Maurício
Andrés Ribeiro
Durante
a pandemia do coronavirus em 2020 houve efeitos colaterais positivos do
isolamento e das quarentenas adotadas em inúmeros países. Reduziu-se a poluição
do ar, reapareceram paisagens que antes ficavam encobertas pela poeira, como os
Himalaias, reduziu-se a poluição das águas; tartarugas e peixes voltaram a rios
e baias, reduziram-se as emissões de gases de efeito
estufa, diminuíram algumas doenças respiratórias devido à redução das poluições urbanas,
aliviaram-se os hospitais com a redução de acidentes de trânsito.
Além
disso, manifestações de solidariedade tornaram-se mais frequentes. Palestinos e
israelenses se uniram para lidar com o coronavirus de modo cooperativo;
grandes empresas e seus acionistas
deixaram de buscar egoisticamente apenas seus lucros e doaram recursos para lidar com a doença e suprir necessidades básicas dos mais afetados pelas quarentenas e isolamentos;
comunidades carentes descobriram novas formas de cooperar diante desse risco.
De
certo modo o vírus impôs, de fora para dentro, uma mudança de hábitos
cotidianos que trouxe ganhos para o ambiente natural e social. Esses
resultados positivos da parcial
hibernação provocada pela pandemia evidenciam como o intenso ritmo de
atividades humanas causa impactos negativos que adoecem a
natureza.
Uma
vez passada a fase crítica da pandemia, o que fazer para que tais atitudes de
fraternidade, cooperação e união se
tornem, voluntaria e conscientemente, o novo normal nas sociedades? O que fazer para que os efeitos colaterais ambientais positivos passem
a ser produtos de atitudes conscientes e deixem de ser apenas contingências
impostas de fora para dentro pelo coronavirus?
De certo modo a pandemia valorizou um sentido de unidade humana para
além das diferenças e fez aflorar um
sentido de superação do egoísmo e de fortalecimento da fraternidade.
O
novo normal depois da pandemia significa viver com menos consumismo, com menos
viajismo, com menos carnivorismo, com menos agressão aos animais silvestres,
com menos pressões sobre a capacidade de suporte da natureza. Em suma, reduzir as normoses existentes no
período anterior à pandemia. Ao mesmo tempo, viver com maior sentido de unidade
humana, para além das diferenças e com
mais fraternidade. Isso se traduz nas atitudes de se adotar a austeridade feliz,
a simplicidade voluntária, o conforto essencial e a frugalidade.
Austeridade feliz é a proposta de se adotar voluntariamente um modo de vida austero
com ética ecológica e que proporcione bem estar. A renúncia ao luxo e ao supérfluo, a contenção
e autolimitação do consumo reduzem os impactos ambientais da ação humana. A
austeridade feliz vai na contramão dos apelos valorizados pela propaganda como
relevantes para a felicidade. Propõe reduzir o consumo material para poupar os
recursos da natureza. A austeridade feliz produz um modo de vida que torna mais
leve a pegada ecológica. É uma atitude de vida capaz de harmonizar o ser humano
com o ambiente, e um modo de vida que reflete uma visão compassiva e solidária.
Simplicidade voluntária é uma opção deliberada de quem reduz suas
demandas para poupar os recursos da natureza. Para que seja adotada, é preciso
dissolver os desejos por aquisição de
mais bens, mais viagens, mais eletrodomésticos, mais conforto material, que têm
como consequências mais poluição e mais gastos de recursos naturais. A
simplicidade voluntária é diferente da privação forçada e involuntária.
Já
o conforto essencial é o nível de
conforto básico que traz bem estar e que evita o supérfluo. Em alguns casos, para
alcançar o conforto essencial é necessário
virar a própria mesa e sair do comodismo e do conformismo.
Frugalidade é sobriedade, temperança, parcimônia,
simplicidade de costumes e de modo de vida. Ela supera a idolatria e o apego
irracional ao crescimento exponencial contínuo num planeta finito. Propõe que
se alcance uma economia estável, que respeite os limites da biosfera. A
frugalidade pode reduzir a emissão de CO2 na atmosfera e a emissão de todos os
tipos de resíduos na biosfera.
Pique nique no parque. Lodi Estate, Delhi, 2013. |
Entretanto, na Índia atual (como também no mundo todo) os apelos ao consumo se exacerbaram e com eles a pressão sobre a natureza e o clima. A frugalidade adotada por milênios é colocada em risco por estilos de vida predatórios e crescentes aspirações de bem estar material por parte daqueles que sofrem privações. Ainda não se sabe se no período pós-pandemia essa tendência prevalecerá ou se cederá lugar para um mundo mais frugal no qual a austeridade possa ser feliz, a simplicidade seja adotada voluntariamente e os desperdícios cedam lugar a uma atitude de busca do conforto essencial.
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