços para automóveis ficam subterrâneos ou do lado de fora. O retrofit desses espaços para uso residencial pode dar-lhes algum uso e aliviar o déficit de moradias.  

Os usos dos espaços nas cidades se transformam.  Hotéis se esvaziaram, com a crise no turismo e nas viagens. Em algumas cidades passaram a ser usados como hospitais para atender à demanda de leitos. Alojamentos de turismo são convertidos em espaços residenciais, como em Lisboa.

Indústrias também fecharam ou reduziram seu ritmo de atividades.

Mudar os ritmos da cidade e aproximar casa-trabalho-comercio-cultura-lazer é uma proposta de urbanistas diante da pandemia. A cidade desejada se mede em tempo e não mais em espaço:  a meta é que todas as atividades se encontrem a curta distância e possam ser alcançadas pelo caminhante ou pelo ciclista. Nas cidades de 15 minutos  circula-se a pé junto a moradias o comercio, equipamentos públicos,  áreas verdes, escolas locais com as chamadas superilhas e  superblocos.

Um efeito colateral da pandemia foi  acelerar o debate sobre imóveis vazios ou subutilizados nas cidades.  Pergunta-se: por que tanta gente sem casa e tanta casa sem gente? Em Barcelona se recorreu a instrumentos que reconhecem a função social da propriedade e da infraestrutura urbana para lidar com os imóveis vazios. O governo local pressiona os proprietários de muitos imóveis a alugar rapidamente os apartamentos vazios. Caso não os aluguem rapidamente podem ser desapropriados por metade do preço de mercado para serem  cedidos a quem precisa de moradia. É uma intervenção no mercado imobiliário para resolver dois problemas ao mesmo tempo: dar um uso socialmente relevante a imóveis não utilizados em áreas com boa infraestrutura e mantidos como reserva para valorização e, ao mesmo tempo, aliviar o déficit de moradias. Em São Paulo pode-se vir a aumentar o valor do IPTU e depois de algum tempo o imóvel pode ser desapropriado por interesse público. Proprietários, prefeituras agentes imobiliários, movimentos sociais  e o judiciário são alguns dos atores envolvidos nesse tema. Um efeito colateral da pandemia foi a percepção sobre o futuro delas, seu fracasso ou sucesso e a necessidade de repensar a cidade e o urbanismo. Desenhar melhor as cidades com a consciência de que é possível melhorar a qualidade do ar e viver com um céu azul.  Não  deixar a cidade morrer  passou a ser uma meta,  reinventando espaços urbanos e dando respostas locais para transporte e moradia e reduzindo as crises nas cidades.

 

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