Nesses meses de quarentenas e
lockdowns houve mudanças profundas nas cidades. As ruas se esvaziaram de carros,
motos, ônibus, bicicletas e pedestres. Abriram-se oportunidades para reduzir a dependência das cidades em relação
aos carros.
A redução do uso de automóveis libera
espaços de estacionamento que tem potencial para se transformar em novas áreas de parques e
praças. O questionamento
dessa prioridade de conferir espaços aos automóveis acelerou-se. Por outro
lado, em muitas cidades evitou-se o uso do transporte coletivo ou metrô devido
ao maior risco de contágio.
Muitas casas tiveram seu uso adensado, com a
transferência de escritórios para dentro de casa, com as atividades escolares à
distância em casa, com o lazer e o entretenimento via TV, internet e redes
sociais.
Milhões de metros quadrados construídos de espaço
para escritórios nas cidades devem ficar
vazios, com a tendência de trabalho em casa e da mudança para cidades
menores. Houve uma mudança nos
espaços do trabalho pois com a digitalização e o avanço
tecnológico, várias empresas passaram a adotar a prática de contratar pessoas
que vivam em qualquer lugar, desde que estejam bem conectadas à internet. Esvaziaram-se
os grandes escritórios com a
adoção do teletrabalho em casa. Com a
constatação de que a produtividade
do trabalho não se reduziu,
o teletrabalho tende a se tornar permanente. No teletrabalho alteram-se
as relações entre empregador e empregados
e é necessário aumentar a confiança, reduzir a vigilância sobre o tempo e focar
em propósitos e objetivos do trabalho para aumentar a motivação do trabalhador.
O comércio e os serviços à distância com entregas em
casa se intensificaram e esvaziaram-se
as lojas físicas. Espaços públicos em frente ao comércio passam a receber essas atividades. Cabines transparentes foram instaladas em torno de mesas
de restaurantes em Amsterdam, para isolar fisicamente as pessoas. Os espaços entre mesas nos restaurantes e bares
precisam ser maiores e a densidade menor para evitar contágios. Instalaram-se bolhas
para a prática de yoga no Canadá.
Shopping centers e malls em cidades americanas foram atingidos
pela crise econômica e pelas mudanças nos modos de se fazer compras. Lojas
tornam-se incapazes de pagar aluguéis e empréstimos bancários são renegociados
judicialmente ou extrajudicialmente. Os shoppings são adaptados para apartamentos, mesclados com lojas e espaços
comunitários. Tornam-se minibairros com usos múltiplos, com vias de pedestres internas e os espaços para
automóveis ficam subterrâneos ou do lado de fora. O retrofit desses espaços para uso residencial pode dar-lhes algum uso e aliviar o déficit de moradias.
Os usos dos espaços nas cidades se transformam. Hotéis se
esvaziaram, com a crise no turismo e nas viagens. Em algumas cidades passaram a
ser usados como hospitais para atender à demanda de leitos. Alojamentos de
turismo são convertidos em espaços residenciais, como em Lisboa.
Indústrias
também fecharam ou reduziram seu ritmo de atividades.
Mudar os
ritmos da cidade e aproximar casa-trabalho-comercio-cultura-lazer é uma
proposta de urbanistas diante da pandemia. A cidade desejada se mede em tempo e
não mais em espaço: a meta é que todas
as atividades se encontrem a curta distância e possam ser alcançadas pelo
caminhante ou pelo ciclista.
Nas cidades de 15 minutos circula-se a pé junto a moradias o comercio,
equipamentos públicos, áreas verdes,
escolas locais com as chamadas
superilhas e superblocos.
Um efeito
colateral da pandemia foi acelerar
o debate sobre imóveis vazios ou subutilizados nas
cidades. Pergunta-se: por que tanta gente sem
casa e tanta casa sem gente? Em Barcelona se
recorreu a instrumentos que reconhecem a função social da propriedade e da
infraestrutura urbana para lidar com os imóveis vazios. O
governo local pressiona os proprietários de muitos
imóveis a alugar rapidamente os apartamentos vazios. Caso não os aluguem rapidamente podem ser desapropriados por metade do preço
de mercado para serem cedidos a quem
precisa de moradia. É uma intervenção no mercado imobiliário para resolver dois
problemas ao mesmo tempo: dar um uso socialmente relevante a imóveis não
utilizados em áreas com boa infraestrutura e mantidos como reserva para valorização
e, ao mesmo tempo, aliviar o déficit de moradias. Em São Paulo pode-se vir a aumentar
o valor do IPTU e depois de algum tempo o imóvel pode ser desapropriado por
interesse público. Proprietários, prefeituras agentes imobiliários, movimentos
sociais e o judiciário são alguns dos
atores envolvidos nesse tema. Um efeito colateral da pandemia foi a
percepção
sobre o futuro delas, seu fracasso
ou sucesso e a necessidade de repensar a cidade e o urbanismo. Desenhar melhor as cidades com a consciência de que é possível melhorar a qualidade do ar e viver com um céu
azul. Não
deixar a cidade morrer passou
a ser uma meta, reinventando espaços
urbanos e dando respostas locais para transporte e moradia e reduzindo as crises nas cidades.
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