segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Compartilhando águas de modo pacífico



Maurício Andrés Ribeiro

Compartilhamento e cooperação em  torno da água




Compartilhando águas de modo pacífico


Quando se tornam escassas, as águas tornam-se motivos de disputas e rivalidades. Se não existem modos civilizados para solucioná-los, esses conflitos acabam sendo resolvidos pela violência ou pela imposição do Estado.
Compartilhar águas de modo harmonioso e pacífico é uma arte e uma ciência.
No Brasil há experiências exitosas de compartilhar águas que possuem essas características e que merecem ser mais conhecidas e divulgadas. São boas práticas baseadas em informação de qualidade compartilhada entre os vários usuários da água de um rio ou reservatório.
No semiárido brasileiro vem funcionando as comissões locais de águas, focadas num sistema hídrico que pode ser uma bacia hidrográfica, uma microbacia, uma sub-bacia ou, ainda, um trecho de rio. Em Pernambuco, por exemplo, há uma variante delas que funciona como conselhos de usuários (CONSUS) nos quais participam usuários, governos e representantes da sociedade civil. Esses conselhos da água tomam consciência da realidade da bacia, pactuam entre si a alocação de água e se autofiscalizam mutuamente, administrando a escassez e resolvendo conflitos e disputas de forma não violenta. Eles constituem uma evolução em relação a métodos que se utilizam da imposição externa ou uso da força para resolver disputas pela água.
Quando não existe conselho local estabelecido pelo estado, elege-se um grupo de pessoas que representam todos os setores e acompanham o assunto. Essas comissões compartilham informações sobre chuva e vazão dos rios naquela área; a partir desse conhecimento decidem como alocar de forma negociada a água disponível, de modo a atender a cada usuário e de modo a não faltar nos períodos seguintes.
Aplica-se a ciência e o conhecimento para resolver problemas práticos. O instrumento de ação é um termo de alocação de água. Instala-se uma comissão de acompanhamento para monitorar a quantidade da água disponível e para fazer a autofiscalização e evitar que um usuário retire mais agua do que a que lhe cabe na negociação ou no acordo com os demais.
No Brasil há mais de 100 comissões gestoras em funcionamento, formalizadas de modo flexível, com efetiva participação social. Elas constituem um modo de atuar funcional, prático, econômico e eficaz. Além da alocação de água elas definem as regras para a regulação do uso, ajudam na fiscalização, no monitoramento, e até mesmo indicam ações como a reforma de válvulas que liberam águas em reservatórios.
Para quem se interessar por mais informações sobre esse método eficaz de prevenir disputas, sugiro ver no site da ANA o link sobre alocação de água, onde há termos de alocação e boletins de acompanhamento, além  de orientações sobre o método e como aplica-lo. No YouTube um vídeo de 3 minutos informa em linguagem comunicativa sobre a alocação negociada da águaE um outro mais recente dá o testemunho sobre os resultados da alocação de água.
Num contexto de mudanças do clima e de crise hídrica nos quais tendem a se multiplicar conflitos pelo uso da água, essas experiências de compartilhamento harmonioso de água são bons exemplos a se multiplicarem.
(*) Agradeço a Wilde Cardoso Gontijo Junior por sugestões incorporadas neste texto.






terça-feira, 10 de outubro de 2017

Psicoeconomia e Ambiente



Maurício Andrés Ribeiro (*)

O comportamento do Homo lixius produz resíduos de todo tipo.
 Questões subjetivas  influem na demanda de bens e serviços e no comportamento humano na economia. Em modelos mentais estão fincadas as raízes do consumismo, da pressão sobre os recursos naturais, da agressão e destruição da biosfera, da extinção de espécies, das mudanças climáticas. Na subjetividade se encontram potenciais e recursos valiosos para desenvolver comportamento ecologizado e amigável em relação à natureza e para ecologizar a economia.
A economia é movida por impulsos e por motivações psicológicas que, quando predatórias, destroem o equilíbrio ecológico. A psicoeconomia – assim como outros campos emergentes como a economia do comportamento, a neuroeconomia[1] e a economia evolucionária -  tratam da relação entre a psicologia e a atividade econômica, e de como as necessidades, expectativas, esperanças e aspirações subjetivas influenciam e formam as demandas de consumo e de produção. Edgar Morin observa que a economia carrega em si necessidades, desejos, e paixões humanas que ultrapassam os meros interesses econômicos.[2]
Na economia, trabalha-se com a oferta e a demanda. Demanda e necessidade têm um forte componente subjetivo. Demandas são distintas de necessidades, que também são diferentes de desejos e de aspirações. A economia é movida por desejos ou medos próprios ou induzidos de fora para dentro. Desejos ou sonhos de consumo por um bem material ou por algo intangível e imaterial como por exemplo, a felicidade, constituem impulsos básicos dos consumidores.
Uma parte do consumo deriva de necessidades biológicas, como por exemplo saciar a fome. A propaganda para o consumo explora os aspectos psicológicos, de satisfação, segurança, conforto, comodidade, sobrevivência, e também manipula os instintos básicos. Assim, por exemplo, o medo e o pânico, referentes a perigos imaginários ou reais, insuflam a produção e consumo de armas; o desejo de alterar estados de consciência insufla o mercado de drogas; o desejo de velocidade infla a indústria de automóveis; o anseio pela beleza alimenta o mercado da moda e dos cosméticos, bem como as cirurgias plásticas. Subliminares, a propaganda e o marketing induzem, influenciam, provocam hipnose pelo desejo. Os desejos de consumo induzidos pela propaganda, são manipulados subliminarmente, inclusive nas crianças. (Por essa razão em alguns países é restrita a propaganda voltada para os muito jovens, presas fáceis das ilusões e estímulos da propaganda na TV).
Ecologizar demandas e substituí-las por outras que sejam ecologicamente menos destrutivas é um processo psicológico e subjetivo, pois implica em dissolver ou reduzir certos tipos de desejo. Reorientar a demanda é um processo mental, relacionado com a razão e o conhecimento objetivo, e também com o equilíbrio ou o desequilíbrio emocional, os sentimentos, instintos e intuições subjetivas. O atendimento acrítico e não seletivo a demandas do mercado precisa ser abolido da prática econômica, pois demandas ilimitadas exercem pressão ilimitada sobre a capacidade de suporte do ambiente, levando à degradação climática e ambiental
Ao conhecer os processos psicológicos, pode-se lidar com o desejo, dissolvê-lo ou saciá-lo, e até mesmo superá-lo. A psicologia pode ajudar a responder algumas questões:
  • Como se formam os desejos e os medos?
  • Qual é a nossa relação individual e coletiva com os desejos e sua satisfação?
  • É possível dissolvê-los, superá-los, saciá-los?
  • Que aspirações mais elevadas, intangíveis, não-materiais e ideais é necessário cultivar?
  • Por que se  deseja algo que é negativo para a saúde ambiental, o clima e para o meio ambiente?
  • Como reduzir o atendimento a demandas não essenciais e aumentar o atendimento a necessidades básicas?
  • Como identificar o que é uma demanda não essencial ou que não atende a necessidades básicas?
  • A sociedade deve impor interdições, restrições ou multas ao atendimento de desejos que se mostrem antiecológicos?
  • Como opera  a psicologia de pessoas que resistem e recusam o consumo de bens e serviços e o processo que as leva a optar por esse modo de vida?
 Diferenciar o que sejam necessidades básicas do que são demandas supérfluas é um exercício cada vez mais necessário. No limite, para evitar impactos ambientais e climáticos, será necessário suprimir demandas supérfluas. É preciso, portanto, questioná-las, estimular a frugalidade e onerar as demandas destrutivas. 
Trabalhar sobre os processos psicológicos que aumentam demandas ilimitadas, reverter e transformar  desejos e necessidades, podem ser formas de reduzir as pressões sobre o ambiente e de mitigar a degradação ambiental, as mudanças climáticas e suas conseqüências nefastas.


[1] A neuroeconomia é uma disciplina de integração entre a  Economia, a Psicologia e a Neurociência que pode  fornecer uma teoria do comportamento humano única e geral. E compreender os processos que relacionam sensação e ação, ao revelar os mecanismos neurobiológicos Os economistas e os psicólogos trabalham conceitos para compreender e modelizar o comportamento (softwares?) ; já os neurobiólogos estudam os mecanismos( hardware que processa as informações).

[2] Os interessados no tema da psicologia econômica tem uma boa fonte de consulta nos trabalhos de Vera Rita de Mello Ferreira. Ver  http://www.verarita.psc.br/portugues.php?id=psico  Em 2017 o Prêmi
o Nobel de Economia foi para Richard Thaler, da área da economia comportamental.