quarta-feira, 11 de setembro de 2019

Municípios, uso do solo e gestão das águas


Maurício Andrés Ribeiro 

A Constituição Federal de 1988 dispõe que cuidar do uso e da ocupação do solo é competência dos municípios, que atuam por meio de planos diretores, leis orgânicas municipais, leis de uso e ocupação do solo, leis de loteamento ou parcelamento, Estatuto da Cidade e normas urbanísticas. Também podem fazê-lo por meio da criação e implantação de unidades de conservação.
Devido a essas responsabilidades legais, as ações municipais incidem direta ou indiretamente na gestão das águas. A produção de água envolve o uso do solo rural, onde ela é produzida e o uso do solo urbano, onde é distribuída, flui e é devolvida ao ambiente natural.
No município se localiza uma multiplicidade de usuários da água, desde o consumidor doméstico até os usos industriais, minerários e a irrigação. Cabe a ele, portanto, parte da responsabilidade referente à prevenção de conflitos entre usuários, que podem ser evitados por meio da aplicação dos instrumentos de ordenamento territorial.
Não se pode obrigar o município a cumprir determinações de outras escalas de governo e de planos de recursos hídricos, mas é possível induzir comportamentos hidroconscientes. Incentivos econômicos, como os oferecidos pelo ICMS ecológico, induzem os municípios a serem ambientalmente responsáveis. Leis estaduais de ICMS ecológico estimularam municípios a introduzirem em suas prioridades a criação e a manutenção de unidades de conservação (agenda Verde), bem como o licenciamento de aterros sanitários e usinas de lixo (agenda Marrom). Incentivos similares podem ser oferecidos a municípios que disponham de plano de ordenamento territorial hidricamente conscientes, que considerem a gestão das águas superficiais e subterrâneas, a drenagem e a recarga de aquíferos (agenda Azul).
Por meio de autorizações e alvarás, municípios aprovam usos do solo em seu território. Com vontade política e competência técnica e jurídica, podem negar alvarás ou licenças para usos, parcelamentos ou loteamentos do solo. Autorizações ou licenças ambientais estaduais ou federais dependem da anuência municipal, por meio de declaração de que empreendimento a ser licenciado não se localiza em desacordo com o uso e ocupação do solo municipal.
São múltiplas as responsabilidades municipais que incidem na produção e na demanda das águas: proteger mananciais de superfície e subterrâneos e áreas de preservação permanente, criar e manter parques urbanos, cuidar das lagoas urbanas, proteger áreas de recarga de  aquíferos, as inundações ribeirinhas, agravadas pelas ilhas de calor sobre as cidades, gerenciar o uso do solo de modo hidricamente responsável, evitar  os deslizamentos de encostas, prover o saneamento - o abastecimento, o esgotamento sanitário, os resíduos sólidos, e drenagem que evite inundações; legislar para que as  edificações  e o paisagismo sejam hidroeficientes.

Figura: Fonte: (Tucci, 2003) in Avaliação Ambiental integrada de bacia Hidrográfica, de Carlos E.M. Tucci e Carlos André Mendes, 2006.
A gestão do lixo é essencial, pois sua disposição inadequada agrava enchentes urbanas, ao entupir os sistemas de drenagem. Também prejudica a qualidade das águas superficiais e subterrâneas quando sua disposição final é feita em lixões. A gestão de resíduos exige ações de todos e, especialmente, um forte envolvimento das cidades e dos cidadãos.
Os cursos d’água têm leitos de vazante, leitos menores e leitos maiores que enchem durante chuvas intensas. Inundações e enchentes urbanas se agravam quando os espaços para a ocupação imobiliária e para o automóvel invadem as faixas ribeirinhas nos fundos de vales e são construídas avenidas “sanitárias”, que encaixotam os rios urbanos e tiram o espaço natural da água.
As enchentes têm uma componente climática associada ao aumento da precipitação de chuvas e uma componente não climática, como, por exemplo, o entupimento de redes de drenagem pelo lixo ou o escoamento superficial aumentado devido à impermeabilização dos solos.
Em muitas cidades brasileiras, encostas íngremes e fundos de vales sujeitos a riscos foram ocupados. As cidades deram as costas à água. O planejamento urbano se hidroalienou e desconhece o ciclo da água.  Grande parte da infraestrutura hídrica nas cidades é subterrânea:  tubulações prediais, redes de abastecimento, redes de coleta de esgoto, redes de drenagem estão fora das vistas do cidadão e são pouco conhecidas.
Em Belo Horizonte, pessoas morreram afogadas dentro de seus veículos que trafegavam por uma avenida de fundo de vale no momento de uma súbita enchente. 
A proteção da cobertura vegetal é uma forma de reduzir os riscos de erosão e deslizamentos de encostas. É também um modo de trabalhar a favor da natureza para que ela preste serviços valiosos de estocagem de água no subsolo.

 

 

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