segunda-feira, 8 de maio de 2017

Portugal e a cultura da água



Maurício Andrés Ribeiro
A expansão da consciência sobre a água em Portugal é estimulada por meio de museus, parques biológicos, oceanário e uma diversidade de equipamentos culturais e científicos de uso intenso.
Na Expo 98, Lisboa construiu um Oceanário que mostra que todos os oceanos são um só oceano. Junto a ele há uma cascata-escultura de água.  Há grandes aquários, locais de aprendizagem sobre as águas, onde crianças jovens e adultos se encantam com as belezas do mar. Exposições temporárias como aquela sobre Florestas submersas do planejador de paisagens hídricas (waterscaper) japonês Takashi Amano reforçam o ambiente de encantamento. Há programas de educação ambiental com sugestões de evitar o consumo de certas espécies de peixes para evitar sua extinção.

Escultura-cascata de água junto ao Oceanário
Parque biológico de Gaia
 Em Gaia o Parque Biológico completa 30 anos de existência. Criado e dirigido muito tempo por Nuno Gomes Oliveira (autor do livro sobre José Bonifácio de Andrada e Silva, primeiro ecologista de Portugal e do Brasil) ele é cortado pelo rio Febros, afluente do Douro.  Intensamente visitado por estudantes e outros públicos, nele se mostra como a agua no seu ambiente natural oferece habitat para diversas espécies. Um biorama mostra a evolução da vida, a história natural, dinossauros, em ambientes atrativos para a atenção de crianças, adolescentes e adultos. O parque integra tanto ambientes para a fauna e flora, como também valoriza o homem e suas atividades. Mostra as atividades humanas agrícolas que existiam na região: o espaço rural, os campos cultivados, os açudes, o uso da água na agricultura e como fonte de energia para mover moinhos e pilões para produzir o vinho.




Ambiente convidativo para fauna silvestre

Energia animal na atividade agrícola tradicional

Moinho tradicional movido a água.

Visitantes observam  a fauna discretamente.
Estudantes observam o canal de drenagem de água
Museu da água em Lisboa
Lisboa tem um Museu da Água do qual fazem parte aquedutos, estações elevatórias de águas, reservatórios, aquedutos subterrâneos.  O museu é mantido pela EPAL- Empresa Portuguesa de Águas Livres.
Numa sala na unidade central do museu sintetiza-se informações essenciais sobre a água no cosmos, no planeta, em Portugal.



 Além disso ele é um museu do saneamento da cidade. Apresenta maquetes como o sistema de abastecimento histórico e as maquinas que bombeavam agua para ser servida na cidade. Mostra os sistemas de abastecimento, as obras hídricas, aquedutos, reservatórios, chafarizes e estações de tratamento de agua e de esgoto.

Estação elevatória de água visitada por estudantes.


História do abastecimento de água  de Lisboa
Esses três exemplos evidenciam como museus, centros de cultura e parques são equipamentos centrais na educação dos cidadãos para se tornarem hidroconscientes e responsáveis.  O envolvimento sensorial, a experiência de estar em ambiente que estimula a percepção, o contato direto com a natureza, com a tecnologia facilitam a aprendizagem e a formação. O uso intenso desses equipamentos e sua procura atestam a demanda que existe por lugares e ambientes que educam de modo leve, lúdico, agradável.
É muito bom o trabalho de revitalização de rio urbano no Porto, realizado por Pedro Teiga.
https://www.facebook.com/watch/?v=1848312621864655 













sexta-feira, 5 de maio de 2017

Portugal e a convivência com a água



Maurício Andrés Ribeiro
Portugal tem uma longa história de convivência com a água. A partir da Escola de Sagres, articularam-se os conhecimentos técnicos que tornaram possíveis as grandes viagens marítimas pelo Atlântico e que atingiram todos os oceanos.

Cabo da Roca
O Cabo da Roca é o ponto mais ocidental do continente europeu, mencionado por Camões: "onde a terra se acaba e o mar começa."
Grandes cidades portuguesas estão situadas próximas à foz de grandes rios que nascem na Espanha (Lisboa no Tejo; o Porto no Douro).  Tal localização geográfica de cidades poderosas em foz de rios ajuda a desenvolver a consciência sobre a importância da água e a responsabilidade de quem está a montante. Nessas cidades portuguesas a água é elemento relevante na paisagem e no urbanismo, com usos intensos ao longo das orlas.
A orla do Tejo e o Museu da Arte, Arquitetura e Tecnologia
O Porto e o Rio Douro
A inserção de Portugal na União Europeia possibilitou avanços no saneamento e na adoção de normas comuns com os países daquele bloco, especialmente a Diretiva Quadro da Água. Em Portugal a lei da água (Lei no.58, de 29 de dezembro de 2005) segue o espírito da legislação europeia. Ela tem como objetivos “Evitar a continuação da degradação e proteger e melhorar o estado dos ecossistemas aquáticos e também dos ecossistemas terrestres e zonas húmidas diretamente dependentes dos ecossistemas aquáticos, no que respeita às suas necessidades de água.” Baseia a utilização sustentável da água numa proteção a longo prazo dos recursos hídricos disponíveis e se propõe a obter uma proteção reforçada do ambiente aquático. Explicita o valor social e ecológico da água e a necessidade de um elevado nível de proteção. A lei portuguesa tem por âmbito de aplicação a totalidade dos recursos hídricos abrangendo, além das águas, os respectivos leitos e margens, bem como as zonas adjacentes, zonas de infiltração máxima e zonas protegidas.
Abril, chuvas mil! Essa é uma frase usada tradicionalmente em Portugal e que reflete a situação do clima. Mas em grande parte do mês de abril de 2017 não houve muitas chuvas, como em anos anteriores. As mudanças do clima se fazem sentir em Portugal na forma de ondas de calor e incêndios florestais, especialmente nas plantações de eucalipto que se multiplicam.

Entrada do Museu da Água em Lisboa.
 Vários equipamentos culturais e ecológicos ligados às águas desempenham importante papel cultural e educativo. Eles são frequentados por crianças, adolescentes e estudantes em excursões, que ali se embebem da cultura da água e formam sua hidroconsciência.

quarta-feira, 3 de maio de 2017

Rios, direitos, deveres, dharma e sustentabilidade



Maurício Andrés Ribeiro

Cortes e tribunais em várias partes do mundo têm considerado rios como pessoas, sujeitos de direitos. Na Nova Zelândia, o rio Whanganui; na Índia, o rio Ganges e o Yamuna; na Colômbia, o rio Atrato.
No Brasil, em novembro  de 2017, o Rio Doce.
A Assembleia Geral da ONU discutiu em abril de 2017 a Jurisprudência da Terra e ali se demandou uma Declaração Universal dos Direitos da Natureza, que reflita a nossa relação fundamental com a Terra, incluindo o reconhecimento dos direitos próprios da natureza a existir e evoluir.
Está em curso um movimento que questiona fundamentos filosóficos e legais estabelecidos e tenta abrir espaço para visão holística e integral sobre os seres humanos e suas relações ecológicas harmônicas ou desarmônicas com a água e com os demais componentes da natureza.
Na natureza, como observou meu amigo que se foi, Flávio de Carvalho Serpa “Sobrevive o mais adaptado. A natureza não distingue entre o bem e o mal. A humanidade é a única que tem a ética e honestidade como fator seletivo, o que é bom...”
Se a espécie humana é a única que tem a noção do bem e do mal e a ética como regulador de comportamento, é razoável esperar que pessoas não humanas, como animais, rios etc também tenham deveres? A abordagem dos direitos da natureza suscita questões: se há direitos, deve haver também deveres? É dever de um rio prover hidroeletricidade para os seres humanos?
A abordagem dos direitos deve ser estendida também aos animais, como pessoas não humanas dotadas de sensibilidade, emoções e seu próprio nível de inteligência e consciência?
Os direitos humanos se expandiram. Dos direitos individuais - à liberdade, à vida, à expressão -, evoluiu-se para os direitos sociais, econômicos e culturais – à educação e à saúde, ao trabalho e à greve. Daí se evoluiu para a terceira geração, a dos direitos e interesses difusos, que ultrapassam a perspectiva individual e que incluem a proteção da coletividade, da paz e da segurança pública, do patrimônio histórico e cultural e do meio ambiente.
Ecologista respeitado, James Lovelock, em seu livro “A vingança de Gaia”, considera insuficiente a abordagem a partir dos direitos e necessidades humanos: “Meu desejo há muito tempo é que as religiões e os humanistas seculares se voltem para o conceito de Gaia e reconheçam que os direitos e necessidades humanos não são suficientes. (p.132). Ele afirma que “nossa tarefa como indivíduos é pensar em Gaia primeiro. Isso não nos torna desumanos ou indiferentes. Nossa sobrevivência como espécie depende totalmente de Gaia e de aceitarmos sua disciplina.” (p. 137).
Enquanto direitos e deveres são conceitos criados na civilização ocidental de matriz greco-romana e judaico-cristã, dharma é um conceito originário da civilização indiana, na Ásia. Mais de um século atrás, em 1908, um dos grandes sábios indianos, Sri Aurobindo, escreveu:
“Tem-se dito que a democracia baseia-se nos direitos do homem; foi respondido que deveria basear-se nos deveres do homem; mas ambos, direitos e deveres, são ideias europeias. Dharma é a concepção indiana em que os direitos e deveres perdem o antagonismo artificial criado por uma visão do mundo que faz do egoísmo a raiz da ação, e recupera a sua unidade profunda e eterna. Dharma é a base da democracia que a Ásia deve reconhecer, pois nisso reside a distinção entre a alma da Ásia e da alma da Europa. Por meio do dharma a evolução asiática se realiza; este é o seu segredo.” [4]
A imagem usada por Sri Aurobindo para definir o dharma ressalta a importância da unidade ao invés da contraposição. Direitos e deveres, que aparentemente se opõem, na realidade constituem uma unidade, como numa fita de Moebius, na qual um lado é a continuação do outro.
Fita de Moebius: os dois lados são um único. O conceito de Dharma unifica e dissolve o antagonismo entre direitos e deveres.
O conceito de dharma é fecundo no atual contexto em que se valoriza o que é sustentável. Heinrich Zimmer[5] nota que dharma é um substantivo proveniente da raiz do sânscrito dhr, que significa sustentar, carregar: “É a lei, aquilo que sustenta, mantém unido ou erguido.” Dharma tem, nesse sentido, uma relação direta com as questões da sustentabilidade e a dharmacracia é um caminho para a democracia sustentável.
O ex-presidente indiano S. Radhakrishnan, em livro sobre a visão hindu da vida, explora um significado similar, dizendo que “Dharma sustenta os meios os quais prendem uma coisa e mantém sua existência. Toda forma de vida, todo grupo de homens tem seu dharma, que é a lei do seu ser. Dharma ou virtude está em conformidade com a verdade das coisas; adharma ou vício é a oposição disto.”
Para além do antagonismo entre direitos e deveres, o cumprimento do dharma individual e coletivo pode ser essencial para produzir uma civilização sustentável.