quinta-feira, 14 de maio de 2020

Simplicidade voluntária e frugalidade


Maurício Andrés Ribeiro
Durante a pandemia do coronavirus em 2020 houve efeitos colaterais positivos do isolamento e das quarentenas adotadas em inúmeros países. Reduziu-se a poluição do ar, reapareceram paisagens que antes ficavam encobertas pela poeira, como os Himalaias, reduziu-se a poluição das águas; tartarugas e peixes voltaram a rios e baias, reduziram-se as emissões de gases de efeito estufa, diminuíram algumas doenças respiratórias devido à redução das poluições urbanas, aliviaram-se os hospitais com a redução de acidentes de trânsito.
Além disso, manifestações de solidariedade tornaram-se mais frequentes. Palestinos e israelenses se uniram para lidar com o coronavirus de modo cooperativo; grandes  empresas e seus acionistas deixaram de buscar egoisticamente apenas seus lucros e  doaram recursos para lidar com a doença e suprir necessidades básicas dos mais afetados pelas quarentenas e isolamentos; comunidades carentes descobriram novas formas de cooperar diante desse risco.
De certo modo o vírus impôs, de fora para dentro, uma mudança de hábitos cotidianos que trouxe ganhos para o ambiente natural e social. Esses resultados  positivos da parcial hibernação provocada pela pandemia evidenciam como o intenso ritmo de atividades  humanas  causa impactos negativos que adoecem a natureza.
Uma vez passada a fase crítica da pandemia, o que fazer para que tais atitudes de fraternidade,  cooperação e união se tornem, voluntaria e conscientemente, o novo normal nas sociedades? O que fazer para que os efeitos colaterais ambientais positivos passem a ser produtos de atitudes conscientes e deixem de ser apenas contingências impostas de fora para dentro pelo coronavirus?
De certo modo a pandemia  valorizou um sentido de unidade humana para além das diferenças  e fez aflorar um sentido de superação do egoísmo e de fortalecimento da fraternidade.
O novo normal depois da pandemia significa viver com menos consumismo, com menos viajismo, com menos carnivorismo, com menos agressão aos animais silvestres, com menos pressões sobre a capacidade de suporte da natureza. Em  suma, reduzir as normoses existentes no período anterior à pandemia. Ao mesmo tempo, viver com maior sentido de unidade humana, para além das  diferenças e com mais fraternidade. Isso se traduz nas atitudes de se adotar a austeridade feliz, a simplicidade voluntária, o conforto essencial e a frugalidade.
Austeridade feliz é a proposta  de se adotar voluntariamente um modo de vida austero com ética ecológica e que proporcione bem estar.  A renúncia ao luxo e ao supérfluo, a contenção e autolimitação do consumo reduzem os impactos ambientais da ação humana. A austeridade feliz vai na contramão dos apelos valorizados pela propaganda como relevantes para a felicidade. Propõe reduzir o consumo material para poupar os recursos da natureza. A austeridade feliz produz um modo de vida que torna mais leve a pegada ecológica. É uma atitude de vida capaz de harmonizar o ser humano com o ambiente, e um modo de vida que reflete uma visão compassiva e solidária.
Simplicidade voluntária é uma opção deliberada de quem reduz suas demandas para poupar os recursos da natureza. Para que seja adotada, é preciso dissolver os desejos por aquisição  de mais bens, mais viagens, mais eletrodomésticos, mais conforto material, que têm como consequências mais poluição e mais gastos de recursos naturais. A simplicidade voluntária é diferente da privação forçada e involuntária.
Já o conforto essencial é o nível de conforto básico que traz bem estar e que evita o supérfluo. Em alguns casos, para alcançar o conforto essencial  é necessário virar a própria mesa e sair do comodismo e do conformismo.  
Frugalidade é sobriedade, temperança, parcimônia, simplicidade de costumes e de modo de vida. Ela supera a idolatria e o apego irracional ao crescimento exponencial contínuo num planeta finito. Propõe que se alcance uma economia estável, que respeite os limites da biosfera. A frugalidade pode reduzir a emissão de CO2 na atmosfera e a emissão de todos os tipos de resíduos na biosfera.
Pique nique no parque. Lodi Estate, Delhi, 2013.
Há exemplos históricos de frugalidade em antigas civilizações.  Gandhi disse que “A civilização, no verdadeiro sentido da palavra, não consiste em multiplicar nossas necessidades, mas em reduzi-las voluntariamente, deliberadamente.”  Milenarmente, a Índia adotou estilo de vida frugal e adotou uma economia que respeitou os limites da biosfera. Sacralizou bichos e plantas. Praticou o vegetarianismo. Organizou-se espacialmente numa rede de pequenas aldeias semi autossuficientes e em ashrams ou comunidades espirituais. Exercitou posturas corporais que reduzem a demanda por objetos.

 Entretanto, na Índia atual (como também no mundo todo) os apelos ao consumo se exacerbaram e com eles a pressão sobre a natureza e o clima. A frugalidade adotada por milênios é colocada em risco por estilos de vida predatórios e  crescentes aspirações de bem  estar  material por parte daqueles que sofrem privações. Ainda não se sabe se no período pós-pandemia essa tendência prevalecerá ou se cederá lugar para um mundo mais frugal no qual a austeridade possa ser feliz, a simplicidade seja adotada voluntariamente e os desperdícios cedam lugar a uma atitude de busca do conforto essencial.

 

 

 


 

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