segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

VOLUMES DAS ÁGUAS NO PLANETA


O planeta Terra pode ser visto como uma bola de fogo, com uma crosta sólida,  e uma fina camada superficial de água e ar. Nessa fina camada de ar e água evoluiu a biosfera, a esfera da vida e a noosfera, a esfera da consciência.

O manto, com 720 bilhões de km3, corresponde a 84% do volume total do planeta. Grande parte dele está em estado sólido, mas há partes em estado líquido ou semilíquido, o magma. O fogo que emerge nas erupções vulcânicas é parte desse magma. 

Figura: Félix Pharand-Deschênes. Concept: Adam Nieman.

A água corresponde a 0,1% do volume da terra, ou 1,4 bilhão de km3. O volume de ar corresponde a 4,2 bilhões de km3, ou seja, três vezes mais do que o volume de água. 

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Se a Terra tivesse o volume de uma bola de futebol,  o volume de água corresponderia a uma bola de tênis e o volume de água doce corresponderia a uma pequena bola de gude. Toda a água existente na Terra é como uma gota que pingou do cosmos.

A água no planeta está distribuída de forma desigual entre diferentes reservatórios, estados físicos e níveis de salinidade. Varia a proporção de águas superficiais, subterrâneas, na atmosfera e na biosfera, em estado líquido, sólido e gasoso e o volume  de águas doces, salobras e salinas.


Abaixo se mostra a proporção aproximada de águas com base em estudos científicos e dados de instituições como a UNESCO e o Serviço Geológico dos Estados Unidos- USGS.

Água Salina encontra-se nos oceanos e mares e é predominantemente líquida.

Água Salobra representa uma pequena fração, localizada em estuários e algumas zonas subterrâneas.

Água Doce se encontra em geleiras e calotas polares, principalmente em estado sólido, localizadas na Antártica, Groenlândia e montanhas altas. Encontra-se em estado líquido nos rios, lagos e aquíferos e uma parcela mínima se encontra em estado gasoso na atmosfera.

As águas subterrâneas encontram-se principalmente em estado líquido e incluem aquíferos de água doce e salobra.

Águas superficiais  estão em rios, lagos e pantanais. São predominantemente líquidas.

A água atmosférica, principalmente em estado gasoso (vapor d'água).

São as seguintes  as proporções de água no planeta:

  • Proporção Total de Água (Doce x Salina): A água salina domina com 97,5%, enquanto a água doce representa apenas 2,5% do total.

  • Distribuição da Água Doce: A maior parte está nas geleiras e calotas polares (68,7%), seguida por águas subterrâneas (30,1%) e uma pequena fração em águas superficiais e atmosféricas (1,2%).

  • Distribuição da Água por Estado Físico: A água está predominantemente em estado líquido (~97%), seguida por sólido (~2,8%, principalmente nas geleiras), e menos de 0,001% está em estado gasoso.

Tipos de Água Doce: Cerca de 30,1% da água doce é subterrânea, 0,8% está em águas superficiais, e 0,04% na atmosfera.

Água Total no Planeta: ~1.386.000.000 km³.

  • Oceanos (água salgada): ~1.338.000.000 km³ (~97,5%).

  • Água Doce: ~35.000.000 km³ (~2,5%).

    • Geleiras e calotas polares: ~24.000.000 km³ (~68,7% da água doce).

    • Águas subterrâneas: ~10.500.000 km³ (~30,1% da água doce).

    • Águas superficiais e atmosféricas: ~500.000 km³ (~1,2% da água doce).

Quantitativamente, é pequena a proporção de águas que se encontra na atmosfera. Entretanto, uma pequena variação em tal quantidade provoca fortes impactos sobre a vida humana. Assim, por exemplo, um ligeiro aumento na temperatura dos oceanos aumenta a evaporação, a presença de vapor d’água na atmosfera e a intensidade dos furacões e tempestades tropicais.


sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

INSTRUMENTOS PARA A GESTÃO INTEGRAL DO CICLO DA ÁGUA



Há inúmeros e variados instrumentos legais para a gestão integral do ciclo da água. 

A proteção das águas exige um quadro jurídico robusto que combine normas locais, nacionais e internacionais. A proteção das águas, seja no Brasil ou em outras partes do mundo, é regulada por uma série de instrumentos jurídicos que visam garantir o uso sustentável e a conservação dos recursos hídricos. Esses instrumentos variam de leis nacionais a tratados internacionais, e novos instrumentos podem ser criados para enfrentar os desafios contemporâneos relacionados à água. 

A criação de novos instrumentos jurídicos deve considerar a diversidade de contextos e as necessidades específicas de cada região, promovendo uma abordagem integrada que leve em conta a gestão sustentável, a justiça social e a preservação ambiental. Além disso, é fundamental garantir a fiscalização e a implementação eficaz dessas leis para que possam ter um impacto real e positivo na proteção das águas.

No Brasil, a Constituição Federal (1988) em seu Artigo 225 garante o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, incluindo a proteção das águas como um recurso essencial para a vida. No Artigo 20 define a água como um bem de domínio da União, dos estados e dos municípios, destacando a responsabilidade compartilhada pela gestão de recursos hídricos. Além da Lei de recursos hídricos (Lei nº 9.433/1997), existe a Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998) que define sanções para a poluição da água e outras infrações ambientais, promovendo a proteção das águas como um bem ambiental. No mundo há vários tratados e convenções, como a Convenção de Helsinque (1992) sobre a Proteção e o Uso de Cursos d' Água Transfronteiriços e Lagos Internacionais: ela estabelece princípios para a cooperação entre países que compartilham águas transfronteiriças, visando à gestão sustentável e à prevenção da poluição. Há a Convenção de Águas de 1997 da ONU sobre os Cursos de Água e os Lagos Internacionais. 

Podem ser sugeridos novos instrumentos jurídicos, como por exemplo tratados regionais de resiliência hídrica, que enfoquem a adaptação e resiliência das bacias hidrográficas às mudanças climáticas, promovendo cooperação entre países para a gestão compartilhada de recursos em situações de estresse hídrico.

Além disso, podem ser elaboradas leis que exigem que empresas de setores como mineração, indústria e agricultura adotem práticas rigorosas de gestão e tratamento de água para evitar a poluição e o desperdício. A tributação ecológica sobre o uso da água pode implementar impostos sobre o uso da água que aumentem proporcionalmente ao consumo, incentivando a eficiência e a conservação. O marco legal pode ser incrementado por meio da regulamentação para a proteção de águas subterrâneas, os instrumentos de participação pública, a certificação de sustentabilidade hídrica para empresas e práticas agrícolas que cumpram critérios de gestão eficiente da água, incentivando boas práticas e distinguindo iniciativas sustentáveis e leis de incentivo ao reuso.

É preciso articular e promover o uso combinado dos instrumentos das políticas nacionais de recursos hídricos, de saneamento básico, de desenvolvimento urbano, de mudanças do clima, de proteção ao patrimônio e  de meio ambiente, enre outras políticas intervenientes.  

Selecionamos alguns dos principais.

A política de recursos hídricos e a política ambiental dispõem de tipos de instrumentos correspondentes, que precisam ser aplicados articuladamente. O quadro abaixo os sintetiza.

TIPO DE INSTRUMENTO

Lei 6.938/81

Meio Ambiente

Lei 9.433/97

Recursos Hídricos

Padrões 

Padrões de qualidade ambiental

Enquadramento

Ordenamento Territorial

Zoneamento ambiental

Unidades de conservação

Plano Diretor de Recursos Hídricos 

Enquadramento 

Comando

&

Controle

Avaliação de impactos

Licenciamento Ambiental

Penalidades

Outorga de direitos de uso de recursos hídricos

Fiscalização

Instrumentos Econômicos

Incentivos à produção e instalação de equipamentos 

Cobrança pelo uso

Instrumentos Socioculturais, educacionais ou informacionais

Sistema de informações sobre meio ambiente, RQMA

Sistema de informações sobre Recursos Hídricos



  • plano diretor, leis de uso e ocupação do solo e zoneamento ecológico econômico - definem áreas de proteção de mananciais e evitam que áreas ecologicamente sensíveis sejam mal ocupadas.

  • criação de unidades de conservação - terras indígenas, parques, estações ecológicas e outras categorias de unidades de conservação que protegem a qualidade das águas;  proteção  de APPs.

  • tombamento - evita que rios e cursos d'água sejam utilizados para finalidades  poluidoras e que os degradem.

  • incentivos econômicos e pagamento por serviços ambientais - estimulam ações de conservação e proteção.

  • planos de mudança do clima - definem diretrizes que evitam eventos críticos de excesso e escassez de água.

  • monitoramento - prevenção de desastres climáticos, previsão hidrometeorológica.

  • inovações tecnológicas - programa de eficiência energética, de eficiência no uso da água, reuso da água; soluções baseadas na natureza para drenagem; hidrogênio verde - contribui para a descarbonização e para a redução de emissões de gases de efeito estufa. Pode-se utilizar uma combinação de tecnologias para fornecer uma base científica e factual para a tomada de decisões políticas, garantindo que as políticas públicas sejam baseadas em dados de monitoramento e modelos que incluam todos os componentes do ciclo da água.

  • educação e redução de demandas - mudanças de hábitos de consumo, que possibilitem economia de água.

  •  os sistemas de monitoramento e sensoriamento remoto por meio de satélites, drones, sensores terrestres e bóias oceânicas; a modelagem hidrológica e climática e as tecnologias de gestão inteligente de água. 

A combinação de sistemas de monitoramento, modelos preditivos e tecnologias de gestão inteligente pode desenvolver e implementar planos de resposta rápida a eventos extremos, como enchentes, secas e contaminação de água.

A lei n. 14.026 de 2020, do marco legal do saneamento, dispõe de cinco instrumentos:

  •  Normas de  Referência da ANA (Art. 25-A)

  • Alocação dos recursos da União (Art. 50)

  • Plano Nacional de Saneamento Básico - Plansab (Art. 52, I)

  • Planos regionais de saneamento básico (Art. 52, II)

  • Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento - SINISA (Art. 53)


A existência de tais instrumentos é necessária, porém insuficiente para se realizar tal gestão. É importante haver peritos capazes de operar com tais instrumentos e utilizá-los de forma combinada, articulando medidas de cunho econômico com outras de cunho educativo e cultural ou técnico.

É necessário haver a consciência de que tal gestão integral é necessária e a vontade coletiva e individual para colocá-la em prática.


POLÍTICAS INTERVENIENTES NA GESTÃO INTEGRAL DO CICLO DA ÁGUA

 

A gestão integral do ciclo da água exige a integração de diversas políticas públicas, devido ao fato de que o ciclo hidrológico está conectado a múltiplos setores e atividades humanas.  Algumas políticas intervenientes na gestão integral do ciclo das águas são as de:

  • recursos hídricos 

  •  saneamento básico

  •  meio ambiente  

  • saúde

  • patrimônio cultural 

  • desenvolvimento urbano

  • agricultura

  • transportes

  • energia 

  •  mudança do clima 

  • educação.

 

A gestão integral do ciclo das águas exige uma abordagem integrada que considere todos os componentes do ciclo hídrico e suas interações.  Essa abordagem holística permite uma melhor compreensão do comportamento do ciclo da água, o que, por sua vez, melhora a capacidade de responder a desafios climáticos e ambientais.

Uma dessas políticas é a ambiental. A política de patrimônio natural preserva e restaura os serviços ecossistêmicos que sustentam o ciclo hidrológico e dispõe de instrumentos para a proteção das águas, como o tombamento.

A política urbana minimiza os impactos do uso do solo  no ciclo da água, com o zoneamento para evitar ocupações em áreas de risco (ex.: margens de rios); infraestrutura verde urbana (ex.: jardins de chuva, telhados verdes, pavimentos permeáveis); o controle de impermeabilização do solo para promover a infiltração e reduzir enchentes e os sistemas de drenagem sustentável.

A política agrícola  promove a produção agrícola sustentável, reduzindo impactos no ciclo da água, com incentivo à adoção de práticas conservacionistas (ex.: plantio direto, terraceamento); controle do uso de agrotóxicos e fertilizantes para evitar contaminação de águas superficiais e subterrâneas; gestão eficiente da irrigação, com tecnologias de menor consumo hídrico; reflorestamento de áreas degradadas.

A política de transportes minimiza os impactos no ciclo da água causados por infraestruturas de transporte e por acidentes viários que poluem as águas.

A política energética integra a geração de energia ao gerenciamento dos recursos hídricos para finalidades múltiplas; planeja barragens e usinas hidrelétricas com mínimos impactos ambientais e sociais; incentiva a geração de energia renovável que consuma menos água (ex.: solar e eólica); gerencia o uso da água em termelétricas e indústrias.

 A política de saneamento expande sistemas de abastecimento de água e esgotamento sanitário; controla doenças relacionadas à água, como dengue e cólera. Faz campanhas de conscientização sobre a conservação da água e higiene; universaliza o tratamento de efluentes para reduzir a poluição hídrica; gerencia os resíduos sólidos para evitar contaminação de aquíferos e cursos d’água; monitora e mantém redes de esgoto e drenagem. A Lei de Saneamento Básico (Lei nº 11.445/2007) regula o fornecimento de água potável e o tratamento de esgoto, assegurando que esses serviços sejam prestados de forma adequada e com responsabilidade ambiental. 

A política de mudanças climáticas mitiga os impactos das mudanças climáticas no ciclo hidrológico; faz o planejamento hídrico para lidar com secas, enchentes e alterações no regime de chuvas; refloresta e restaura ecossistemas para aumentar a resiliência hídrica; incentiva a redução de emissões de gases de efeito estufa para estabilizar o ciclo climático. A lei sobre o clima dispõe de uma ampla e diversificada caixa de ferramentas.

Na política de educação se promove a conscientização sobre o uso sustentável da água e a importância do ciclo hidrológico e se dissolve a hidroalienação.

A política industrial estimula práticas de produção limpa e reuso de água em processos industriais.

Na política de turismo se gerencia o impacto do turismo em áreas sensíveis, como nascentes e zonas úmidas.

Na Defesa Civil se planeja e implementa ações de resposta a desastres relacionados com a  água, tais como enchentes e secas.

Uma gestão integral do ciclo da água requer a coordenação entre essas políticas, com governança colaborativa e planejamento integrado. Essa integração é essencial para garantir que as políticas se reforcem mutuamente e contribuam para a preservação e o equilíbrio do ciclo da água.


quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

A LEI BRASILEIRA DE RECURSOS HÍDRICOS

 


A lei brasileira de recursos hídricos,  no.9.433 de 8 de janeiro de 1997, tem vários méritos.

Adotou o espírito da democracia participativa. Deu voz e poder de decisão a representantes de usuários, governos, organizações civis de recursos hídricos e comunidades. Ela dispôs que os planos de recursos hídricos devem identificar potenciais conflitos pelo uso. Definiu um sistema de gerenciamento de recursos hídricos do qual participam conselhos de recursos hídricos,  comitês de bacia  e as agências, que são os motores executivos para impulsionar o sistema. Conferiu ao sistema de gerenciamento de recursos hídricos a missão de arbitrar administrativamente tais conflitos: em primeira instância, isso cabe aos comitês de bacia e em última instância ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos - CNRH. 


Nessas décadas de vigência da lei houve avanços na gestão. Muitos conflitos foram evitados, muito conhecimento foi produzido, multiplicaram-se as pessoas capacitadas para gerenciar os recursos hídricos. Implantaram-se conselhos e comitês; criaram-se órgãos gestores e agências reguladoras; aplicaram-se instrumentos de gestão; tornou-se prioritária a busca por segurança hídrica. 

Entretanto a lei tem  algumas limitações.

Historicamente, desde o Código de Águas de 1934, o tema era da alçada do setor elétrico, devido à importância da hidroeletricidade na matriz energética brasileira. A lei brasileira foi concebida num momento em que o usuário dominante era o setor elétrico. Na origem conceitual e no DNA da lei  9.433 há forte influência do setor elétrico. A lei traz a influência do pensamento e das práticas desse usuário. O Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica – DNAEE era responsável por cuidar do tema.  Para esse uso, o grande segmento de interesse é o curso médio dos rios onde há volume e quedas com potencial para gerar energia. Os trechos superiores e as nascentes em geral têm pouca água e nas zonas costeiras e estuarinas há poucas diferenças de altitudes para  gerar energia. As subterrâneas não são aproveitáveis para gerar energia e foram colocadas sob o domínio dos estados. A questão da qualidade é secundária para a geração de energia. Assim, a gestão dos recursos hídricos privilegiou aspectos ligados à parcela das águas utilizáveis na geração de energia. 

A legislação brasileira é diferente de outras legislações, como a europeia, por exemplo, que enfatiza a importância ecológica da água como um patrimônio a ser protegido.  As leis  no Brasil e na Europa  são bastantes diferentes em suas concepções. 

Na Europa, a Diretiva Quadro das águas foi aprovada no ano 2000 e enfatizava a meta de alcançar o bom estado ecológico das águas e a sua importância como patrimônio a ser protegido. 

Na União Europeia, o primeiro considerando da norma que estabelece um quadro de ação comunitária no domínio da política da água diz que “ A água não é um produto comercial como outro qualquer, mas um patrimônio que deve ser protegido, defendido e tratado como tal. ”


Características das leis das águas europeias

  • patrimônio hídrico 

  • proteção dos ecossistemas aquáticos

  • abordagem ecológica 

  • âmbito de aplicação abrangente

Outras limitações da lei brasileira são sua supervalorização dos aspectos econômicos, sua desconsideração para com  as águas na atmosfera, sua subvalorização do patrimônio ecológico, seu caráter pouco voltado para a proteção e a preservação. 

No Brasil, a Lei nº 9.433 explicita duas vezes que a água é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico, mas não explicita em nenhum momento que ela tenha valor ecológico. A legislação brasileira em nenhum dispositivo define o que são os recursos hídricos. A lei brasileira tem um viés utilitarista, ao considerar a água como um objeto, um insumo da produção econômica, um recurso ao qual se pode recorrer para atender a necessidades essenciais ou a demandas supérfluas da sociedade. As outorgas ou autorizações para uso das águas visam repartir esse recurso, crescentemente disputado para a produção agrícola, o abastecimento humano, a indústria, além de usos que não a consomem mas que influenciam na sua gestão, como a geração de energia e o transporte hidroviário

A lei menciona 174 vezes a palavra recurso. Por isso, a lei 9.433 pode ser chamada de lei de recursos hídricos, mas é impróprio chamá-la de lei das águas. Ela as concebeu como um recurso a ser utilizado e não como patrimônio de valor ecológico a ser, também, protegido. A lei não menciona uma única vez a palavra patrimônio, uma riqueza a ser cuidada. 
  

A visão utilitarista que está na sua origem ou DNA tem repercussões em toda a política e na gestão que  se faz baseada no texto legal.  Quando se deseja proteger um curso d’água como patrimônio é necessário recorrer a outras legislações, tais como os planos diretores e os macrozoneamentos de uso e ocupação do solo, na lei  urbanística, e o tombamento, na legislação relativa ao patrimônio cultural.

Para tornar-se efetivamente uma lei das águas, sua concepção precisaria ser ampliada para abranger as demais formas de presença da água nos oceanos e mares, nas nuvens, nos corpos vivos etc. O viés utilitarista da lei brasileira precisa ser contrabalançado com a ênfase no seu valor ecológico. Caso venha a se ecologizar a legislação brasileira de recursos hídricos, alterar o seu DNA e sua concepção ela poderá,  à maneira da Diretiva Quadro das águas europeia, valorizar seus aspectos ecológicos e de proteção do patrimônio. Poderá então ser chamada, corretamente,  de Lei das Águas.